A reforma tributária parece um típico caso de estar ao mesmo tempo tão longe e tão perto. Após a reforma da Previdência entrar em seus últimos estágios, mudar a tributação brasileira se tornou a bola da vez em Brasília. Motivos para isso não faltam. Afinal, ela pode simplificar o emaranhado de impostos que complicam a vida de empresas e pessoas no Brasil. Hoje, duas propostas de alteração no atual regime já estão em discussão no Congresso e, na última semana, um novo texto entrou no jogo: o feito pela oposição. Além das três sugestões, uma proposta desenvolvida pelo próprio governo, e aventada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, deve chegar ao Congresso Nacional em breve.

Em estágio mais avançado, a proposta apresentada pela Câmara já recebeu 209 emendas por parte dos deputados. Há ainda uma iniciativa para que o texto oriundo do Senado seja unificado com o dos deputados federais, por meio da criação de um grupo de trabalho. Mas, assim como a comissão mista formada por deputados e senadores ainda não foi criada, até agora a proposta do governo não viu a luz do dia. O presidente Jair Bolsonaro vetou recentemente o plano de Guedes de criar um imposto nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a popular CPMF. Após deste balde de água fria, o ministro percebeu que deveria centrar fogo na reforma administrativa e na do Orçamento.

Distante da impopular CPMF, as propostas articuladas na Câmara e no Senado têm como base a criação de um Imposto de Valor Agregado (IVA). A possibilidade, porém, também recebeu críticas da sociedade. Alguns setores, como os de alimentos, medicamentos, construção e serviços, temem que os encargos serão elevados em caso de tarifa única. Há ainda a preocupação de governadores e prefeitos de perderem arrecadação com a agregação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços ( ISS) caso o IVA avance. Diante disso há quem fale que a proposta só seja aprovada 2021, após as eleições municipais.

Como se não faltassem alternativas, um novo caminho foi apresentado na última semana para solucionar o problema tributário no Brasil e, desta vez, quem organizou foi a oposição. A postura dos partidos PT, PSOL, PCdoB, PDT e Rede diverge, e muito, da adotada na tramitação da nova Previdência, quando o papel dos partidos que se opunham ao texto foi mais de obstrução do que de elucidação de alternativas para resolução do problema que eles mesmos admitiam existir. A emenda, que tem como principal autora a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ), foi apresentada no dia 4 de outubro à PEC 45, relativa à reforma tributária. O texto é chamado de reforma tributária solidária e sua apresentação teve a presença de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

Alguns pontos se assemelham aos que seguem em discussão no Congresso, como a criação do IVA. Mas ela vai além. Segundo o presidente Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, os textos da Câmara e do Senado não propõem reformas e sim a simplificação tributária. “A proposta mais nova é sui generis. Ela cumpre o lado social que está na Constituição e reduz a tributação do consumo e eleva a do patrimônio, como em países desenvolvidos. Isso seria efetivamente uma reforma.”

Entre as bases do plano da oposição, estão a tributação de lucros e dividendos, a taxação de grandes fortunas (que poderia de ser 0,5% para valores acima de R$ 19 milhões), a destinação das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) para a saúde e para preservação da Amazônia, e a cobrança de IPVA para aviões e barcos particulares. Um ponto essencial é a criação de mais faixas para o Imposto de Renda (IR) “Hoje, a faixa mais alta é a partir de R$ 7 mil mensais, que paga 27,5%. A taxação é progressiva só até certo ponto”, afirma Olenike.

Em sua campanha presidencial, Bolsonaro prometeu isenção IR a quem ganhasse até R$ 5 mil por mês. Recentemente, a equipe de Guedes considerou baixar a tributação máxima de 27,5% para 25% e reduzir a alíquota paga por empresas, de 35% para 25%. Guedes também considera tributar dividendos, assim como propõe a oposição. Essa ideia não é apoiada pelo IBPT e nem por especialistas no assunto como Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal “Já temos alta tributação de renda. Se cobrar também o dividendo, seria uma bitributação”, diz ele. “A proposta da oposição é boa, mas um pouco utópica”. Um ponto que ilustra isso é a taxação de fortunas. “Poucos países aplicaram essa cobrança, mas não deu certo. A França instituiu esse tributo e viu fuga de investimentos e de pessoas”, afirma Maciel.

Defensores da proposta da oposição acreditam que a taxação pode prosperar. “Argumentos contrários à tributação de fortunas e de lucros pressupõe que o estado não vai perceber a sonegação ou a remessa para o exterior”, afirma o economista da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Rodrigo Ávila. “Qualquer país rico tem fiscalização de remessas.”

Nos últimos dias, mais esboços do que seria a proposta do Executivo surgiram. Entre elas a revogação de R$ 100 bilhões em benefícios setoriais que compensaria o veto à CPMF, a possibilidade do IVA não ter uma tarifa única para todas as atividades e o corte de parte dos benefícios fiscais a produtos da cesta básica. O governo estuda fatiar a reforma em três fases, para facilitar as aprovações. Primeiro, a simplificação dos impostos. Depois, a mudança no IR com a correção da tabela e menos tributos para empresas, compensados com a tributação de lucros e dividendos. Por fim, a desoneração da folha de trabalho.