Em 30 de outubro de 1938, o cineasta americano Orson Welles causou pânico em Nova York ao narrar no rádio a invasão de marcianos à Terra. Welles, na verdade, fazia a leitura de uma adaptação do livro A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. Muitos ouvintes nova-iorquinos acharam que era um fato real. Mas 75 anos depois, o planeta foi, de fato, tomado por seres verdes, com duas anteninhas na cabeça. Eles, no entanto, não são alienígenas nem causam pânico na população. Ao contrário. São simpáticos robôs que praticamente se tornaram onipresentes nos smartphones e caminham, rapidamente, para dominar também as telas dos tablets.

 

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Trata-se do Android, sistema operacional desenvolvido pelo Google. Com pouco mais de cinco anos de mercado, ele é um fenômeno. Atualmente, cerca de 1,5 milhão de celulares com o robozinho são ativados por dia. Em 2014, de acordo com estimativas da consultoria americana Gartner, haverá mais de 1 bilhão de equipamentos com o Android, uma marca histórica. Nem o sistema operacional Windows, da Microsoft, atingiu esse patamar. O avanço do software do Google, na verdade, explica as razões pelas quais a Microsoft perdeu seu reinado no universo de tecnologia (leia gráfico ao final da reportagem). O Android é hoje o Windows dos celulares.

 

Há diferenças entre os modelos de negócios do Google e da Microsoft. Mas as semelhanças ajudam a entender por que o Android dominou o mercado. Assim como o Windows nos computadores, o robô verde pode ser instalado em qualquer celular e tablets. Por esse motivo, ele está em aparelhos das coreanas Samsung e LG, da taiwanesa HTC, da americana Motorola (que pertence ao Google), da japonesa Sony, das chinesas Lenovo e ZTE, além de dezenas de outros fabricantes. O iOS, que equipa o iPhone, da Apple, é exclusivo do aparelho. O Windows Phone vem instalado basicamente nos celulares da Nokia. O combalido BlackBerry roda somente em seus próprios equipamentos. 

 

Ao contrário do software da empresa de Bill Gates, o Android é gratuito e seu código aberto. Qualquer fabricante pode modificá-lo livremente, adaptando-o às suas necessidades. “A Apple consegue fazer frente em países desenvolvidos. No restante o Android tem ampla vantagem”, diz Leonardo Munin, analista da consultoria IDC, especializada em tecnologia. Essa expansão em países emergentes é fácil de ser compreendida. Há aparelhos Android para todos os bolsos. O Galaxy, da Samsung, concorre em preço com iPad e iPhone. Mas o software do Google equipa smartphones e tablets bem baratos. 

 

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Robô elástico: o Grupo Mowa, de Guilherme Santa Rosa, explora o Android

para oferecer serviços únicos

 

A mineira DL, maior vendedora de tablets do Brasil, é uma das que se aproveitam disso. A empresa, do imigrante chinês Paulo Xu, diz que deve vender dois milhões de unidades de tablets neste ano. Uma boa parte deles custa menos de R$ 1 mil. Seus produtos de baixo custo são equipados com a versão 4.1 do Android, lançada em 2012. O Google anunciou recentemente a atualização 4.4 do sistema operacional, batizada de KitKat, um conhecido chocolate da suíça Nestlé. “É a versão mais adequada para os nossos produtos, ele roda perfeitamente e é bem aceito entre os consumidores”, afirma Ricardo Malta, gerente de marketing da DL.

 

APOIO DOS DESENVOLVEDORES A popularidade do Android possibilitou um novo feito para o Google. Empresas que surgiram para desenvolver aplicativos para o iOS, da Apple, renderam-se ao sistema. Antes, os programas para celulares eram lançados primeiro para rodar no iPhone. Só depois eram adaptados para outros sistemas operacionais. Isso já mudou. A razão é muito simples: de cada dez smartphones vendidos no mercado brasileiro, nove vêm com o robozinho verde do Google – no mundo, o Android detém 80% do mercado. O grupo Mowa, fundado em 2002, é um exemplo dessa nova estratégia. O grupo já desenvolveu em WAP, BlackBerry e iPhone. 

