04/04/2014 - 21:00
A morte da estudante americana Amber Marie Rose, de apenas 16 anos, em um acidente de carro, em julho de 2005, chamou a atenção dos investigadores da cidade de Dentsville, no Estado de Maryland. Apesar da violência da batida, que arrancou do chão algumas árvores, o airbag do veículo não funcionou. Amber havia bebido e estava sem cinto de segurança, mas teria sobrevivido caso o dispositivo funcionasse corretamente, segundo os médicos que atenderam a ocorrência. A primeira pista para desvendar o mistério estava dentro do carro. Os policiais notaram que a chave da ignição se encontrava na posição de desligada.
No congresso: na terça-feira 1º, a executiva pediu desculpas às famílias das vítimas durante
depoimento no Congresso. “Vamos descobrir o que aconteceu”, afirmou
O relatório final da investigação mostrou que, por causa de um defeito na peça, o automóvel da jovem, o compacto Cobalt (não se trata do mesmo modelo do vendido no Brasil), fabricado pela GM, desligou-se sozinho em movimento, inabilitando a direção, os freios e o airbag. Os pais adotivos de Amber processaram a montadora de Detroit, que entrou em acordo com a família por um valor não revelado. O acordo pode ter encerrado esse caso específico, mas os problemas da GM com a ignição defeituosa estavam longe de acabar. A morte de Amber foi apenas a primeira de outras 12 vinculadas ao defeito.
Pressionada pelas autoridades americanas, a maior fabricante de veículos dos Estados Unidos, com um faturamento global de US$ 155 bilhões no ano passado, admitiu que tinha conhecimento do problema havia mais de uma década, para espanto da opinião pública e da imprensa. O recall para substituir a peça, no entanto, só foi anunciado no início de março deste ano. Na semana passada, a companhia ampliou para 2,6 milhões o número de carros convocados para reparos. Esse infeliz episódio submete a CEO da GM, Mary Barra, a uma autêntica prova de fogo. Mary, que está há apenas três meses no cargo, terá de lidar com uma crise sem precedentes na história da empresa.
Sua missão não será nada fácil. Documentos entregues aos órgãos regulatórios do país mostram que a direção da GM aprovou o uso da peça, produzida por sua ex-subsidiária Delphi, mesmo sabendo que não havia sido aprovada em seus próprios testes de qualidade. Em 2005, um relatório feito pelos engenheiros da montadora propunha soluções para corrigir o defeito. A direção, que na época era presidida por Rick Wagoner, que já passou pelo Brasil no início dos anos 1980, considerou que o custo da substituição, de US$ 0,57 por peça, era muito alto. O recall custaria US$ 100 milhões. Na terça-feira 1º, Mary foi chamada para depor perante o Congresso americano. Ela pediu desculpas às famílias das vítimas.
A executiva, no entanto, não deu muitas respostas. “Hoje, não posso dizer por que levamos tanto tempo para anunciar o defeito”, afirmou. “Mas posso dizer que vamos descobrir o que aconteceu.” Apesar da intervenção lacônica, sua atuação está sendo elogiada. A CEO, inclusive, é apontada como a grande responsável por trazer à tona o caso. “Meu palpite é que essa história só chegou ao público graças ao fato de a GM ser comandada por uma mãe de família”, afirmou, em seu Facebook, o cineasta Michael Moore, autor de diversos documentários sobre desvios éticos nas corporações. “Ao que parece, ela não é como os seus velhos camaradas de empresa.”
Isso é algo que Mary faz questão de ressaltar. “O que aconteceu faz parte da velha GM e não da nova”, disse, durante seu depoimento. Velha ou nova, a GM agora pode sofrer sérios prejuízos. Envolvida num caso semelhante, em 2009, a japonesa Toyota acabou multada em US$ 1,2 bilhão. A decisão da antiga direção da montadora americana fica ainda mais inexplicável quando se considera que um recall não traria tantos prejuízos, a ponto de ser ignorado. “O recall traz credibilidade para a companhia e é uma coisa normal”, afirma Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria automotiva ADK.
“Uma empresa, em sã consciência, nunca trocaria a vida de seus clientes por menores gastos financeiros.” É verdade que isso já aconteceu no passado. Em 1970, a Ford lançou nos Estados Unidos o Pinto, um modelo compacto que foi sucesso de vendas. A companhia escondeu um defeito que fazia o carro explodir em caso de colisão traseira. O episódio resultou em pagamento de US$ 128 milhões em indenizações, o equivalente a US$ 900 milhões em valores atualizados. O caso se tornou um marco no mercado automotivo, tendo contribuído para a criação de diversas regulamentações de segurança.
Colaborou: André Jankavski