Em meio à mais grave crise econômica da história, os holofotes de empresários e consumidores estão focados nos passos do Banco Central (BC). Há uma enorme expectativa por uma redução célere dos juros, o que deve ocorrer a partir de janeiro. Os analistas acreditam que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai aumentar o ritmo de corte da Selic (taxa básica) de 0,25 ponto percentual para 0,5 ponto percentual. Enquanto isso não ocorre, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, reuniu a imprensa em Brasília, na terça-feira 20, para anunciar medidas estruturais, que podem baratear o custo do crédito no longo prazo.

Para quem esperava estímulos imediatos, o pacote decepcionou, embora haja ajustes importantes para o sistema financeiro. De concreto, o anúncio trouxe a obrigatoriedade para que as máquinas de cobrança de cartões das lojas sejam compatíveis com todas as bandeiras até, no máximo, o dia 24 de março de 2017. O objetivo é reduzir os gastos com o aluguel de vários equipamentos. “Beneficia o consumidor, pois reduz o custo do lojista e isso permite uma taxa de desconto”, disse Goldfajn.

O governo vai editar, em breve, uma Medida Provisória que permitirá que os comerciantes ofereçam valores diferenciados para quem pagar em dinheiro, por exemplo. Não há previsão, no entanto, para que seja reduzido o prazo que as administradoras de cartões de crédito têm para pagar os lojistas. Atualmente o comerciante aguarda 30 dias para receber o valor da venda. Na quinta-feira 22, o presidente Michel Temer afirmou que os juros do rotativo do cartão de crédito terão “uma redução de mais da metade” no primeiro trimestre de 2017.

O cadastro positivo, que tem o objetivo de baratear o crédito para os bons pagadores, será aprimorado e vai incluir automaticamente todos os brasileiros. Outra medida trata da criação de duplicata eletrônica, que poderá ser usada como garantia em empréstimos. “Se a garantia tiver valor, o custo de crédito cai”, disse Goldfajn. “Haverá uma redução na assimetria de informação.” O Banco Central também vai unificar as alíquotas e os prazos dos recolhimentos de depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a fazer, além de regulamentar a Letra Imobiliária Garantida (LIG) para facilitar a captação de pequenas e médias instituições.

Por ora, está descartada a liberação de parte dos depósitos compulsórios. “As medidas estruturais são corretas, mas precisamos criar condições favoráveis para o curto prazo”, diz Nicola Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). “É preciso facilitar a redução do custo financeiro e a rolagem de passivos de pessoas jurídicas e físicas que estrangulam o fluxo de caixa atual e projetado das empresas.” Em sua apresentação, o presidente do Banco Central deixou claro que as medidas estruturais não eram uma resposta à crise conjuntural.

“Não vamos cometer os mesmos erros do passado”, afirmou ele, em referência ao governo Dilma Rousseff, que utilizou os bancos públicos para forçar uma queda nas taxas das instituições privadas. A postura mais responsável da autoridade monetária gerou elogios dos principais bancos. “A prioridade é persistir no tripé formado pelas metas de inflação, câmbio flutuante e gestão responsável das contas públicas”, afirma Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. “O tempo das balas de prata ficou para trás”, dispara Trabuco. Para o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, as medidas vão aumentar a eficiência do sistema financeiro. 

“Vejo a agenda proposta pelo Banco Central buscando maior competição através de mais transparência e eficiência na intermediação financeira, em benefício do tomador de crédito, como muito positiva e merecedora de todo o apoio”, diz Setubal. Alguns temas mais polêmicos acabaram sendo apenas tangenciados durante o anúncio feito por Goldfajn. A redução do spread bancário será debatida por um grupo que terá a participação dos representantes do setor. Sem data para acontecer, o presidente do BC se comprometeu a propor a autonomia operacional, administrativa e orçamentária da autarquia.

Na prática, a medida aumentaria a credibilidade do BC e permitiria maior redução dos juros. Outro ponto espinhoso é a redução do crédito direcionado, que no Brasil é sinônimo de subsídios para os segmentos imobiliário, agrícola, microcrédito e linhas do BNDES. O tema, que gera custo fiscal, será analisado em conjunto com o Banco Mundial. São medidas corretas, mas se o Banco Central realmente quiser dar uma mãozinha para a economia, a oportunidade será na reunião do Copom, no dia 11 de janeiro.

REFORMA TRABALHISTA Na quinta-feira 22, o presidente Temer anunciou uma minirreforma nas regras trabalhistas. O principal ponto prevê que os acordos entre trabalhadores e empresas vão prevalecer sobre a lei em temas como jornada de trabalho e planos de cargos e salários. Além disso, o limite do trabalho temporário passou de 90 dias para 120 dias, prorrogáveis por igual período, com os mesmos direitos da CLT. A jornada máxima para os contratos de tempo parcial subiu de 25 horas para 26 horas semanais. A nova legislação prevê ainda a representação sindical nas empresas, com eleição de delegados sindicais. Todas as alterações serão feitas através de projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional.

O governo também editou uma Medida Provisória (MP) prorrogando por mais dois anos o Programa de Proteção ao Emprego, cujo nome mudou para Programa Seguro-Emprego. A medida permite que, em momentos de crise, as empresas reduzam temporariamente a jornada e o salário dos funcionários em até 30%. O governo devolve metade desse percentual para os trabalhadores. “O ótimo é inimigo do bom”, afirmou o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Segundo ele, a modernização da legislação trabalhista foi negociada com todas as centrais sindicais. O presidente Temer também liberou o saque de todas as contas do FGTS que estavam inativas até 31 de dezembro de 2015 – um presente de até R$ 30 bilhões aos desempregados, a partir de fevereiro.

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Pacotão do BC

Conheça as dez principais medidas

1 - Até 24 de março de 2017, as máquinas de cobrança de cartão das lojas terão de ser compatíveis com todas as bandeiras

2 - Medida Provisória permitirá, em breve, que lojista dê desconto para os meios de pagamento (dinheiro, cartão etc.)

3 – Todos os brasileiros serão incluídos automaticamente no cadastro positivo. Quem não quiser, precisará se manifestar

4 – Será criada uma central de registro de duplicatas para aumentar a segurança das operações de descontos de recebíveis

5 – Serão unificados, ao longo de 2017, as alíquotas e os prazos dos recolhimentos de depósitos compulsórios

6 – A Letra Imobiliária Garantida (LIG) será regulamentada para facilitar a captação de pequenos e médios bancos

7 – Bancos investigados em operações poderão fazer acordo de leniência e os respectivos executivos, delação premiada

8 – Serão feitos estudos para um modelo de autonomia operacional, administrativa e orçamentária do Banco Central

9 – Será criado um grupo com representantes do setor financeiro para propor medidas que possam reduzir o spread bancário

10 - Será revisado o relacionamento do BC com o Tesouro Nacional para reduzir a volatilidade do fluxo entre os dois órgãos