09/05/2014 - 20:00
Escolhidos como vilões da inflação no ano passado, os alimentos ainda não saíram dos holofotes em 2014. A alta dos preços dos produtos agrícolas, que sofreram com a falta de chuvas no último verão, foi a principal justificativa do presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, para explicar uma inflação que insiste em se manter acima dos 6% ao ano e muito além da meta central da política monetária, de 4,5%. Em discurso na terça-feira 6, em evento da Câmara Brasil Israel de Comércio e Indústria, em São Paulo, ele afirmou que o preço da comida deve diminuir nos próximos meses e que a instituição trabalha para trazer a inflação para baixo.
“Foi um choque temporário no preço dos alimentos”, disse Tombini. A realidade, no entanto, é um pouco mais preocupante. Um olhar atento aos itens que compõem os índices de custo de vida aponta vários culpados pela inflação. Dos 373 produtos que integram o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial da inflação, 71% subiram em março. Um sinal de que a alta não é restrita aos produtos suscetíveis a variações climáticas, mas é um fenômeno que se disseminou na economia. Um exemplo é a inflação de serviços, que tem se mantido em torno de 8% há três anos.
A massa salarial que sobe acima do custo de vida – em março, a expansão em 12 meses foi de 4% – ajuda a manter a alta dos preços. O IPCA acumula alta de 6,28% em 12 meses, até abril. Itens como educação subiram 8,6% e eletrodomésticos tiveram alta de 9,8%. “A inflação tem sido persistente e generalizada desde 2012”, diz o economista Cristiano Souza, do banco Santander. “O governo fala bastante dos alimentos, mas só eles não explicam essa elevação.” A exclusão dos itens alimentícios e dos preços administrados pelo governo, como energia elétrica e transporte público, mostra que os outros preços, de flutuação livre, subiram ainda mais.
Nos últimos 12 meses, a alta foi de 7,3%. Para tentar levar os preços ao centro da meta de inflação, o BC vem aumentando os juros, que já chegaram a 11%. O problema é que o IPCA tem ficado acima de 4,5% por tempo demais. Este será o quinto ano consecutivo de estouro da meta, que tem tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Tanto o governo quanto os economistas do setor privado acreditam que em 2015 não será diferente. O IGP-DI, que tem forte componente de preços no atacado, ficou em 8,1% em 12 meses até abril.
Diante dessa resistência e da falta de compromisso do BC em trazer o índice para 4,5% – apesar do discurso de Tombini de que vem elevando a Selic “com vistas a assegurar a convergência tempestiva da inflação para a trajetória de metas” –, os agentes econômicos já mudaram suas expectativas. “Ninguém sabe qual é a meta de inflação, mas desconfiam que ela esteja próxima do teto, de 6,5%”, critica o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC. Ele alerta para os riscos de uma política que considera “frouxa” e que tem levado empresas e trabalhadores a reajustarem preços e salários com cada vez mais intensidade para se precaver de futuras elevações de custos.
“Como a inflação está há muito tempo em patamar elevado, as expectativas acompanham e contribuem para enrijecer o processo inflacionário”, diz o economista Elson Teles, do Itaú Unibanco. Na semana passada, a presidenta Dilma Rousseff reiterou que a inflação está sob controle, mas reconheceu que “não está tudo bem” em relação aos preços. Mas ela prefere uma inflação acima da meta central a juros estratosféricos, que aumentariam o desemprego. Em ano de eleição, manter a inflação sob controle, ao redor de 6%, em média, é bem mais interessante para ganhar votos do que ver a taxa de desemprego subir.
Faz sentido, mas é uma política arriscada num país com histórico de hiperinflação como o Brasil. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também disse na semana passada que os choques de alimentos “nos últimos três anos” atrapalharam o controle da inflação. O descompasso entre a visão do mercado e do governo é ainda visível nas projeções para a inflação em 2015. Enquanto o governo acredita que ela será de 5%, analistas esperam, em média, 6%. O mercado já coloca na conta os reajustes da gasolina e das tarifas de energia, artificialmente represados para tentar segurar os preços. Nessa queda de braço, o tempo dirá quem tem razão.