05/07/2013 - 21:00
Em 1996, o engenheiro húngaro Andrew Grove, então CEO da Intel, publicou o livro Só os paranoicos sobrevivem. A obra se tornou um best-seller e virou referência na literatura empresarial. Responsável direto por ter tornado a Intel um gigante da tecnologia, Grove defende no livro que a gestão das empresas precisa ser permanentemente vigilante, vivendo uma espécie de paranoia saudável. Só assim seria possível evitar surpresas, por exemplo, com investidas de concorrentes, questões regulatórias ou inovações tecnológicas disruptivas. Pois a companhia que Grove comandou entre 1987 e 1998 – e ajudou a criar como integrante da equipe pioneira da Intel, ao lado dos fundadores Robert Noyce e Gordon Moore – foi vítima do perigo para o qual ele havia alertado.
Fernando Martins, presidente da Intel: “O Brasil é estratégico para a Intel como negócio
e também na definição do próximo passo da tecnologia”
Líder absoluta no mercado de chips na era dos computadores, com a parceira Microsoft, de Bill Gates, a empresa não soube fazer a transição para uma nova tecnologia, a da internet móvel, na qual entrou tardiamente e patina até hoje. E, embora seus executivos atuais não admitam isso, a empresa dá sinais de perceber que essa batalha – a dos smartphones e tablets – talvez esteja perdida para concorrentes como ARM, Qualcomm e Nvidia. Isso ajuda a compreender por que a Intel hoje investe bilhões de dólares e coloca seus cérebros mais brilhantes para tentar dominar a próxima grande revolução tecnológica: a internet das coisas. “A internet está passando de uma fase em que apenas conectava pessoas para uma nova em que também conecta máquinas umas às outras”, afirmou à Dinheiro Justin Rattner, vice-presidente e diretor global de tecnologia da Intel.
“Os aparelhos estão ficando inteligentes o suficiente para continuar as conversas. Isso pode parecer algo futurista, mas essa realidade não está muito distante.” Nesse novo mundo vislumbrado por Rattner, o homem que comanda o futuro tecnológico de uma corporação que faturou US$ 53,3 bilhões e investiu US$ 10 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, em 2012, os objetos “conversam” entre si para realizar tarefas diversas, como avisar a dona de casa que em breve acabará a comida armazenada em sua geladeira ou ajudar as pessoas a comprar os ingressos para o filme que pretendem assistir. Também deverão colaborar com os gestores de cidades a monitorar melhor o tráfego e, para as empresas, terão papel fundamental no aumento da eficiência logística, no controle de estoques e no processamento de informações de clientes, entre tantas outras funções.
Rattner, vice-presidente: para o executivo, a internet está passando da fase em que conectava pessoas
para outra em que as máquinas se conectam umas às outras
Estamos falando de uma inovação capaz de transformar radicalmente a vida dos consumidores e a forma de fazer negócios. Nessa nova etapa da Intel, um cientista brasileiro ocupa um papel de destaque: Fernando Martins, presidente da companhia no País. Ph.D. em engenharia elétrica e de computação pela Carnegie Mellon University e também pelo programa OGI/ Stanford Executive Education, o executivo é responsável por desenvolver no País pesquisas e projetos em novas tecnologias, como a dos objetos inteligentes, somando-se aos esforços do grupo ao redor do mundo. “A evolução nas formas de utilização da tecnologia representa novas oportunidades de negócio para a Intel”, afirma Martins.
“Por isso, temos sensores em diversos dispositivos, como carros, contêineres e eletrodomésticos, além dos smartphones e tablets.” As investidas na área de inovação de Martins, que está há pouco mais de dois anos no comando da subsidiária brasileira, depois de mais de uma década trabalhando como cientista da Intel nos EUA, agora começam a ficar mais visíveis. A Intel firmou um acordo com o governo federal, em fevereiro, pelo qual investirá R$ 300 milhões até 2017 no Brasil. A iniciativa integra o programa TI Maior, elaborado pelo governo para atrair investimentos em P&D por parte de companhias nacionais e estrangeiras.
Krzanich, CEO: a primeira grande medida do executivo ao assumir o comando da fabricante de chips,
em maio, foi anunciar a criação de uma diretoria específica para novos dispositivos
A verba será destinada à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologia nas áreas de energia, transportes e educação. Como parte do projeto, a Intel já recebeu da Petrobras uma encomenda para desenvolver programas de computador que visualizam e simulam a extração de petróleo na camada pré-sal. O diálogo com a Petrobras não começou agora. Em dezembro de 2011, a empresa desenvolveu para a Petrobras Distribuidora o Posto do Futuro, o primeiro grande exemplo prático de aplicação da internet das coisas pela Intel no Brasil.Localizado no Rio de Janeiro, o estabelecimento é equipado com sistemas inteligentes que permitem um atendimento personalizado do cliente.
Ele funciona da seguinte forma: ao entrar no posto de serviços, o veículo é identificado por sensores e câmeras, ligados a painéis de mídia instalados no local, capazes de reconhecê-lo. Assim, ao chegar ao posto inteligente, o carro – desde que também esteja equipado com um sensor eletrônico especial – comunica-se automaticamente com o sistema do estabelecimento. O veículo – sim, o veículo – poderá, então, informar aos computadores do posto que está precisando de uma troca de óleo. Essa informação aparecerá numa tela para o frentista, que, por sua vez, poderá sugerir isso ao motorista do carro. Além disso, será possível guardar e processar informações sobre o hábito de consumo dos clientes, o que permitirá a criação de programas de fidelização.
“Esse projeto demonstra que não é só o dispositivo na ponta que é o nosso negócio, mas sim todo o espectro computacional”, diz Martins. Os planos voltados à internet das coisas são tão estratégicos que a Intel até criou uma diretoria específica para lidar com inovações desse tipo no País. É o departamento de Sistemas Inteligentes. Hoje, essa área está voltada para todos os produtos da empresa que não sejam computadores, tablets e smartphones. Ela é responsável, entre outras coisas, por sensores de coleta de dados ambientais, terminais bancários de autoatendimento e pelas urnas eletrônicas usadas nas eleições.
“No fim do ano passado, começamos a fazer uma pesquisa com universidades para desenvolver serviços de criptografia para sistemas e chips que gastem pouca energia”, diz Fábio Tagnin, diretor de pesquisa da área de Sistemas Inteligentes. O departamento também faz cálculos de rotas nas cidades com base no número de carros em uma determinada via e na velocidade de deslocamento. Isso é possibilitado graças a uma massa de dados gerada por câmeras, sensores e processadores espalhados pelas ruas. O que está por trás desse tipo de serviço é a internet das coisas, que permitirá, por exemplo, que os carros procurem vagas e estacionem sozinhos. “No futuro, essas tecnologias estarão no nosso dia a dia, facilitando a realização de tarefas cotidianas das pessoas.”
Grove, ex-CEO: Andrew Grove, um dos responsáveis por transformar a Intel
num gigante, defendia uma “paranoia saudável” para evitar
surpresas desagradáveis
NOVOS RUMOS A atenção com as soluções de internet das coisas alcançou um nível tão elevado na Intel que não é só em subsidiárias, como a brasileira, que existem divisões similares. O assunto alcançou o topo da companhia neste ano, quando o novo CEO, Brian Krzanich anunciou, em maio, poucos dias depois de assumir o cargo, a criação de uma diretoria batizada de Novos Dispositivos. Ainda não está muito claro como esse departamento vai trabalhar, mas muitos especialistas do setor acreditam que um dos alvos seja a internet das coisas. Afinal, a nova tecnologia exige algum tipo de processador, o que coloca a Intel como candidata natural a desbravar esse universo. E há realmente bons motivos para se preparar para o que vem por aí.
Segundo projeções da Cisco, a “internet de tudo” – conceito que define a conexão de objetos inteligentes, dados, processos e pessoas – deve movimentar US$ 613 bilhões só neste ano. Diante desse cenário, pode-se deduzir que criar uma diretoria para novos dispositivos, sejam eles quais forem, foi a maneira encontrada por Krzanich para preparar melhor a Intel para captar os sinais das novas ondas tecnológicas e, assim, evitar que se repita a cochilada monumental verificada no mercado de smartphones e tablets. “O grupo tem a tarefa de transformar tecnologias interessantes e inovações no modelo de negócios em produtos que criem e liderem mercados”, informou a Intel ao site AllThings Digital, do The Wall Street Journal.
