O empresário americano Michael Dell, fundador e CEO da fabricante de PCs que leva o seu sobrenome, deu na semana passada alguns conselhos a jovens empreendedores. “Sejam loucos e não busquem muitos conselhos”, disse ele em um evento na Índia. “Empreendedores devem ser loucos, pelo menos aos olhos dos outros.” Suas recomendações parecem servir como uma luva para a situação da companhia que criou em 1984, em Austin, no Estado do Texas, nos EUA. Afinal, Michael não quer mais ter de prestar contas aos acionistas da Dell – e muito menos ouvir suas opiniões ou recomendações. E parece agora estar bem perto de alcançar seu objetivo. Na semana passada, um comitê formado por advogados e especialistas financeiros, contratado pelo conselho de administração da Dell, recomendou o fechamento de capital da companhia. 

 

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Michael Dell, CEO da Dell: “Sejam loucos e não busquem muitos conselhos”

 

“Acreditamos que os riscos e a incerteza de uma empresa pública autônoma são altos”, afirmaram os integrantes do comitê, de acordo com o jornal britânico Financial Times. Essa é justamente a proposta formulada por Dell e pelo fundo Silver Lake no início deste ano. A data para a decisão do conselho sobre o assunto já está marcada: 18 de julho, numa reunião especialmente convocada para votar o tema. A intenção de Dell ao tentar fechar o capital é ter espaço para dar vazão às suas (loucas?) estratégias de maneira mais rápida, sem ter de passar pela longa tramitação exigida pelos rituais do conselho de administração para a aprovação de propostas. 

 

Ao mesmo tempo, ele quer escapar daquilo que o mercado chama de tirania do trimestre, ou seja, a obrigacão de apresentar balanços que satisfaçam aos investidores em ações a cada três meses. Por estimular o imediatismo na gestão, uma situação desse tipo pode ser inimiga da inovação e da maturação de projetos de longo prazo. E a empresa claramente precisa de ideias inovadoras. A terceira maior fabricante de PCs do mundo vê seus resultados minguarem trimestre a trimestre e um futuro nada promissor no horizonte, caso não haja uma guinada nos negócios. A oferta feita por Dell em parceria com o fundo Silver Lake Management LLC é de US$ 13,6 por ação, o que represente um total de US$ 24,4 bilhões pelo controle. 

 

O valor está 36% acima do preço da ação na época em que a proposta foi feita. Hoje, o mercado coloca a ação praticamente no mesmo patamar da proposta. Pode parecer um prêmio pequeno, mas alguns analistas estimam que os ganhos da Dell para este ano possam sofrer uma queda entre 30% e 40%. Não menos importante foi o apoio dado pela Microsoft, criadora do Windows e parceira histórica da Dell, com a oferta de um empréstimo de US$ 2 bilhões ao fundador para efetivar a compra. Os acionistas deverão, então, decidir se põem fim a um ciclo de 25 anos de negociações das ações na Nasdaq e abrem mão de sua participação na empresa. Além dos interesses propriamente financeiros, Michael Dell tem uma motivação pessoal para levar adiante suas investidas. 

 

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O opositor: o investidor bilionário Carl Icahn se aliou a um fundo de investimento para fazer

uma contraproposta de US$ 12 por ação, para manter a Dell aberta na bolsa

 

Afinal, ele é o criador da companhia. Ainda assim, sua ligação sentimental com a Dell não foi suficiente para estancar a queda do valor da empresa. Após um período como presidente do conselho, Michael voltou a ocupar o posto de CEO da Dell em 2007, época em que começava seu declínio no mercado de PCs. Desde então, os papéis da empresa desabaram 35%, e a Dell foi desalojada da liderança do mercado mundial de PCs. Atualmente, ela está atrás da chinesa Lenovo e de sua compatriota HP. A responsabilidade pela má fase, porém, não pode ser debitada a seu fundador. Laptops, desktops e outras formas de computadores pessoais, responsáveis por mais de 50% do faturamento da companhia, cada vez mais assumem o papel de nicho de uso no trabalho. 

 

Esses aparelhos estão perdendo espaço para smartphones e tablets. Nessas novas áreas, a atuação da Dell é fraca. Neste ano, a empresa lançou o Latitude 10, tablet voltado para o uso profissional, e o computador híbrido XPS 12. Nenhum dos dois empolgou. Um empecilho para o fechamento de capital é a contraproposta feita pelo investidor bilionário Carl Icahn, vedete de Wall Street nas últimas semanas e dono de 11,5% das ações da Dell (o fundador detém cerca de 16%). Icahn batizou a proposta de Dell como “a grande doação”. Em parceria com o fundo Southeastern Asset Management, Icahn propôs o pagamento de US$ 12 por ação, o que representaria um total de US$ 21 bilhões pelo controle. 

 

No entanto, ao contrário de Dell, ele manteria a empresa aberta, permitindo aos que não topassem se desfazer de seus papéis manter-se como acionistas. “Esta empresa sofreu por tempo suficiente em decorrência de decisões erradas feitas por seu conselho de administração e pela alta direção”, disseram, em carta, Icahn e G. Staley Cates, presidente da Southeastern, seu parceiro na empreitada. “Não tomem mais uma dessas decisões ao submeter a companhia a uma briga desnecessária.” A subsidiária da Dell, que mantém uma fábrica no Brasil, comentou o caso em nota na qual parece dar como certo o fechamento de capital. 

 

“A recompra de ações representa um novo capítulo importante na história da Dell”, afirma. “O acordo não muda nossa estratégia de transformação de longo prazo em uma fornecedora de soluções de TI ponta a ponta aos clientes, nem o nosso compromisso de oferecer aos consumidores o que há de melhor. ” O detalhe curioso nessa história é que uma reunião especial, que definirá o futuro da Dell, coincidirá com a comemoração dos 45 anos de fundação da Intel. Parceira de longa data da Dell, a fabricante de chips mantém seu capital aberto. Seria loucura pensar que essa coincidência possa influenciar os acionistas da Dell?

 

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