06/04/2015 - 18:00
Nove anos após iniciar as exportações para a Índia, por estímulo do governo brasileiro, a calçadista gaúcha Piccadilly sucumbiu às altas taxas de importação locais e decidiu interromper, no ano passado, os envios ao parceiro asiático. Bastaram menos de 12 meses, porém, para que o rompimento fosse revisto. Não que a Índia tenha experimentado uma grande mudança no período, mas a fabricante brasileira decidiu olhar mais para o futuro do que para o presente. “Como a Índia tem um potencial de consumo muito grande, com oportunidades de amadurecer, decidimos retomar as exportações”, afirma Micheline Grings, diretora de exportação da marca.
A convicção de Micheline encontra respaldo na mais recente avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em visita ao país, no mês passado, a diretora do FMI, Christine Lagarde, ressaltou que a economia indiana será o grande motor do crescimento global nos próximos anos, na direção oposta dos principais emergentes. “Neste horizonte nublado, a Índia é um ponto brilhante”, disse a diretora. A ascensão indiana já começou. O ritmo de avanço deve subir de 7,2% no biênio 2013-2014 para 7,5% nos dois anos seguintes, superando a China na liderança do ranking global de crescimento econômico.
Com um PIB de cerca de US$ 2 trilhões, a economia indiana ainda é menor que a brasileira (US$ 2,2 trilhões) e a chinesa (US$ 10 trilhões). Em quatro anos, no entanto, deve dobrar de tamanho em relação ao nível de 2009, para quase US$ 3 trilhões, tornando o seu mercado interno ainda mais atraente para as empresas. Para o Brasil, que enfrenta um período de baixo crescimento, é uma oportunidade que pode ser aproveitada diante de um novo patamar do dólar, acima de R$ 3,00. Já há sinais, inclusive, de que essa parceria pode florescer. No ano passado, a Índia passou a ser o 8º maior comprador dos produtos nacionais, dez posições acima do ranking de 2013, com U$ 4,7 bilhões.
Projeções da equipe de análise do HSBC indicam um crescimento de 20% nas vendas para o mercado indiano até 2016, acima do previsto para qualquer comprador do Brasil. Além da pauta tradicional de exportação, que inclui petróleo e açúcar, os setores químicos e têxteis podem ser beneficiados. “A Índia nunca foi priorizada pelos exportadores brasileiros em relação à China e outros mercados importantes”, afirma Gerd Pircher, diretor de mercado e finanças do HSBC na América Latina. “O País pode e deve assumir um papel maior na participação das exportações.”
Pelos cálculos do banco, a Índia deve alcançar a quarta posição entre os maiores compradores de produtos brasileiros em 2030, encostando na Argentina. Com uma população de 1,2 bilhão de habitantes e a previsão de crescimento sustentando por um longo período, o país ascende como importante mercado consumidor global – a montadora americana GM, por exemplo, ampliou os investimentos no país projetando que será o terceiro maior mercado automotivo em duas décadas. Mais de 50% da população têm, hoje, menos de 25 anos e, até 2030, a Índia concentrará a maior força de trabalho do mundo.
O sentimento de otimismo em relação ao emergente asiático se acentuou com a chegada ao poder, em maio do ano passado, do primeiro-ministro, Narendra Modi, e o seu discurso pró-investimentos, baseado numa agenda de reformas voltadas para melhorar o ambiente de negócios do país, um dos entraves apontados por investidores. No último relatório do Banco Mundial sobre o tema, a Índia ocupou a modesta posição de 142, entre 189 nomes avaliados, atrás do Brasil (120). Com apenas dois meses no cargo, Modi participou da 6ª Cúpula dos BRICS, o bloco de países emergentes, em Brasília, onde foi recebido pela presidente Dilma Rousseff.
Desde sua chegada ao poder, o principal índice de ações local já se valorizou cerca de 20%, numa clara demonstração de que os investidores estão “comprando” o discurso oficial. Contribui para esse ganho de credibilidade, o fato de o Banco Central ser comandado pelo ex-economista-chefe do FMI Raghuram Rajan. “Existem grandes oportunidades para as empresas brasileiras na Índia”, afirma Leonardo Ananda, diretor-executivo da Câmara de Comércio Índia-Brasil. “É preciso que elas entendam que estamos em um ótimo momento para explorar este mercado.” Um acordo bilateral assinado em 2009 prevê preferências tarifárias para as exportações e importações de 450 itens.
Em 2013, o governo brasileiro abriu uma consulta pública para analisar novos produtos que poderiam integrar o acordo, mas a ampliação ainda não foi finalizada. Quem escolheu a Índia, no passado, hoje colhe os frutos da decisão. A fabricante de ônibus Marcopolo já instalou duas fábricas no país, em parceria com o gigante local Tata Group, e atualmente vende 14 mil ônibus por lá. “Estamos muito satisfeitos com a atuação no país”, diz Rubem Bisi, diretor de negócios internacionais da Marcopolo. Enquanto o mercado interno dá sinais de estagnação, a opção é pegar carona na pujança indiana.