Basta olhar o balanço financeiro de 2012 para entender por que Krzanich se mexeu rapidamente. A empresa encerrou o ano passado com queda nas vendas e nos lucros, provocada pela redução na comercialização de PCs, segmento responsável por 64% de seu faturamento e pela lentidão nas estratégias com smartphones e tablets. O faturamento em 2012, de US$ 53 bilhões, encolheu US$ 700 milhões em relação a 2011, e os lucros foram de US$ 11 bilhões, ou 15% menores que os do período anterior. No segmento de PCs, a diminuição na receita foi de 3%. A explicação para a deterioração do desempenho está no declínio da comercialização de computadores no mercado mundial em função da expansão dos tablets – e, nesse novo mercado, no qual a Intel ainda não vai bem, uma concorrente poderosa é a ARM, cujos processadores são utilizados pela maior parte dos tablets no mercado.
Para entender o declínio do mercado tradicional da Intel: as vendas mundiais de computadores foram de 90,1 milhões de unidades no último trimestre de 2012, ou 5% menores que em igual período de 2011, segundo dados da empresa de pesquisas Gartner. Na divulgação do balanço, o então CEO, Paul Otellini, afirmou que 2012 foi o ano da entrada em novos segmentos, numa referência ao lançamento de seu primeiro chip para smartphones. E garantiu que o mercado veria uma “Intel renovada” neste ano. “À medida que adentrarmos 2013, nossa forte linha de produtos nos posicionará muito bem para levar uma nova onda de inovações da Intel para todo o espectro da computação.”
Posto do futuro: projeto desenvolvido pela Intel para a Petrobras utiliza recursos da internet das coisas,
como o reconhecimento do veículo por sensores
A formação da diretoria de Novos Dispositivos é um reflexo desse movimento e dá pistas de como a Intel está se armando para antever e antecipar-se aos próximos passos do mercado mundial de tecnologia da informação. No entanto, isso não significa que hoje já não existam na matriz da Intel pesquisas avançadas da companhia em áreas como a da internet das coisas. Exemplos desse esforço puderam ser conferidos na edição 2013 do Research Intel, evento anual realizado na semana retrasada, em São Francisco, nos EUA. O objetivo da feira é mostrar soluções tecnológicas desenvolvidas pelo Intel Labs que um dia podem chegar ao mercado. Um dos protótipos exibidos lá é o de uma casa inteligente.
O projeto consiste numa interface gráfica que permitirá aos moradores de uma residência coordenar o funcionamento de diversos aparelhos equipados com sensores, como tevê, rádio, geladeira e telefone. Outro exemplo é o de uma espécie de gôndola de supermercado inteligente. Por meio de um recurso chamado Tecnologia Shelf-Edge (SET, na sigla em inglês), sensores identificarão um consumidor quando estiver em frente a essa prateleira digital. Com base no histórico das compras do cliente no estabelecimento, o sistema o ajudará a encontrar o produto que mais se encaixa em seu perfil. “A computação alcançou uma força muito grande atualmente”, afirmou à DINHEIRO Brian David Johnson, engenheiro que trabalha como futurista na Intel.
Ou seja, ele é um profissional pago para saber como será a tecnologia daqui dez anos ou 20 anos. “Isso quer dizer que, dentro de um supermercado inteligente, o estabelecimento avisará um pai para não comprar um determinado item porque seu filho pode ter reações alérgicas ao produto”, diz Johnson. “Diante dessas inovações, a grande questão não é mais qual o poder da computação, mas sim como usar essa força toda para as pessoas viverem melhor.” Sim, viver melhor certamente é um motivo nobre para estimular o avanço tecnológico. No caso da Intel, especificamente, o incentivo também vem da necessidade de mostrar que está desperta e atenta às grandes mudanças de paradigma na área tecnológica, condição necessária para ampliar o horizonte de negócios e, assim, tranquilizar seus acionistas.
Colaborou: Diego Marcel
(Diretamente de São Francisco (EUA) )