14/11/2012 - 21:00
Agora é para valer. A New York Stock Exchange (Nyse) virá ao Brasil para enfrentar in loco a BM&FBovespa na disputa por um pedaço do mercado brasileiro. A bolsa de Nova York anunciou, na segunda-feira 5, uma parceria com a empresa carioca Americas Trading Group (ATG). Ambas vão investir US$ 100 milhões para criar um sistema para negociar ações e títulos de renda fixa, do qual a bolsa americana terá 20% do capital. Segundo Arthur Machado, diretor-geral da ATG, o objetivo é atuar em simbiose com a bolsa brasileira. “Temos tecnologia para processar grandes volumes de transações e atrair mais participantes ao mercado”, diz. Machado não antecipa muitos detalhes, mas a atuação, por aqui, vai começar com o estabelecimento de um mercado de balcão.
Pregão da Nyse em Nova York: enfrentando as barreiras que travaram a vinda de outros concorrentes
Ele será destinado a investidores que operam volumes expressivos e realizam as chamadas operações de alta frequência. Nesses negócios, computadores compram e vendem grandes lotes de ações centenas de vezes por segundo, aproveitando-se de diferenças milimétricas entre as cotações. Essas transações surgiram em 1998 e, mesmo sendo algo recente, já representam 40% das ordens processadas no mercado americano. É parte desse negócio florescente que a Nyse quer capturar por aqui. Não é a primeira candidata com essa ideia. No ano passado, duas de suas concorrentes, as americanas Bats e Direct Edge, anunciaram planos para abrir seus próprios pregões no Brasil. No entanto, se depararam com a principal barreira aos novos entrantes, o fato de que tanto a liquidação quanto a custódia das ações e dos derivativos brasileiros – o coração e o cérebro de qualquer mercado – pertencem à BM&FBovespa.
O sistema de liquidação, conhecido pelo termo inglês clearing, registra a quantidade e o preço de todas as transações realizadas pelos investidores, e se todas essas compras e vendas foram de fato liquidadas. Em outras palavras, se foram pagas. Já o sistema de custódia indica a propriedade de cada um dos títulos negociados. A legislação brasileira exige que cada comprador e cada vendedor seja identificado na hora de fechar negócio, uma informação que não é solicitada pelos reguladores americanos. Pode parecer um mero detalhe, mas uma bolsa dos Estados Unidos que pretenda operar no Brasil terá duas alternativas. Uma delas, cara e demorada, é reescrever milhões de linhas de código de computador para tornar essa informação disponível.
Política de boa vizinhança: Dominique Cerrutti, vice-CEO da Nyse,
quer cooperar com as autoridades brasileiras
A outra, mais rápida e potencialmente mais barata, é compartilhar os sistemas da BM&FBovespa – algo que não entusiasma Edemir Pinto, presidente da bolsa brasileira. Ao divulgar os resultados do terceiro trimestre na quarta-feira 7, Pinto disse que a bolsa só vai conversar sobre o compartilhamento desses sistemas com a concorrência a partir de 2015, quando os investimentos de R$ 1,1 bilhão em tecnologia, que começaram a ser feitos em 2011, estiverem concluídos. “Só então o Conselho poderá começar a discutir essa situação”, diz. A cautela do chefão da BM&FBovespa tem suas razões. Nos nove meses findos em setembro passado, a receita dos negócios do segmento ações foi de R$ 795 milhões. Desse total, 74,7% vieram da prestação de serviços de liquidação, ao passo que 23,4% foram ganhos com os serviços de negociação de ações.
No mesmo período de 2011, esse percentual era o inverso: a receita com custódia não chegava a 31% do total. Para assegurar a manutenção dessa gorda fatia dos negócios, a bolsa brasileira iniciou uma ampla modernização. As mudanças passam pela construção de um novo centro de processamento de dados em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, no qual estão sendo investidos R$ 200 milhões, e pela modernização dos sistemas de negociação e de registro. O desembolso visa tornar as operações mais seguras e permitir uma avaliação precisa do risco de cada participante, em especial os que operam tanto com ações quanto com derivativos. Outro objetivo é tornar possível o crescimento das transações de alta frequência.
Edemir Pinto, CEO da BM&FBovespa: ”Compartilhar a clearing é algo
que só pode ocorrer depois de 2015.”
Enquanto nos EUA essas operações respondem por cerca de 40% das transações do mercado, por aqui esse percentual dificilmente ultrapassa a casa dos 10%. No terceiro trimestre, a alta frequência representou 9,4% das compras e vendas, e três quartos dos negócios foram fechados por investidores estrangeiros. O crescimento desse percentual vem comprometido pelas limitações dos sistemas da bolsa, que travaram por diversas vezes neste ano, a última delas no dia 25 de junho. O sistema atual de negociação, o MegaBolsa, é considerado ultrapassado e defasado, e a intenção é substituí-lo por um novo software, denominado Puma, desenvolvido em parceria com o CME Group, que controla a bolsa de Chicago e é um grande acionista da BM&FBovespa.
Ao trazer um sistema que permita as negociações com alta frequência, a Nyse poderá ameaçar diretamente o flanco mais desguarnecido da BM&FBovespa. No momento, ela esbarra em uma limitação legal. As regras da Instrução nº 461 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) impedem que um mesmo ativo financeiro seja negociado simultaneamente na bolsa e em um mercado de balcão. Os executivos da Nyse dizem acreditar que essa restrição legal pode deixar de vigorar em breve. “Pretendemos trabalhar de perto com os reguladores do mercado brasileiro”, diz Dominique Cerruti, vice-CEO da bolsa americana. Essa barreira, instituída pela CVM quando da fusão da Bovespa com a BM&F, em março de 2008, visava proteger o mercado dos concorrentes estrangeiros antes que a nova empresa se solidificasse.
É bom lembrar que já existe a concorrência indireta da Nyse em Nova York, onde são negociadas ações brasileiras por meio de ADRs (recibos).Atualmente, a percepção do mercado é que a BM&FBovespa tem musculatura suficiente para aguentar a competição. A permissão para que um fundo de alta frequência compre e venda ações, tanto no computador da BM&FBovespa quanto nos sistemas da ATG, e consiga fazer operações de arbitragem entre os preços dos papéis nos dois sistemas é um grande incentivo ao crescimento do mercado e vai abrir espaço para um crescimento da liquidez, além de acabar com o monopólio do mercado brasileiro.