Em maio passado, a executiva Marcela Drehmer tinha um grande problema. Recém-apontada vice-presidente de finanças e relações com investidores da petroquímica Braskem, ela precisava colocar nos eixos uma dívida de R$ 7 bilhões, originada no grande negócio fechado três meses antes: a compra da concorrente Quattor. 

 

Mais moderna e eficiente, a empresa adquirida vinha tendo seus resultados financeiros comprometidos pelo endividamento pesado, caro e de prazo curto. Marcela arregaçou as mangas e pôs-se a procurar dinheiro mais barato. Metade da dívida foi paga com a ajuda da bolsa de valores, por meio de uma emissão de ações de R$ 3,7 bilhões. 

 

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A outra metade foi rolada com a ajuda de uma fonte de recursos que nunca esteve tão aberta para as empresas brasileiras, o mercado internacional de capitais. “A liquidez internacional é farta e há muitos recursos disponíveis”, diz a executiva. Ela tem razão: a janela do dólar está escancarada como nunca.

 

Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima), as empresas estatais e privadas, os bancos e o próprio Tesouro Nacional captaram US$ 31,4 bilhões nos três primeiros trimestres de 2010, um recorde histórico e um crescimento de mais de 20% em relação ao mesmo período do ano passado.

 

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Marcela Drehmer: liquidez internacional abundante 
ajuda a refinanciar metade da dívida de R$ 7 bilhões da Braskem

 

O próprio Tesouro voltou a captar recursos lá fora pagos em reais, algo que não ocorria desde a crise financeira em 2008. E, ao contrário de períodos recentes da história financeira, a probabilidade de que ventos contrários fechem subitamente essas janelas é muito pequena. “O Brasil está se beneficiando de um ambiente favorável interna e externamente”, diz Roberto Padovani, estrategista-chefe do banco alemão West LB. “O mercado internacional está com excesso de dinheiro e o Brasil é considerado um porto seguro pelos investidores.”

 

Os pacotes de estímulo à economia preparados pelo governo americano injetaram US$ 1,7 trilhão no mercado nos últimos dois anos e deverão injetar outro trilhão de dólares ao longo dos próximos 12 meses. Todo esse dinheiro vai precisar ser investido, e os bons juros pagos pelas empresas brasileiras tornam-se uma atração irresistível. 

 

Não por acaso, os empréstimos têm ficado cada vez mais baratos. Segundo Marcela, em maio a Braskem pagou 7,375% ao ano em um bônus perpétuo, ou seja, sem data de vencimento. Esse título serviu para resgatar e pagar dois outros bônus, emitidos em 2005, que pagavam 9,25% ao ano. 

 

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Comparados com o custo básico do dinheiro no Brasil, de 10,75% ao ano, captar em dólares é um paraíso para quem pode se proteger do risco cambial. A Braskem pretende continuar bebendo nessa fonte. “Se os juros continuarem caindo, vamos trocar esses papéis por outros ainda mais baratos”, diz a executiva.

 

Com pequenas alterações, essa foi a estratégia da Companhia Siderúrgica Nacional, uma das líderes em captações neste ano. “A CSN trocou uma dívida que custava 9,5% ao ano por outra que custa 7%”, diz André Silva, executivo do Deutsche Bank em Nova York e um dos responsáveis pela emissão de dívida de empresas da América Latina. 

 

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Segundo o executivo, as brasileiras nunca captaram dinheiro tão barato. Uma companhia de primeiríssima linha, como Vale ou Petrobras está trazendo recursos por dez anos que custam 4,3% ao ano em dólares, bem abaixo dos 11% ao ano do mercado interno. “Captar dinheiro no Exterior é mais barato mesmo com a necessidade de comprar proteção contra as flutuações do câmbio”, diz ele. Procurada, a CSN não comentou o fato, assim como o grupo Votorantim e o Itaú Unibanco, grupo e banco que mais captaram dinheiro no Exterior em 2010 (leia quadro).

 

O apetite dos investidores estrangeiros é tão grande que o próprio Tesouro brasileiro voltou a captar recursos em reais. Fechadas desde antes da crise, as janelas dos títulos em reais voltaram a se abrir na segunda-feira 25 e o Tesouro captou o equivalente a US$ 1 bilhão até 2028, pagando 8,86% ao ano. 

 

Essas captações oficiais oferecem outra vantagem para as empresas privadas: proporcionam um parâmetro para saber quanto os investidores estão dispostos a pagar. A expectativa é que as captações em reais cresçam nos próximos meses. “Temos de fazer as contas com cuidado, mas essa é uma possibilidade muito interessante para obter recursos”, diz Domingos Abreu, vice-presidente do Bradesco, um dos líderes na captação em 2010. 

 

Em dólares ou reais, o apetite dos investidores lá fora deverá permanecer saudável ao longo dos próximos anos, o que vai garantir, no longo prazo, a redução dos juros internos, sem pressionar o câmbio, algo que não passou despercebido ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao comentar a captação da segunda-feira. “Devemos fazer outras emissões antes do fim do ano.” Para ele, as janelas do dólar vão continuar abertas.