Um remédio conhecido contra um vírus resistente. Na iminência de um colapso mundial, o governo Dilma coloca em campo um arsenal anticrise, que privilegie o consumo interno. Foi assim no fim de 2008, quando os mercados derretiam e os pessimistas de plantão previam a pior crise desde os anos 1930. O então presidente Lula disse, no início de 2009, que seria uma marolinha, e não o tsunami que parecia. Para rebater a crise, o governo adotou medidas para estimular a venda de bens duráveis. A receita , testada e aprovada, é repetida agora. Antes que os mercados percam o controle sem uma solução definitiva para a crise europeia (leia reportagem na pág. 44), o governo se antecipou e colocou seu bloco na rua. Na quinta-feira 1º, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a desoneração de tributos para a linha branca, reduziu o Imposto sobre Operações Finaceiras (IOF) sobre o crédito ao consumidor e eliminou a taxação dos investimentos estrangeiros na bolsa, entre outras medidas que relembram o pacote anticrise adotado em 2009. “Temos como impedir essa contaminação externa”, disse Mantega, em Brasília. “Estamos nos preparando para um 2012 com crescimento de 5%, mesmo com a crise internacional”, disse. O ministro foi além: “O consumidor pode ficar tranquilo, pois seu emprego está assegurado.”

A expectativa ousada do ministro tenta refinar a fórmula anterior. Em 2009, apesar do discurso da marolinha, a economia viveu dois trimestres recessivos e o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,6%. Na ocasião, questionou-se se o desempenho do País não teria sido melhor caso o Banco Central tivesse  baixado o juro logo – foram quatro meses entre a quebra do banco americano Lehman Brothers e o primeiro corte na taxa Selic – e se o estímulo ao consumo tivesse vindo rapidamente. Ao anunciar uma meta de expansão de 5% do PIB, Mantega deixa claro que o governo está mais ágil. O estímulo ao consumo interno é a principal arma que os países emergentes têm à disposição. Não por acaso, a China anunciou na quarta-feira 30, que está reduzindo os depósitos compulsórios, o que vai aumentar o crédito no mercado, estimulando a população a comprar mais. “O grande desafio do governo chinês é fazer a transição de uma economia baseada em investimentos (47% do PIB, contra 19% do PIB no Brasil) para uma economia com foco no consumo interno”, diz Raphael Martello, economista da Tendências Consultoria, que prevê crescimento da China de 8,5% em 2012.

 

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Mensagem otimista: ”O consumidor pode ficar tranquilo, pois seu emprego está assegurado”, disse o ministro Mantega

 

No Brasil, a redução do IPI sobre fogões, geladeiras, e máquinas de lavar deve incentivar compras de Natal mais turbinadas. O pacote do governo começou a render anúncios de descontos para o consumidor quase simultaneamente à fala do ministro. Walmart, Magazine Luiza e Ricardo Eletro divulgaram promoções, repassando, inclusive, o desconto integral do IPI para os preços finais. Era essa a intenção do governo: “Quanto mais mercado consumidor, mais as empresas se animam a fazer investimento”, disse Mantega. É verdade. A Whirpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, já está redimensionando a produção prevista para o primeiro trimestre com a expectativa de que o varejo amplie as encomendas. “Nós estamos preparados, inclusive, para repor estoques do comércio ainda em dezembro”, diz Armando Valle, vice-presidente de Relações Institucionais  da Whirpool. O pacote do governo chega em boa hora para os empresários, que começavam a suar frio diante da desaceleração econômica que se seguiu às medidas macroprudenciais no fim de 2010, e aos aumentos de juro no primeiro semestre. 

 

Nesse período, o foco do governo era o controle da inflação. Agora, o dragão foi domado. Com estoques elevados, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), já projetava um início de 2012 muito difícil. “Começamos o ano prevendo crescer 10% e, nos últimos dias, já imaginávamos fechar o ano no empate”, disse à DINHEIRO Lourival Kiçula, presidente da entidade, que já prevê uma alta de 2% a 4%.  O governo quer estimular, também, a exportação de produtos industrializados. Entre as medidas anunciadas, está a regulamentação do Reintegra, já anunciado no plano Brasil Maior, em agosto. “Toda empresa exportadora de manufaturados terá direito à devolução de 3% do valor exportado”, disse o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que acompanhava Mantega no anúncio do pacote. Em outra frente, o Banco Central promoveu o corte de 0,5 ponto porcentual da taxa Selic na quarta-feira 30 – o terceiro desde agosto.  “Estamos vivendo um círculo virtuoso da economia”, disse Mantega, lembrando que o País está melhor agora do que em 2009. 

 

De fato, um levantamento feito a pedido da DINHEIRO pelo economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, mostra que a blindagem brasileira está mais forte  do que há dois anos. As reservas internacionais estão 67% maiores e os compulsórios, 83%. Uma boa nova diante dos recursos escassos no Exterior. “O BC tem dinheiro suficiente para financiar importadores, exportadores e empresas endividadas”, diz Borges. Para incentivar a oferta de crédito, o governo anunciou a redução do IOF sobre empréstimos para o consumo. O setor financeiro apoia a iniciativa, mas mantém prudência. “Ainda há cautela por causa da Europa”, afirma Rubens Sardenberg, economista da Federação Brasileira de Bancos. A boa notícia é que os banqueiros não acreditam na repetição da falta de liquidez lá fora. Seja como for, os bancos públicos já deram sua contribuição para o plano do governo. A Caixa, por exemplo, anunciou uma linha de crédito de R$ 5 bilhões para a compra de bens de consumo. A expectativa é garantir um Papai Noel generoso. A indústria comemora. “O ministro Mantega deu aos brasileiros e a nós, principalmente, um presente de Natal”, diz Lourival Kiçula, presidente da Eletros.

 

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