Se fosse apenas pelo título, Sir Jeffrey Richard de Corban Evans, quarto Barão de MountEvans e City Lord Mayor de Londres poderia exigir cerimônia no trato. No entanto, o empresário britânico de 67 anos, com uma longa carreira como corretor de transporte naval, dispensa as formalidades. Ele quer fazer negócios. Em novembro de 2015 ele assumiu o cargo de prefeito da City de Londres, o poderoso bairro financeiro da capital britânica, onde se concentram as sedes dos bancos, seguradoras e gestoras de recursos. Seu mandato, semelhante ao de um subprefeito na cidade de São Paulo, dura um ano, não é remunerado, e não tem função política. A tarefa de Evans é representar os bilhões do mercado financeiro britânico e buscar parcerias. Em sua primeira viagem ao Brasil, ele avalia que, passada a turbulência provocada pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, o capital internacional voltará a buscar oportunidades de investimento por aqui. Ele falou com a DINHEIRO:

DINHEIRO – O Brasil trocou de presidente e Michel Temer é mais favorável ao mercado. Isso muda a forma como os investidores olham para o País? 
JEFFREY EVANS – 
Eu considero que o meu conhecimento da situação política brasileira é insuficiente para fazer uma análise, por isso prefiro não fazer comentários sobre essa situação específica. Mas há uma regra que sempre vale. Temos de ser pragmáticos ao analisar qualquer situação política e como ela poderá influenciar os negócios. Isso vale para qualquer país. É evidente que a turbulência é prejudicial para os negócios. No entanto, os investidores com uma visão de longo prazo sabem que esses momentos de troca de comando fazem parte do processo. Os mercados emergentes têm um comportamento mais cíclico do que os países mais maduros. Porém, no longo prazo, a turbulência política passa e a situação tende a se estabilizar. Neste momento em especial, o Brasil está enfrentando um momento atípico. Mas a reversão disso é apenas uma questão de tempo.

DINHEIRO – E o quanto essa crise afeta os negócios no Brasil, e os investimentos britânicos no Brasil em especial?
EVANS –
 O Brasil é um mercado muito significativo, e São Paulo é um centro importante no comércio, nas finanças, e em muitas outras áreas. Esta é minha primeira visita ao Brasil, então é natural começar por aqui. Nossa percepção é que a economia brasileira é grande demais para que qualquer investidor esteja fora dela. E, na minha avaliação, os britânicos não estão investindo tanto aqui quanto deveriam.

DINHEIRO – Por que isso ocorre?
EVANS –
 Em primeiro lugar, a distância geográfica. Além disso, há certa distância cultural. Existe uma percepção generalizada, na Inglaterra, de que o Brasil é um mercado muito difícil para se investir e para se trabalhar. Isso torna as empresas e os investidores do Reino Unido menos propensos a aumentar seus negócios no Brasil. Mas eu estou aqui para encontrar pessoas e fazer contatos. Uma coisa boa de viagens como a minha é que eu posso obter uma visão clara da situação e apresentar as enormes oportunidades de investimento ao voltar para Londres.

DINHEIRO – Em que áreas essa participação poderia ser incrementada?
EVANS –
 Há muitas, mas vou me concentrar no meu campo específico, que é a City. O sistema financeiro britânico pode agregar muito valor aos negócios no Brasil. Por exemplo, a Bolsa de Londres é muito internacionalizada, com três mil empresas listadas. É a principal bolsa da Europa, destinada às maiores companhias do mundo. Porém, também temos um mercado simplificado. Então, os empresários brasileiros que estiverem interessados em captar dinheiro podem se servir do nosso segmento de acesso, chamado AIM, ou Alternative Investment Market. É uma bolsa para empresas menores, que tem 1,2 mil companhias. É mais barato listar as ações nela, e há menos exigências por parte dos reguladores. Essa é uma área que oferece muitas vantagens. Sem falar no acesso a capital. Há 250 escritórios de bancos internacionais em Londres.

DINHEIRO – Que companhias brasileiras poderiam ser listadas? De quais setores?
EVANS –
 Há interesse dos investidores, especialmente os institucionais, em aplicar onde o Brasil apresenta uma evidente vantagem competitiva. Empresas de mineração, alimentos, bens de consumo, manufatura. São muitos setores. E o mercado em Londres tem diversidade e profundidade, ou seja, há bastante capital para se levantar.

DINHEIRO – Mesmo em um momento de refluxo dos investimentos britânicos no Brasil? Alguns bancos, como o HSBC e o Barclays, já anunciaram que estão se retirando do mercado. 
EVANS –
 Não vou discutir a atuação específica do HSBC, mas eles estão em um momento de refluxo de todas as suas atividades fora do Reino Unido. O mesmo vale para o Barclays, que está se retirando de mercados fora da Europa. Os bancos ingleses também estão saindo da África do Sul.

DINHEIRO – Aversão a risco?
EVANS – 
Em geral, os bancos estão procurando cuidar primeiro da sua rentabilidade nos mercados de origem. E, além disso, assistimos a uma mudança na regulação. Os reguladores europeus estão mais rígidos com os bancos, especialmente com a contabilização das atividades em países sem grau de investimento. Os bancos têm de alocar muito capital próprio para investir fora da Europa. Não é um momento de expansão. Mas isso é cíclico.

