O truque mais intrigante que já testemunhei envolvia o sumiço e o reaparecimento de dinheiro. Pouco. Apenas R$ 10. Foi durante uma apresentação do mágico Bianco. Ele me escolheu na plateia para ser voluntário de um número que era a grande sensação do espetáculo. Passados 20 anos, lembro como se fosse hoje, e ainda me pergunto como ele conseguiu. Primeiro, o artista pediu que eu sacasse uma nota qualquer da minha carteira e a marcasse com caneta esferográfica da maneira como eu quisesse. Depois, dobrou a cédula tantas vezes quanto possível e a envolveu em um elástico. Segundos depois, Bianco quebrou um ovo em uma tigela de vidro. Tudo diante dos olhos da plateia. Além da clara e da gema, surgiu de dentro do ovo uma noz. Ele pediu que eu a abrisse e lá estava o dinheiro, dobrado, envolto no elástico e com a minha marca. No Brasil de hoje, os truques são bem mais caros, na casa dos bilhões. E a pergunta é: como fazem tanto dinheiro sumir sem que ninguém perceba?

Revelado pelo ex-presidente do banco Santander no Brasil Sergio Rial, após poucos dias como CEO da Americanas, o desfalque na contabilidade da empresa controlada pelos donos das maiores fortunas do Brasil segue um mistério. Embora a companhia tenha admitido dever R$ 43 bilhões e pedido recuperação judicial, a guerra que ela trava com bancos credores parece longe de um desfecho amigável. E ainda falta explicar como é que ninguém sabia de nada até a chegada do novo CEO. Quem teria se beneficiado do esquema? A quem caberá pagar a dívida?

Grandes ou pequenas, empresas estão sujeitas a quebrar por razões variadas. A onda de demissões em massa nas gigantes de tecnologia é uma prova de que até quem lucra bilhões pode se ver obrigado a fazer ajustes para não entrar no vermelho — ou até falir. Há também as que convivem com dívidas colossais e nem por isso estão ameaçadas. A japonesa Toyota encerrou o ano fiscal de 2021 devendo US$ 186 bilhões, mais que a dívida pública da Colômbia, que era de US$ 171 bilhões naquele ano. Mas nem a Toyota nem a Colômbia estão falidas. Isso sem falar do Japão, cuja dívida pública atingiu 225% do PIB em setembro passado, segundo dados do próprio governo. O problema não está em dever, mas em negar — ou mascarar os números em nome de alguma vantagem espúria.

Um suposto erro de cálculo que passou batido por todo mundo no Banco Central do Brasil fez com que os números relativos ao fluxo cambial fossem divulgados de forma imprecisa pela autoridade monetária ao longo de todo o ano de 2022. Na quinta-feira (26), o BC informou ter identificado falhas na rotina de compilação de dados sobre a entrada e a saída de dólares do Brasil desde o fim de 2021. O que até então era um saldo positivo de US$ 9,5 bilhões se tornou negativo em US$ 3,2 bilhões. Pelo câmbio da quarta-feira (1), a conta soma aproximadamente R$ 64,5 bilhões. Qual o impacto disso na economia real? Quase nulo. Tanto quem nenhum indicador financeiro (câmbio, bolsa) sofreu abalo significativo. A questão é saber se o erro foi involuntário ou intencional.

O BC alegou em nota que “nem todos os códigos de natureza cambial que entraram em vigor em outubro de 2021 foram incluídos no processo de apuração das estatísticas de câmbio contratado”. Traduzindo: ficaram de fora da balança comercial parte das compras de dólares usados para importação de mercadorias. Isso fez parecer que o Brasil estava exportando mais e recebendo mais ingresso de moeda estrangeira do que de fato ocorreu.

Em tese, o saldo cambial positivo é interpretado como sinal de confiança na economia de um País. Embora sozinho esse dado não diga muita coisa, a narrativa funciona para demonstrar o acerto da política econômica. Se não serviu para influenciar o resultado da eleição presidencial de 2022, ficou no ar a impressão — falsa — de que o governo federal fez sua parte para o Brasil atrair dólares. Só que ocorreu o contrário. Enviamos mais do que recebemos. Bem diferente do truque que fez a nota de R$ 10 reaparecer dentro da casca de noz, nenhuma mágica será capaz de tornar o saldo cambial do Brasil positivo em 2021 e 2022. Nossos ilusionistas da economia só sabem fazer o dinheiro surgir quando ele não existe de verdade.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO