27/10/2014 - 0:00
Uma campanha que rachou o Brasil entre “nós e eles” entregou à presidenta Dilma Rousseff um País dividido, inclusive no Congresso Nacional. Foi criada uma oposição ainda mais combativa, experiente, e que não se esquecerá tão cedo do que chamou de campanha eleitoral terrorista feita pelos adversários. O PSDB elegeu 54 deputados federais, dez a mais do que na última legislatura. No Senado, embora tenham perdido duas cadeiras, os tucanos reforçaram a bancada ao elegerem quatro ex-governadores. Além de Aécio Neves e seus 51 milhões de votos, o seu vice, Aloysio Nunes, retorna à Casa para mais quatro anos de mandato, com a missão de fiscalizar com lupa as ações do governo federal.
Depois de ter unido, no segundo turno, todos os partidos de oposição (com exceção do PSOL, de Luciana Genro) e conquistado quase metade dos votos válidos, Aécio consolida-se como o líder dos descontentes, porta-voz do desejo de mudança, e se coloca numa posição de vantagem para disputa ao Planalto em 2018. Deve enfrentar, no entanto, a concorrência interna de Geraldo Alckmin, reeleito em São Paulo, no primeiro turno, com a consagradora votação de 11,5 milhões de votos. O resultado mais apertado das urnas mostra que o PT vem perdendo votos ao longo das últimas quatro eleições.
Em 2002 e 2006, Lula venceu o segundo turno com 61,2% e 60,8% dos votos, respectivamente. Em 2010, Dilma foi eleita com 56,0% dos votos válidos. Nesta eleição, foram 51,6%. Líder do PSDB na Câmara, o deputado baiano Antonio Imbassahy afirma que a campanha eleitoral, com acusações duras de lado a lado e críticas aos tucanos que vão além do candidato adversário, incluindo ícones do partido, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, deixará marcas. “Ela radicalizou e fez uma campanha baseada em mentiras, que buscou dividir o País em regiões, raças e luta de classes”, diz Imbassahy.
Na noite do domingo 26, ao reconhecer a derrota, Aécio disse à presidenta Dilma que “a maior de todas as prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado e que dignifique todos os brasileiros”. “Saio da campanha mais vivo do que nunca e mais sonhador do que nunca.” Dilma, em seu discurso de vitória, nem sequer mencionou o concorrente tucano, mas acenou com uma trégua pós eleitoral. “Esta presidenta aqui está disposta ao diálogo”, afirmou, anunciando que sua prioridade é a reforma política. A oposição também quer continuar a discutir os assuntos que colocou em pauta durante o processo eleitoral, mesmo que elas não tenham tido impacto suficiente na opinião pública a ponto de conquistar o apoio da maioria dos eleitores.
Os parlamentares de fora da base aliada também argumentam que a estagnação da economia e a inabilidade política de Dilma para negociar com o Congresso deixam a presidenta em uma situação mais frágil. “A atual presidenta não tem crédito nenhum. É um pesadelo do ponto de vista da confiança”, disse o senador eleito José Serra (PSDB). Depois de desbancar o petista Eduardo Suplicy, senador em três mandatos consecutivos, Serra chega ao Senado com 58,5% dos votos paulistas. Economista e ex-ministro da Saúde, ele deve priorizar esses assuntos em sua atuação parlamentar.
Temas que também são caros ao ex-governador de Minas Gerais Antônio Anastasia. “Nós temos hoje uma situação alarmante na saúde pública do País, pois a União concentra mais de 70% dos recursos tributados e deixa de investir”, afirmou. O ex-governador do Ceará Tasso Jereissati é outro que volta ao Senado, em 2015, depois de reconsiderar sua aposentadoria, para ajudar a reforçar a campanha de Aécio no Nordeste. Tasso foi senador entre 2002 e 2010 e duas vezes presidente do PSDB. Embora os tucanos formem a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados, atrás do PMDB e do PT, eles sabem que nem sempre os peemedebistas votam unidos e devem estimular essa divisão para aprovar projetos de seu interesse.
Nos primeiros quatro anos de governo Dilma, o líder do partido na Casa, o carioca Eduardo Cunha, em diversos momentos atuou, na prática, como líder da oposição – embora o PMDB seja o protagonista na coligação que elegeu Dilma nas duas ocasiões. Durante a campanha, o deputado reeleito pelo Rio de Janeiro disse que ficaria neutro em respeito à divisão da bancada entre PSDB e PT, mas fez duras críticas a Dilma e ao seu partido desde então. Nos próximos dias, Cunha vai reunir a bancada para definir sua posição na nova legislatura. “Não é só a bancada na Câmara que está dividida, mas todo o partido.”
A oposição também pretende continuar as investigações de corrupção na Petrobras e não descarta investigar os congressistas da base governista envolvidos nos escândalos. “Dilma não terá dificuldade de construir maioria no Parlamento, mas vai ter de enfrentar uma investigação em curso, porque vamos retomar a CPI da Petrobras”, afirma Mendonça Filho, líder do DEM na Câmara e integrante da CPI. A coligação que elegeu Dilma Rousseff, formada por nove partidos, além do PT, também chega menor ao Congresso em 2015, com 304 deputados, 71 a menos do que a aliança vitoriosa em 2010. No Senado, a coligação elegeu 54 senadores, um a menos que na eleição anterior.
O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, avalia que Dilma terá mais dificuldade com o Legislativo. “O Congresso eleito é mais conservador do ponto de vista social, liberal do ponto de vista econômico e chega a ser atrasado do ponto de vista de direitos humanos.” A maior fragmentação partidária será um enorme desafio ao governo. Em 2015, seis novos partidos terão representantes na Câmara, chegando a um total de 28, seis a mais do que hoje. São líderes partidários com seus interesses e exigências para negociar com uma presidenta, que não é reconhecida por sua paciência e abertura ao diálogo, e que podem ser cooptados pela oposição.
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