21/10/2011 - 21:00
Os técnicos dos bancos centrais de todo o mundo acompanharão, num futuro não tão longínquo, as cotações do remimbi chinês ou do real brasileiro com a mesma atenção que dispensam hoje às oscilações do dólar e do euro. E não por acaso: uma parcela razoável de suas reservas estará aplicada nas duas moedas. Funcionários de empresas de importação preencherão a papelada dos contratos com preços dos produtos em rublos. Operadores do mercado financeiro negociarão contratos futuros nas bolsas denominados em randes. Parece um cenário de ficção científica? Pois a previsão não parte de nenhuma instituição dedicada à futurologia, mas do velho e bom Fundo Monetário Internacional (FMI). Um estudo de técnicos do organismo, divulgado na quarta-feira 19, afirma que o real, assim como o remimbi da China, a rúpia indiana, o rublo russo e o rande sul-africano são as moedas de países emergentes com melhores chances de tornar-se divisas internacionais de peso. “No longo prazo, as moedas dos países emergentes têm potencial para atingir um papel mais amplo no uso internacional, similar ao de economias avançadas”, afirma o texto do FMI.
Essas moedas têm a seu favor o forte crescimento das economias dos países que as emitem, mercados financeiros locais cada vez mais sofisticados e estabilidade macroeconômica. Na realidade, as moedas emergentes já estão ganhando espaço no mercado financeiro. A negociação de derivativos de câmbio em reais (contratos futuros de real e swaps, por exemplo) cresceu 50% nos últimos anos. No caso da moeda chinesa, a demanda dos investidores explodiu: a negociação foi multiplicada por 12 . O remimbi e o real foram as moedas que mais cresceram na emissão de títulos de dívida no mercado internacional. Segundo o FMI, a divisa chinesa é a mais forte candidata à nova vedete global, rivalizando com o dólar e euro, principalmente por conta do forte crescimento da economia asiática. A China ultrapassará os EUA como a maior economia mundial em 2035 e já movimenta hoje nada menos que 9% de todo o comércio internacional.
Nada mais irônico do que uma moeda de reserva do capitalismo mundial com a efígie do patrono do comunismo chinês, Mao Tsé-tung. O real, na previsão do FMI, deve tornar-se uma moeda de importância regional — ou seja, poderia estar em nível semelhante ao do franco suíço ou do dólar australiano. É claro que as mudanças preconizadas pelo FMI não sairão do papel caso os governos não adotem medidas para estimular a adoção internacional de suas moedas. A principal delas, tanto no caso brasileiro quanto no chinês, é assegurar a total conversibilidade do real e do remimbi, condição da qual estão muito distantes atualmente. A conversibilidade pressuporia, no Brasil, eliminar a burocracia da aprovação de operações de câmbio pelo Banco Central e permitir transações em moeda estrangeira no País, como empréstimos ou abertura de contas-correntes. Também seria necessário reduzir taxas e controles sobre os fluxos de capital. É por isso que hoje as moedas emergentes ainda estão longe de ameaçar a primazia do dólar e do euro. O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luiz Otávio de Souza Leal, diz não identificar nenhum sinal de interesse do governo brasileiro hoje em fazer esse movimento. “Ao contrário, o que vemos hoje é uma restrição e não liberalização da conta de capital.”
Entre os exemplos está a cobrança do IOF sobre a entrada de recursos estrangeiros para aplicações em renda fixa. Desregulamentar a conta de capital significaria perder instrumentos de controle sobre a cotação do real, justamente o oposto do que o governo busca. Se o Brasil tivesse uma moeda totalmente conversível, ficaria mais vulnerável à volatilidade e às saídas de capital em momentos de crise como o atual, afirma Leal. Em meio ao nervosismo no mercado, poderia haver migração maciça de depósitos em reais para dólares. Mas, claro, haveria também vantagens razoáveis se o real fosse uma moeda internacional de reserva. Os custos para os exportadores, por exemplo, caem com a redução da burocracia nos contratos de câmbio, o que aumentaria a demanda internacional por produtos brasileiros. Além disso, como bancos centrais e grandes investidores compram a moeda, caem os juros pagos pela dívida pública. Estima-se que o Tesouro dos EUA economize cerca de 0,6% nos juros de sua dívida pelo fato de o dólar ser moeda de reserva. Caso o fiel da balança penda para esse lado, situações no mínimo inusitadas podem surgir. Como, por exemplo, europeus apavorados com a crise bancária guardando economias debaixo do colchão — em notas de real.