Numa espécie de tática “rolo compressor”, a base governista no Congresso Nacional foi ao ataque e obteve quatro vitórias expressivas nas votações da PEC dos gastos. Foram duas na Câmara dos Deputados e duas no Senado Federal, todas com índices entre 65% e 75% dos votos possíveis (eram necessários 60%). “Em nenhum momento nós corremos o risco de não ter 49 votos”, disse Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, logo após a derradeira sessão, na terça-feira 13.

A Proposta de Emenda à Constituição, promulgada na quinta-feira 15, limita o crescimento dos gastos federais à inflação do ano anterior nos próximos 20 anos. Para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é uma mudança histórica. “É a primeira proposta de emenda constitucional controlando as despesas no Brasil desde a aprovação da Constituição em 1988”, disse Meirelles em entrevista à DINHEIRO. No Palácio do Planalto, o resultado foi comemorado como uma grande vitória, mas a conquista do campeonato fiscal só estará garantida se a reforma da Previdência Social for aprovada em 2017.

Apesar da PEC, o rombo fiscal herdado do governo Dilma Rousseff levará muitos anos para ser equacionado. A relação entre a dívida bruta e o PIB, atualmente em 70%, subirá para 85% em 2022, quando finalmente o governo voltará a registrar superávits primários, segundo cálculos de Paulo Springer, consultor legislativo do Senado. Como as despesas previdenciárias crescem 5% ao ano acima da inflação, a PEC dos gastos só será viável, na prática, se houver uma reforma geral do sistema de pensões e aposentadorias.

A proposta, cuja admissibilidade foi aprovada pela Câmara na quarta-feira 14, prevê idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, e uma regra geral para trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, além de regras de transição. O governo sabe que o jogo, a partir de agora, será ainda mais difícil, pois a população tende a rechaçar qualquer mudança na Previdência que resulte em perda de direitos. Exatamente por ser mais popular, o tema em questão dá espaço para opiniões populistas, que ignoram o tamanho do rombo potencial num país que está envelhecendo.

Uma amostra dos protestos violentos foi apresentada na semana passada, com depredações em Brasília e São Paulo, dentre outras cidades. Na capital federal, manifestantes com bandeiras de partidos de esquerda e de centrais sindicais atearam fogo em ônibus e promoveram baderna em frente ao Congresso Nacional. No centro financeiro de São Paulo, jovens mascarados convocados pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular depredaram o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Em nota, a entidade lamentou que “uma minoria violenta ainda acredite que a depredação seja uma maneira razoável de manifestar posições política ou ideológicas. Vandalismo é crime”. Embora as pesquisas de opinião indiquem oposição da população às reformas estruturais, os parlamentares sabem que a retomada do crescimento econômico depende dessas mudanças. Líder do governo na Câmara, o deputado André Moura (PSC-SE) avalia que o êxito na votação da PEC dos gastos, em meio a turbulências, reforça a perspectiva de que a reforma da Previdência possa ser aprovada pelos deputados até o final do primeiro semestre.

“Estamos muito conscientes da nossa missão e vamos enfrentar a oposição, que também cumprirá o seu papel”, diz à DINHEIRO o deputado Moura, que tem mantido encontros diários com Meirelles. “A Previdência, dada a sua complexidade, é a grande batalha de 2017.” O parlamentar garante que haverá muito diálogo, mas nega que a proposta do governo contenha propositalmente excessos que serão negociados. “Não tem margem nem gordura, mas tem diálogo”, diz o parlamentar.

Se as ruas apresentam um olhar ressabiado em relação às propostas formuladas em Brasília, os empresários, por outro lado, garantem apoio explícito ao governo. “É o único caminho”, afirma José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors e da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa). “O maior problema do País hoje é, sem dúvida nenhuma, político. Essa incerteza reduz investimento e consumo.” Em 2016, as vendas de carros importados registram queda de 40%.

Outro setor que está sofrendo uma retração de quase 30% nas vendas, neste ano, é o de motocicletas. Para 2017, a projeção é de uma estabilidade no mercado. “O ponto de partida da recuperação é político”, afirma Marcos Fermanian, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas (Abraciclo). Protagonista da cena política nas últimas semanas, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que deixará o cargo após o recesso parlamentar, está aliviado. “Óbvio que essa PEC (dos gastos) por si só não vai tirar o país da crise”, diz Calheiros. “Mas foi uma grande vitória para o País.”