Na quarta-feira 14, o mercado brasileiro de fast-food acordou com uma notícia que gerou comoção nas redes sociais. Após mais de 50 anos, o famoso milk-shake de Ovomaltine do Bob’s estava mudando de casa. O rival McDonald’s passava a deter os direitos exclusivos de uso da marca suíça de achocolatado, criada em 1904, que hoje pertence ao grupo britânico Associated British Foods (AB Foods). Nas redes sociais, a reação dos consumidores se assemelhava às intermináveis discussões sobre lealdade futebolística. Era como se Gabriel Jesus estivesse trocando o Palmeiras pelo Corinthians.

O McDonald’s lançou a campanha #finalmenteMc, anunciando a chegada do produto. O Bob’s revidou com uma bem humorada propaganda na qual chamava o produto do rival de “milk-fake”. Até o Burger King entrou na briga, afirmando que também oferecia Ovomaltine misturado com sorvete, porém não podia nomear o ingrediente. Mas, afinal, era só pelo Milk-shake? A resposta é não. A briga da sobremesa esconde uma disputa muito maior, envolvendo o mercado de alimentação fora de casa, que movimentou R$ 178 bilhões em 2015. O setor está cada vez mais acirrado e passa por um momento difícil em virtude de mudanças nos hábitos da clientela.

O Bob’s continuará a vender o seu tradicional Milk-shake, porém, não poderá usar o nome Ovomaltine – nos restaurantes, ele hoje é chamado de “crocante”. Ainda assim, a perda da marca representa um baque. Dados obtidos pela DINHEIRO com ex-diretores da rede apontam que essa linha de produtos chegou a representar 18% das vendas da companhia, que são estimadas em R$ 1,2 bilhão. A empresa alega, no entanto, que não renovar o contrato foi uma escolha própria. Em comunicado aos funcionários, ela apontou que, se tivesse aceitado os termos exigidos pela AB Foods, teria uma redução significativa das margens.

“Já havíamos retirado a marca da nossa comunicação há um ano”, afirma Marcello Farrel, diretor-geral do Bob’s no Brasil. De fato, ao contrário do rival, que criou um copo exclusivo para o produto, o milk-shake do Bob’s é vendido em um recipiente apenas com o logo da lanchonete. “Nossa aposta está em outros produtos. Criamos mais de dez opções, entre elas os shakes de doce de leite e o de açaí”, diz Farrel. A tática do McDonald’s é similar. Há algum tempo, a rede americana aposta em parcerias para a área de sobremesas. Antes da Ovomaltine, ela lançou uma linha com chocolates da Kopenhagen.

“Queremos que as pessoas voltem mais vezes às nossas lojas”, afirma João Branco, diretor de marketing da empresa no Brasil. “O consumidor está comendo menos fora de casa.” Segundo dados do Instituto Foodservice Brasil (IFB), o tráfego de pessoas nos restaurantes vem caindo desde o segundo trimestre do ano passado, passando de 3,84 bilhões de visitas para 3,65 bilhões. Segundo a Abrasel, associação que representa o setor, 2015 foi o pior ano em faturamento dos últimos 15. Soma-se a isso a entrada de novos competidores, casos dos americanos Wendy’s, que inaugurou sua primeira loja em julho na capital paulista, e Taco Bell. “As redes de menor custo é que concentram as maiores oportunidades”, afirma Alexandre Guerra, presidente do IFB.

No McDonald’s, a crise já se refletiu nos números. No segundo trimestre deste ano, a receita subiu timidamente, apenas 0,6%, para US$ 350 milhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) caiu 11%. Não chega a ser uma surpresa, portanto, que a companhia tenha tido um trabalho imenso para “roubar” o produto do rival. O plano exigiu a troca dos equipamentos das 1,3 mil lojas e quiosques da empresa no País. “Esperamos mudanças no ambiente econômico até o fim do ano e o retorno ao crescimento em 2017”, afirmou Sergio Alonso, presidente da Arcos Dourados, que administra o McDonald’s no País, em conferência com analistas no mês passado. A guerra do milk-shake, pelo jeito, foi apenas a primeira batalha.