04/02/2016 - 19:00
O presidente do Irã, Hassan Rouhani, eleito em 2013, se tornou o primeiro mandatário do país persa a visitar a Europa em quase duas décadas. Na segunda-feira 25, ele deu início à sua temporada no Velho Continente ao pisar em Roma. A cidade histórica estava preparada para sua chegada. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, mandou cobrir com tapumes todas as estátuas retratando nus que estariam no caminho do visitante muçulmano, cuja religião é menos tolerante em relação à exibição de representações do corpo humano.
Há apenas dois meses, em novembro, o mesmo Rouhani deixou de se encontrar com o presidente francês François Hollande, em Paris, porque o cerimonial de Hollande não aceitou excluir o vinho do cardápio do almoço, muito menos servir apenas comida halal, preparada de acordo com as tradições islâmicas. O motivo para a diferença de postura dos dois líderes europeus é o fato de que, entre uma visita e outra, no dia 16 de janeiro, os Estados Unidos e a União Europeia revogaram uma série de sanções econômicas em vigor contra o Irã, algumas desde 1978, ano da revolução iraniana, que derrubou a monarquia do xá Mohammad Reza Pahlevi e transformou o país em uma república islâmica.
Imediatamente, o Irã, com seus 80 milhões de consumidores, passou a ser um mercado atrativo para vários países. Não só os europeus. O Brasil, velho parceiro diplomático dos iranianos, tem grandes condições de tirar proveito das benesses desse mercado persa. Empresas como a fabricante de aviões Embraer, a Hope, de moda íntima, e a Randon, de implementos rodoviários, inclusive, já traçam seus planos para conquistar uma parte do milagre econômico esperado para o país, que pretende crescer a um ritmo de 8% ao ano, segundo seu governo.
A ideia, afirma Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio brasileiro, é de triplicar, no prazo de cinco anos, as relações comerciais com Teerã, que somaram US$ 1,67 bilhão no ano passado. “Em todos esses setores, há espaço para crescer substancialmente”, afirma Monteiro (leia entrevista ao final da reportagem). “Estamos explorando a possibilidade de negociação de um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, no mesmo modelo dos que fechamos com México, Colômbia, Chile, Angola, Moçambique e Malaui.”
A expectativa é de que o aquecimento da economia iraniana traga efeitos positivos imediatos a empresas brasileiras que atuam no setor de commodities. Indústrias como a BRF, que tem forte atuação no Oriente Médio, e a Vale, que vende minério de ferro à região, devem se beneficiar da retomada do crescimento do consumo e dos investimentos em infraestrutura. A renovação da frota de aviões comerciais do país, extremamente defasada, também atrai as atenções das gigantes do setor, entre elas a Embraer.
“No momento certo, agora que o embargo foi levantado, vamos explorar esse mercado”, afirmou à DINHEIRO Paulo Cesar Silva, presidente da Embraer Aviação Comercial. A idade média dos aviões em operação nos céus iranianos é de 22 anos, o dobro da mundial. Concorrente da brasileira, a francesa Airbus já havia costurado um acordo, antes do fim das sanções, para a venda de 114 aeronaves ao país. O ministro iraniano dos transportes, Abbas Akhoundi, chegou a afirmar, no ano passado, que as companhias aéreas persas estariam dispostas a investir US$ 20 bilhões em equipamentos no prazo de dez anos.
Para a gaúcha Randon, o fim do embargo representará a volta da companhia ao Oriente Médio. Ela exportou suas carretas para a região até 2002, quando a invasão americana ao Iraque inviabilizou os negócios. “O Irã é hoje o maior mercado e já estamos estruturando nossa operação”, afirma José Eduardo Dalla Nora, que responde pela área de exportação da empresa. “A meta é vender 100 unidades no segundo semestre.” Antes mesmo do fim do embargo, a Randon colocou sua rede de contatos para funcionar. Um antigo representante veio ao Brasil e ajudou a traçar um plano de ações. “A frota de caminhões iraniana é de 200 mil veículos, com uma idade média de 25 anos”, diz Dalla Nora.
