05/04/2013 - 21:00
Nota de falecimento: o MP3 morreu de falência múltipla de códigos ultrapassados. Esse formato de arquivo, que ficou conhecido por estraçalhar o modelo de negócios da indústria fonográfica ao viabilizar o download não autorizado de música, é vítima agora da evolução tecnológica da qual um dia se beneficiou. Se no final da década de 1990 popularizou inovações como o P2P (peer-to-peer), usado pelo site de compartilhamento Napster, pelo qual os usuários trocavam arquivos de maneira descentralizada, hoje ele se vê destronado da condição de ponta de lança do setor de música digital. Seus herdeiros são os serviços de transmissão de áudio por streaming, tecnologia que veicula o conteúdo diretamente da internet, sem que o usuário necessite baixar arquivos, como no caso do MP3.
Aqui jaz: o site de música Deezer, presidido no Brasil por Mathieu Le Roux,
é um dos serviços que ajudaram a matar o aparelho de MP3
Baseado no sistema de computação em nuvem, o streaming é o segmento de maior expansão no mercado digital da música da atualidade. A indústria musical global viu seu faturamento declinar, sem parar, de 1999 a 2011. O primeiro alento veio no ano passado, quando o setor registrou uma receita de US$ 16,5 bilhões, um crescimento tímido de 0,3% em relação ao ano anterior, segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, na sigla em inglês (IFPI). A ajuda para frear a queda veio dos 20 milhões de pessoas que assinaram serviços de música na nuvem, uma expansão de 44% em relação ao ano anterior. As novas ferramentas geram receita por meio da venda de publicidade ou por cobrança de assinaturas.
Essa lógica tem contribuído para combater o conteúdo não autorizado. Os downloads ilegais de músicas diminuíram 17% em 2012, segundo o grupo NPD, especializado em pesquisa de mercado. Esse novo contexto gerou uma cena inusitada há alguns meses. Lars Ulrich, baterista do Metallica, conversou amigavelmente em uma conferência com Sean Parker, criador do site Napster, sobre os rumos da indústria. O Metallica foi uma das bandas que mais criticaram o software, acusando-o de pirataria nos anos 1990. No entanto, com Parker no papel de investidor do serviço de música na nuvem Spotify, agora o diálogo existe. Do lado dos ouvintes, o atrativo das novas ferramentas está na facilidade de acesso às músicas, na possibilidade de ouvi-las em vários dispositivos e na integração com redes sociais.
Sinal dos tempos: após brigas nos anos 1990, Sean Parker (à esq.), criador do Napster,
e Lars Ulrich, do Metallica, hoje discutem parcerias na área de música na web
“Quem liderou a revolução do streaming não foram as gravadoras, mas sim start-ups que trazem em seu DNA a inovação”, diz João Marcelo Bôscoli, fundador da gravadora Trama, conhecida por suas ousadias tecnológicas. O próprio Bôscoli teve um dos serviços de sua empresa eclipsado por essa concorrência. A Trama Virtual, rede social de música pioneira no Brasil, criada há dez anos, encerrou seus serviços no dia 31 do mês passado. “Atualmente, há várias outras opões para um artista publicar”, afirma Bôscoli. Entre os rivais a que ele se refere estão Rdio, Deezer, Spotify e Grooveshark, entre outros. E o Brasil é um país-chave na estratégia desses competidores.
O francês Deezer, por exemplo, priorizou o País ao abrir seu site no final de janeiro, antes mesmo de arriscar-se em economias mais robustas, como os EUA. Segundo Mathieu Le Roux, diretor do Deezer no Brasil, a opção foi motivada mais pela musicalidade da cultura local do que pelo tamanho do negócio em si. “Se fizermos uma comparação em termos de valores, os EUA movimentam mais negócios que o Brasil”, afirma. “Mas aqui o potencial de adesão ao serviço é maior.” Le Roux, no entanto, não terá vida fácil no Brasil. Ele bate de frente com o americano Rdio, site fundado por Janus Friis, um dos criadores do Skype, e que tem como grande diferencial a facilidade de uso.
