23/12/2011 - 21:00
As surpresas da Primavera Árabe não se encerraram em 2011. A autoimolação do ambulante tunisiano Mohamed Bouazizi, há pouco mais de um ano, deflagrou protestos que se espalharam pelo Oriente Médio e norte da África como um rastilho de pólvora. Nada menos do que 14 países foram palco de protestos ao longo deste ano. A fila de ditadores obrigados a renunciar depois de décadas no poder cresceu no período: Zine El-Abidine Ben Ali fugiu da Tunísia em janeiro; Hosni Mubarak renunciou no Egito em fevereiro; Muamar Kadafi foi morto por populares em outubro, encerrando meses de sangrenta guerra civil. No Marrocos, o rei Mohammed VI foi obrigado a aceitar uma reforma constitucional e a convocar eleições legislativas em junho. Agora, a turbulência está concentrada na Síria, sob sanções econômicas da Liga Árabe pelo massacre de cerca de cinco mil civis pelo governo do presidente Bashar Assad. Os países mais ricos, como Arábia Saudita, Kuwait e Bahrein não tiveram os regimes ameaçados, mas enfrentaram protestos que deixam claro que a população do Oriente Médio não é mais uma maioria silenciosa.
No Cairo, protestos não terminaram com a saída de Mubarak e a população
excluída continua frustrada com desemprego e pobreza
O problema é que a expectativa de que os governos autocráticos fossem substituídos por democracias laicas à maneira ocidental não se confirmou. Nos três países que já tiveram eleições depois do início dos protestos, Egito, Marrocos e Tunísia, partidos islâmicos foram os grandes vitoriosos. A grande incógnita é se os novos governos da região conseguirão fazer mudanças econômicas que aliviem os índices de desemprego e inflação, principalmente de alimentos, e reduzam o altíssimo grau de corrupção. “O componente social foi fundamental nas revoltas e a maneira com que os governos tratarão a exclusão econômica de grande parte da população será determinante para seu sucesso político”, afirma o professor Salem Nasser, da escola de direito da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo, especialista em Oriente Médio. Governos islâmicos poderão mudar bastante o ambiente de negócios, restringindo, por exemplo, atividades financeiras como cobrança de juros, obedecendo a preceitos religiosos.
Claro que, em meio à turbulência e à instabilidade institucional, é difícil ver os contornos futuros das sociedades árabes e se os regimes serão bem-sucedidos em elevar o padrão de vida da população e expandir a classe média nesses países, o que geraria oportunidade de investimento para companhias brasileiras. Mas o Brasil parece estar bem posicionado para acompanhar as mudanças nos modelos político e econômico no Oriente Médio. “A relação brasileira com os países árabes tem se aprofundado desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o maior protagonismo internacional do Brasil”, afirma Nasser. Como o Brasil exporta principalmente alimentos para os países árabes, o comércio não foi muito prejudicado pelas rupturas. O total de exportações brasileiras para os 22 países representados pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, por exemplo, cresceu 22% neste ano, para US$ 13,8 bilhões até novembro, concentradas principalmente em açúcar, carnes, minérios, cereais e óleos.
Manifestação em Maqsha, no Bahrein, pede, em novembro, a troca do governo e agita
bandeiras dos países sacudidos pela revolta: Síria, Iêmen, Jordânia, Tunísia e Egito
“Há boa possibilidade de crescimento do comércio quando a transição avançar na maior parte dos países”, diz o diretor-geral da Câmara, Michel Alaby. Além da pauta de alimentos e produtos básicos, poderia haver uma expansão nas exportações brasileiras de material de construção, mobiliário, autopeças, máquinas agrícolas, embalagens e cosméticos, afirma Alaby. Com os parceiros mais ricos e estáveis, como Kuwait ou Arábia Saudita, o Brasil está tentando atrair maior volume de investimentos de petrodólares, mas esbarra na falta de tratados tributários. Isso torna esporádicos investimentos em empresas brasileiras pelos gigantescos fundos soberanos da região.Mas a instabilidade política colocou em banho-maria atividades internacionais de grandes empresas brasileiras na região, principalmente as envolvidas com obras de infraestrutura.
O maior exemplo é o da Líbia, atingida por uma guerra civil, de onde a construtora Norberto Odebrecht teve de retirar 3.558 funcionários. As obras do Aeroporto Internacional de Trípoli e do Anel Viário de Trípoli foram interrompidas, e 700 funcionários líbios tomam conta das instalações. “Os conflitos na Líbia não fizeram a Odebrecht desistir do país”, afirmou a empresa em nota. As políticas de investimentos em infraestrutura de países que atravessam transições de regime devem demorar a ser definidas, o que deixa as empreiteiras brasileiras em compasso de espera. A estação da Primavera Árabe pode demorar anos para terminar.