No setor de moda, o segmento de lingerie, que pode parecer inusitado aos olhos ocidentais em virtude da tradicional burca usada pelas mulheres muçulmanas, também está animado. A Hope, uma das maiores fabricantes brasileiras de calcinhas e sutiãs, se prepara para conquistar as mulheres persas, conhecidas por sua beleza. “O Oriente Médio é uma região muito importante para nós”, afirma Elemar de Souza Cruz, responsável pela área de exportações da companhia. A marca tem forte presença em países como Líbano e Líbia e está estudando as condições no Irã.
Uma dificuldade, no entanto, está na publicidade. Segundo Souza Cruz, não é possível usar imagens de modelos vestindo os produtos em embalagens nem em lojas. Para quem tem ninguém menos do que Gisele Bündchen como garota propaganda, isso é uma grande desvantagem. Como em qualquer país muçulmano, a questão da diplomacia é delicada. Conta a favor dos brasileiros o fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sido um aliado do ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Em 2010, Brasil e Turquia assinaram a chamada Declaração de Teerã, que reconhecia o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear pacífico.
Foi um ato importante, que pavimentou as bases para o acordo assinado entre o sucessor de Ahmadinejad, Rouhani, e o presidente americano Barack Obama. Posteriormente, no entanto, a relação entre os países sofreu um abalo. Lula, envolvido na campanha de Dilma Rousseff à presidência, usou de certo malabarismo retórico ao comentar o caso de Sakineh Ashtiani, iraniana condenada à morte por apedrejamento pelo crime de adultério. A posição do Brasil, que chegou a oferecer asilo à Sakineh, irritou parte da diplomacia iraniana. Essa é uma mostra das dificuldades que aguardam as empresas brasileiras nesse reluzente novo mercado.
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“É possível triplicar a corrente de comércio com o Irã”
Armando Monteiro, ministro do Desenvolvimento
O país persa chegou a ser o segundo maior destino para a carne bovina brasileira. Nessa entrevista, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio fala sobre as oportunidades de negócios com o fim do embargo:
DINHEIRO – Quais as oportunidades mapeadas pelo governo para empresas brasileiras
no Irã?
ARMANDO MONTEIRO – Identificamos oportunidades nas áreas de alimentos e bebidas, máquinas e equipamentos, tecnologia da informação, cosméticos e farmacêuticos, automóveis, equipamentos médicos, aviões. Em todos esses setores, há espaço para crescer substancialmente. Em outubro do ano passado, estivemos com os ministros do petróleo e de energia e estabelecemos uma pauta para o setor. Podemos avançar em infraestrutura de energia e comércio de gás, por exemplo. Também estamos explorando a possibilidade de negociação de um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, no mesmo modelo dos que já fechamos com México, Colômbia, Chile, Angola, Moçambique e Malaui.
DINHEIRO – Qual é o potencial desse mercado?
ARMANDO – Imenso. O Irã é um mercado de quase 80 milhões de habitantes, grandes consumidores de alimentos e bebidas, e com grandes necessidades de renovação em diversas áreas da indústria e de serviços. Além disso, pela localização estratégica, pode ser uma porta de entrada importante para os mercados da Ásia Central. Em 2011, o Irã foi o segundo maior destino para a carne bovina brasileira. É possível triplicar a corrente de comércio com o país em um horizonte de cinco anos.
DINHEIRO – A situação política na região está estável o suficiente para se pensar em investimentos de longo prazo?
ARMANDO – Os sinais que temos é de que o processo de estabilidade vai se fortalecer e avançar. Em todos os contatos, com diversos ministros iranianos, ficou claro que o Brasil é considerado um parceiro estratégico e prioritário. Devemos realizar uma nova reunião, entre março e abril, em Brasília, para dar seguimento à agenda definida no encontro realizado em Teerã no ano passado.
DINHEIRO – Será instalada uma estrutura no Irã para auxiliar as empresas do País?
ARMANDO – O Setor de Promoção Comercial (SECOM), de Teerã, deverá funcionar como ponto focal para as empresas brasileiras em suas demandas locais, além de fornecer assistência a empresas iranianas que desejam investir no Brasil ou importar produtos e serviços.