Após meio século de ruptura diplomática e econômica, os interesses políticos parecem finalmente ter falado mais alto que a hostilidade e a briga de egos entre os Estados Unidos e Cuba. Em uma visita histórica, a primeira desde 1928, um chefe de estado americano pisou em solo cubano. Barack Obama passou três dias na ilha mais populosa do Caribe. Em meio a discursos a, selou as pazes com Raúl Castro, irmão do revolucionário comunista Fidel Castro, e pôs fim a uma antiga rivalidade. “Vim para cá para enterrar o último resquício da Guerra Fria nas Américas”, disse Obama, em discurso realizado na terça-feira 22, no Gran Teatro de Havana. “Muitos perguntam: por que agora? A resposta é simples: o que os Estados Unidos estavam fazendo não estava funcionando. Uma política de isolamento criada para a Guerra Fria fazia pouco sentido no século XXI.”

As palavras de Obama soaram como promessa de um futuro melhor a uma população cansada das escassas oportunidades oferecidas a Cuba em decorrência das divergências do passado. Pouco desenvolvido industrialmente, o país latino tem como principal fonte de riqueza produtos de baixo valor agregado, como açúcar, tabaco, café e feijão. A balança comercial está negativa em US$ 10 bilhões. Embora o fim do embargo  econômico imposto no período da Guerra Fria esteja nas mãos do congresso americano, especialistas já avaliam que as mudanças começaram a aparecer, principalmente, por medidas já aprovadas pelos americanos, como acordos de cooperação em saúde, agricultura, educação e policiamento, assim como a restauração de voos diretos entre os países e a abertura de negociações de empresas americanas de telecomunicações. “Desde que os Estados Unidos liberaram viagens de americanos a Cuba, o número de viajantes ao local subiu 50%”, diz Lucas Leite, professor da FAAP e pesquisador do núcleo de estudos e análises internacionais da UNESP.

Ainda é cedo para discutir a inserção de Cuba em órgãos multilaterais de comércio ou reformas em políticas econômicas. Para os especialistas, o modelo econômico adotado pelo Vietnã no final da década de 1970 é um caminho possível para Cuba. Os vietnamitas passaram por uma abertura gradual de mercado, evoluindo de uma economia subsidiada, marcada pela coletivização da agricultura, até alcançar uma média de crescimento de 6% ao ano, desde 2005. “Provavelmente, Cuba trilhará o mesmo caminho, com abertura gradual, para amadurecer sua economia e fortalecer laços com parceiros comerciais”, diz Leite.   

A abertura gradual da ilha cria oportunidades a economias de todo o mundo. A construção do Porto de Mariel pela Odebrecht comprova a aposta dos brasileiros. Há, também, outros interessados em fazer negócios. O estado conservador do Texas enxerga no país caribenho oportunidade para vender maquinários e produtos para o desenvolvimento da agricultura, principalmente os voltados para a cana de açúcar. Já a França, vê a possibilidade de estreitar as relações comerciais para reduzir as deficiências de infraestrutura de telecomunicações.

Oficialmente iniciada em 17 de dezembro de 2014, a retomada das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba foi articulada ao longo de 18 meses e contou com a ajuda do Canadá e do Papa Francisco. Desde então, medidas de cooperação e mais possibilidades para se fazer negócios com o país socialista foram sendo gradualmente acertadas. Os próximos passos desse futuro comercial podem estar nas mãos da democrata Hillary Clinton ou do republicano Donald Trump, pré-candidatos à Casa Branca. A única certeza é que o próximo presidente não conseguirá voltar à estaca zero. “A estratégia adotada por Obama foi aumentar o nível das relações para que o próximo presidente e o próximo Congresso não consigam mais retroceder, aumentando, assim, o caminho de reaproximação contínua”, diz Geraldo Zahran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Depois de Cuba, Obama foi à Argentina. Lá, disse que o presidente reformista Mauricio Macri é um exemplo a ser seguido na região.

Os mortos da fria guerra insana