08/04/2016 - 8:00
O escritor Cristovão Tezza, autor de obras de grande renome, como “O Filho Eterno” (Editora Record, 2007), atualmente em sua 17ª edição, foi abordado por uma funcionária da Amazon durante a Feira do Livro de Frankfurt, em 2013. Naquela edição do evento, um dos mais importantes da literatura mundial, o Brasil era convidado de honra e mandou uma delegação de mais de 70 autores. Acostumado ao assédio de editores e agentes literários, em um primeiro momento, Tezza não deu muita atenção para aquele contato.
O objetivo da Amazon, de Jeff Bezos, era traduzir algumas de suas obras para a língua inglesa. A maior varejista online do mundo possui uma editora própria, a AmazonCrossing, especializada em publicar versões de obras estrangeiras para o público anglo-saxão. Ela já é, com alguma folga, a maior tradutora de livros de ficção e poesia da Inglaterra (considerando apenas obras inéditas no país), segundo dados levantados pela Universidade de Rochester. Por tudo isso, Tezza acabou cedendo ao assédio e, no final de 2014, fechou acordo com a gigante americana.
A parceria rendeu bons frutos: um livro traduzido pela varejista eletrônica, intitulado “Breve Espaço”, e uma nova frente de publicação para o escritor, no caso, a plataforma de autopublicação. Outros autores também embarcaram nessa. No ano passado, foram dez, entre eles Luiz Ruffatto e Sérgio Rodrigues. Tezza é, hoje, um entusiasta desse modelo, embora o ache complementar ao trabalho tradicional das editoras. “Costumo publicar obras que não iriam para a minha editora (a Record), ou livros meus que já estão esgotados”, afirma o escritor.
Entre esses trabalhos estão sua tese de mestrado, ensaios diversos e até algumas histórias inéditas. São textos que, provavelmente, permaneceriam guardados, não fosse pela possibilidade do próprio autor se encarregar da publicação. “Às vezes as pessoas me pedem algum texto, aula ou discurso. Eu acabo juntando todos em um livro e jogando lá, a R$ 1,99”, diz Tezza, que é ganhador dos mais importantes prêmios de literatura em língua portuguesa, como o Jabuti e o Portugal Telecom (hoje, Oceanos).
Em média, diz ele, essas aventuras digitais rendem uma venda mensal de 30 livros. Pouco e insuficiente para garantir uma renda considerável ao autor. Para a Amazon, por outro lado, a venda de livros autopublicados já responde por 30% do faturamento no Brasil – a empresa não divulga dados de receita separados para o País. O bom desempenho da autopublicação vem sendo o grande alento da varejista no Brasil, ao menos no setor livreiro. A companhia é famosa por passar como um rolo compressor nos mercados em que atua. Por aqui, a história não vem se repetindo. A Amazon aportou no País em 2012, causando grande alvoroço no mercado editorial.
A expectativa era a de que ela conseguisse repetir a estratégia que adotou em outros países, oferecendo descontos irrecusáveis aos consumidores na venda de livros, físicos ou digitais, forçando as editoras a trabalharem com sua política de preços. A empresa, no entanto, teve dificuldade para fazer acordos com as editoras, que teriam conseguido negociar limites de descontos nos valores dos livros, de acordo com fontes ligadas ao mercado. Pesa contra a companhia americana, ainda, a baixa procura por livros digitais entre os leitores brasileiros. Segundo dados da Câmara Brasileira do Livro, o meio digital representa menos de 5% do total vendido, atualmente.
Dentro da Amazon, o negócio ainda é pequeno, mas nada desprezível. Cerca de 2,5% do faturamento de US$ 107 bilhões no ano passado veio dos livros digitais. Mas, longe da cifras, a autopublicação traz algumas vantagens, tanto para a Amazon quanto para os escritores. No caso da varejista, ela se livra da necessidade de negociar com as editoras, que já se mostraram reticentes quanto ao seu modelo de negócios. Para os autores, a divisão dos ganhos é muito mais vantajosa. Enquanto no modelo tradicional apenas 10% do preço de capa da publicação vai para o autor, a Amazon oferece até 75%.
E não há nenhuma interferência quanto ao que vai ser publicado. Essas facilidades atraíram, há três anos, outro nome de peso da literatura brasileira: Paulo Coelho, um dos autores em língua portuguesa mais vendidos da história. Coelho, é bem verdade, vem comprando o direito de suas obras há anos e distribuindo diretamente com os varejistas. Mas também já se encantou pela plataforma da Amazon e chegou a publicar livros exclusivamente na rede, como “O Livro dos Manuais”.
De acordo com o advogado Ronaldo Lemos, especializado em direitos autorais, conta a favor desse modelo o fato de que contratos entre escritores e editoras assinados antes da criação dos livros digitais não incluírem esse meio de publicação. Ou seja, obras anteriores a 2007, ano de lançamento do Kindle, leitor de livros digitais da Amazon, podem estar livres para a publicação digital. As aventuras da Amazon como editora no Brasil, por enquanto, devem se resumir aos livros autopublicados. Segundo Alexandre Munhoz, gerente de dispositivos Kindle, não há intenção de criar algo parecido com a AmazonCrossing. Entretanto, logo que desembarcou por aqui, a empresa chegou a manter contatos constantes não só com escritores, mas também com agentes literários.
“Quando eles entraram no mercado, na época da Feira de Frankfurt, nos falamos bastante, fiquei animada”, disse Lucia Riff, uma das principais agentes literárias do País, por trás de escritores como Lygia Fagundes Telles, Millôr Fernandes e Zuenir Ventura. “Depois, as pessoas foram mudando, acabei perdendo o contato.” A questão é o que o mercado não parece tão avesso assim à ideia. E tudo que a Amazon conseguiu até agora trabalhando com as editoras brasileiras foi uma participação marginal no mercado de livros digitais que, ainda por cima, caiu cerca de 9% no ano passado, segundo dados da E-bit, consultoria que monitora o comércio eletrônico.