DINHEIRO –Qual o segmento das finanças mais promissor hoje?
EVANS –
 As fintechs, como são chamadas as empresas que desenvolvem tecnologia para o sistema financeiro. Durante muito tempo, os bancos pensaram nessas empresas como uma ameaça. Mas isso é falso. Na verdade, as fintechs serão aliadas importantes dos bancos para melhorar o foco no cliente e aumentar a lucratividade dos negócios. No Reino Unido temos cerca de 61 mil empreendedores em fintechs, e Londres oferece uma vantagem inegável: todos estão fisicamente próximos. Não é como nos Estados Unidos, em que os jovens inovadores estão na Califórnia, os banqueiros estão em Nova York e os reguladores estão em Washington. Na City, os fundos, que investem, os bancos e seguradoras, que adquirem os serviços, e os reguladores de mercado estão a duas estações de metrô uns dos outros. Isso facilita a vida de todos os empreendedores.

DINHEIRO – O sr. trabalhou durante muito tempo como corretor de transporte naval. Quais as oportunidades que o Brasil oferece nesse campo?
EVANS –
 O Brasil é um grande consumidor de transporte para carga seca, ou seja, itens como minério de ferro e grãos, sem falar no petróleo. Isso não deve mudar tão já, o Brasil será um grande exportador de produtos primários por bastante tempo. Sempre será um mercado estratégico para os armadores. E os principais escritórios estão em Londres, o que permite movimentar cargas ao redor do mundo todo.

DINHEIRO – Além do sistema bancário e dos transportes, que outras oportunidades o Brasil oferece? 
EVANS – 
Há dois assuntos importantes. O primeiro é a renovação e ampliação da infraestrutura. As pessoas tendem a achar que esse é um assunto resolvido, mas perdem de vista o tamanho da oportunidade. Segundo nossos estudos, incluindo 2016, a infraestrutura vai gerar negócios de US$ 1 trilhão por ano até 2030. Ou seja, ao longo dos próximos anos teremos de investir quase US$ 15 trilhões em infraestrutura. Que, claro, depois vai precisar de manutenção, ou seja, isso vai gerar ainda mais oportunidades de negócios.

DINHEIRO – Tanto assim? 
EVANS –
 Sem dúvida. Os locais onde a necessidade de investimentos é mais visível são a China, a América Latina e os países da África, mas há muitos outros. Isso vale até para os Estados Unidos, por exemplo. Boa parte da infraestrutura americana precisa de renovação, e tudo isso representa negócios. Veja a situação dos portos americanos. Dependemos de portos modernos e eficientes para reduzir os custos do transporte. Se você observar os portos da Costa Leste americana, verá que eles estão ultrapassados. E esse é apenas um de vários exemplos.

DINHEIRO – Como isso vale para o Brasil?
EVANS – 
O Brasil deverá representar uma boa fatia desse total. Não me arrisco a prever um percentual, porque não é minha área, mas basta olhar para as necessidades de infraestrutura brasileiras para saber que deveríamos investir mais por aqui.

DINHEIRO –O sr. citou duas grandes oportunidades de investimento. A primeira é infraestrutura. Qual a segunda? 
EVANS –
 As finanças verdes, que estão se tornando cada vez mais estratégicas. No ano passado, na Conferência de Paris, foram assinados diversos acordos tendo em vista desacelerar a mudança do clima. Isso requer investimentos em tratamento e reciclagem do lixo, tratamento de água, geração de energia solar e eólica. Tudo isso terá de ser financiado. Neste momento, em parceria com o Banco Central da Inglaterra, a City está desenvolvendo as metodologias para saber se um determinado projeto é de fato sustentável e se merece ou não financiamento. Só isso poderia criar um novo grupo de financiadores para investimentos no Brasil, desde que as atividades sejam comprovadamente sustentáveis. Assim como Londres se tornou um centro de negócios para as finanças islâmicas e para as transações com a moeda chinesa, o renminbi, também seremos um centro para as finanças verdes.

DINHEIRO – Em junho haverá um referendo para discutir a saída do Reino Unido da União Europeia, um movimento conhecido como “Brexit”. Qual a posição da City? 
EVANS – 
Os principais membros da comunidade financeira londrina são majoritariamente favoráveis a permanecermos na União Europeia. Fizemos uma pesquisa e a aprovação à permanência é de 82%. Na City, há uma ampla maioria favorável a essa posição. Nossa percepção é que há muitas vantagens para o Reino Unido em permanecer na União.

DINHEIRO –Quais são elas?
EVANS –
 Em primeiro lugar, a Europa é o maior mercado consumidor do mundo, e perderíamos acesso a uma importante fonte de oportunidades nos serviços financeiros, só para ficar na minha área de atuação específica. Depois disso, não podemos nos esquecer que, após a crise da década passada, os países da Comunidade Europeia têm realizado reformas profundas, com foco na competitividade. O futuro deles será de crescimento após os ajustes que eles realizaram, e não é bom darmos as costas a mercados grandes. As pessoas me perguntam o que aconteceria com o Reino Unido se saíssemos da União Europeia, e a minha resposta é sempre igual: seria como cair de um precipício. Ao longo de muitos séculos, Londres foi um centro de negócios e de inovação, e a economia britânica será mais próspera se permanecermos ligados.