 

Agora, volta sua atenção para o Android. A Fábrica de Aplicativos, uma de suas empresas, por exemplo, desenvolveu uma plataforma que facilita a criação de softwares até por quem não sabe programar. Detalhe: o serviço só funciona 100% no Android. “Não é possível promover a criação de programas no sistema operacional do iPhone, porque a Apple restringe muito a publicação de aplicativos em sua loja”, diz Guilherme Santa Rosa, CEO da Fábrica de Aplicativos e sócio do Grupo Mowa. Segundo ele, 58 mil aplicativos já foram montados na Fábrica desde 2011. 

 

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Em toda a parte: a maioria dos usuários do Apontador, de Moacir Kang, usará Android,

mas a empresa mantém versões para outros sistemas

 

“O Android é sempre mais aberto e maleável.” A campineira Movile também está tirando proveito do jogo de cintura do Android. Um de seus carros-chefe é o FreeZone, baixado mais de cinco milhões de vezes. O software indica para o usuário onde há conexão sem fio nas proximidades – mais de 200 milhões de redes estão mapeadas no mundo – e permite compartilhar senhas. Há alguns meses, a empresa firmou parceria com a americana Boingo, cujas redes Wi-Fi estão loca­lizadas em áreas de tráfego intenso, como aeroportos, shoppings, estádios, ginásios esportivos, casas de show e eventos de todo o mundo. 

 

Para ter acesso à estrutura da Boingo, o usuário do FreeZone deve pagar US$ 10 por mês. Gostou? Então é bom que você tenha um celular com Android. Esse é o único sistema em que o FreeZone está disponível. “Adoraríamos ter uma versão para o iPhone, mas o aparelho não permite que um aplicativo inter­fira na conexão com a internet”, a­firma Flavio Stecca, diretor de tec­nologia da Movile. Os aplicativos para iPhone, é claro, não perderam o seu charme. O fato, no entanto, é que não dá mais para manter sua estratégia focada exclusivamente para o aparelho da Apple.

 

O site Apontador, líder brasileiro de anúncio de locais, prefere manter os pés nas duas barcas, embora uma delas esteja mais veloz que a outra. “A maioria dos nossos usuários são Apple, mas o crescimento do Android é muito maior e deve se tornar nosso principal sistema antes do fim deste ano”, afirma Moacir Kang, fundador e CEO do Apontador, que conta com 17 milhões de usuários únicos por mês. Segundo ele, hoje os dispositivos móveis representam 15% do seu faturamento. Kang, no entanto, espera que essa fatia cresça mais e mais nos próximos anos. “Esse é o futuro, ninguém mais tem dúvida.”

 

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Como o Google ganha dinheiro com o Android

 

O CEO da Microsoft, Steve Ballmer, não entendeu as intenções do Google com o seu sistema operacional para celulares Android. “Se eu dissesse em uma reunião com meus acionistas ‘hey, lançamos um novo produto que não traz receita’, não sei se eles aceitariam”, afirmou Ballmer em 2008, durante um evento na Austrália. Ele, que tirou sarro do iPhone na mesma época, mais uma vez errou. O chefão da empresa criada por Bill Gates pareceu não entender o que é o Google. 

 

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Muitos descrevem a empresa fundada por Larry Page e Sergey Brin como um buscador. Nada de errado nisso. Mas quanto mais os usuários de internet usam a busca do Google, mais dinheiro a companhia ganha com a publicidade online. Como os consumidores estão migrando dos PCs para smartphones e tablets, fica fácil entender por que é vital ao Google tornar-se relevante nessa área. Mas como ele ganha dinheiro se o seu sistema é gratuito? 

 

Os donos dos celulares com Android têm acesso facilitado aos produtos do Google: e-mail, busca, YouTube e outros. Quanto mais eles usam os serviços, mais a companhia de Mountain View ganha dinheiro com os acessos nos anúncios. A empresa detém uma fatia de 53% da publicidade móvel, de acordo com o e­Marketer. Além disso, a empresa ganha uma comissão em cada aplicativo, vídeo ou livro vendido na loja virtual Google Play, padrão no Android. Entendeu agora, Ballmer?