Sucesso na internet: a “Banda mais bonita da cidade” explodiu nacionalmente
graças a um vídeo postado no YouTube
“O design é uma obsessão nossa”, disse à DINHEIRO Scott Bagby, vice-presidente de estratégias da empresa. Ele foi o responsável por fechar a aliança do Rdio com a operadora Oi, o que viabilizou a chegada do site ao Brasil em novembro do ano passado. A estratégia de combinar um desenho agradável com parcerias de grandes empresas também será usada no Vdio, seu site destinado a vídeos. Ao desembarcar no campo das imagens, o Rdio entra na seara de outro culpado pela morte do Mp3: o YouTube, controlado pelo Google. O site, que afirma ter um bilhão de usuários, deve boa parte de sua audiência ao conteúdo musical.
Dos videoclipes oficiais de artistas a vídeos com imagens estáticas que veiculam apenas áudio, também boa parte da audiência vai ao site atrás de música. No Brasil, um exemplo desse fenômeno é a Banda Mais Bonita da Cidade, grupo curitibano que explodiu no site em 2011 com a música Oração, ouvida mais de 11,5 milhões de vezes. Mas, com o aumento da concorrência, atrair essa clientela tornou-se mais difícil para o YouTube. Por isso, o Google, embora negue oficialmente, planeja estender seus tentáculos sobre o mercado de streaming de áudio, segundo rumores na mídia internacional. Entre os titãs da tecnologia, no entanto, o que parece mais próximo de lançar uma ferramenta desse tipo é o Twitter.
O som dos smartphones: hoje há diversos serviços musicais baseados
na internet e disponíveis em celulares, diz João Marcelo Bôscoli,
da gravadora Trama
O microblog comprou no final do ano passado o We Are Hunted, serviço especializado em descoberta de artistas. O streaming será provido pelo site alemão Soundcloud. Nenhum dos sites se pronunciou sobre o tema. A disputa do mercado de streaming conta, ainda, com mais um concorrente relevante: o Grooveshark, que declara ter 30 milhões de usuários no mundo. Diferentemente de seus rivais, o site americano permite aos usuários subir arquivos de áudio, assim como o YouTube faz com o vídeo. “Vemos a internet como uma plataforma aberta”, afirmou à DINHEIRO o fundador da empresa, Sam Tarantino. A prática, porém, irritou a indústria fonográfica, que tachou o site de pirata.
Resultado: o Grooveshark não consegue lançar aplicativos pelas lojas oficiais dos smartphones. O jeito foi apelar para um modelo distinto de negócio. A ênfase do Grooveshark é a venda de publicidade, mas quem não quiser ver as peças publicitárias pode pagar US$ 9 por mês para visualizar o canal sem anúncios. Trata-se de uma tentativa de equilibrar música e negócios. Busca na qual a empresa não está sozinha. Outros serviços seguem no mesmo ritmo, como Rhapsody, Pandora, Mixcloud, Last.FM, Lala e Sonora. Será que o testamento do MP3 comporta tantos herdeiros? A resposta será dada pelos usuários.
“Somos o Youtube da música”
Sam Tarantino, criador do Grooveshark, um dos principais sites de música do mundo, explica o modelo financeiro da companhia
O Grooveshark é um site que estimula a pirataria?
Vejo-o mais como o YouTube da música. Entendemos a internet como uma plataforma aberta, disponível para todos. Assim como o YouTube, trabalhamos em conjunto com os produtores de conteúdo.
A empresa paga pelo direito de veicular músicas?
Dividimos parte das receitas com as gravadoras.
Por que o site não tem mais aplicativos depois que seus programas foram rejeitados por Google e Apple?
Acreditamos que a tecnologia HTML 5 seja a melhor maneira de tocar música e fazer negócios na web. Muitos já optaram por esse modelo, fora das lojas de aplicativos dessas empresas.
Por que o Grooveshark privilegia a venda de publicidade em vez de assinaturas?
É mais fácil gerar receitas quando se tem um bilhão de usuários do que alguns milhões de visitantes. Por mais que, individualmente, eles paguem mais dinheiro, jamais chegarão a uma massa crítica para grandes negócios.