01/05/2014 - 19:00
A relação entre a gestora de private equity GP Investments e um de seus acionistas minoritários, o fundo de origem russa NCH Capital, com US$ 3 bilhões em ativos, lembra um intrincado jogo de xadrez. Os primeiros lances foram realizados na teleconferência de resultados em abril de 2013. Na ocasião, o executivo americano James Gulbrandsen, sócio da NCH, questionou o pagamento de R$ 7,9 milhões de bônus a executivos da GP. O motivo: a gestora havia lucrado apenas R$ 19,8 milhões em 2012, após registrar um prejuízo de R$ 364 milhões em 2011 (em 2013, o prejuízo seria de R$ 175,3 milhões).
Fersen Lambranho, copresidente da GP ao lado de Antonio Bonchristiano, explicou que a remuneração estava atrelada ao desempenho dos fundos e ainda não havia sido paga. “Só pagamos quando realizamos o investimento”, afirmou Lambranho, na época. Gulbrandsen contra-atacou, sugerindo a suspensão do pagamento do bônus até que o preço das ações refletisse o valor dos ativos da gestora. Naquela época, as ações estavam cotadas em cerca de 70% do seu valor patrimonial. O desconto havia feito a GP lançar, três meses antes, no início do ano passado, um programa de recompra dos próprios papéis. Até março deste ano, haviam sido recomprados 13% do capital social.
Mesmo assim, as cotações caíram 23,7% nos 12 meses até a terça-feira 29, enquanto o Ibovespa recuou 7,3%. Atualmente, os papéis são negociados por 53% de seu valor patrimonial. “Eles sempre falam que é investimento de longo prazo, mas faz oito anos que abriram capital e até hoje não vimos o dinheiro”, disse Gulbrandsen à DINHEIRO. “Penso nos cotistas dos meus fundos e tenho certeza que outros minoritários também estão chateados.” Algo incomum no xadrez, um dos peões está tentando colocar em xeque a estratégia da dupla que comanda a GP. Se a gestora não remunerar melhor seus investidores, diz Gulbrandsen, a NCH pretende convocar uma assembleia para eleger novos conselheiros independentes.
Representantes dos acionistas, os conselheiros chancelam atos da empresa, como a divisão de recursos entre os dividendos dos investidores e os salários e bônus aos executivos. Enquanto prepara seu ataque, o fundo de origem russa está acumulando munição, comprando mais e mais ações da GP. Desde março, adquiriu um milhão de papéis. Investir em uma empresa que se critica pode parecer contraditório, mas Gulbrandsen é o primeiro a elogiar a companhia. “A gestão de ativos é excelente”, diz ele. Além disso, nas empresas abertas, mais ações significam mais poder. Por lei, acionistas com pelo menos 5% do capital social têm o direito de convocar assembleias para discutir qualquer assunto.
O americano diz deter 4% do capital social da GP, que contesta esse número, afirmando que a participação dele é de apenas 0,92%. Atualmente, o conselho da GP conta com sete participantes. Além de Lambranho e Bonchristiano, participam o diretor-financeiro Álvaro Lopes e o CEO da Magnesita, Octavio Pereira Lopes. Diferentemente de muitos conselhos que só abrigam amigos da casa, na GP os conselheiros ostentam currículos respeitáveis. Os independentes são Roger Leeds, professor da Universidade Johns Hopkins e da Wharton School; Michael Calvey, fundador do fundo de private equity Baring Vostok; e Alfred Vinton, ex-presidente do conselho de administração do fundo de private equity Electra Partners.
Para substituí-los, Gulbrandsen terá mais um obstáculo: todos os nomes precisam passar pelo crivo do Comitê de Indicação e Compensação da GP. Esse comitê tem três participantes: Leeds, Calvey e Vinton. “Estou confiante de que outros acionistas vão trabalhar conosco para escolher conselheiros que vão defender nossos interesses”, diz o americano. A GP Investments foi criada em 1993 pelos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O trio sairia nove anos depois para montar a 3G Capital e comprar gigantes como Burger King e Heinz. Em seus 21 anos, a GP captou US$ 5 bilhões e investiu em 53 empresas de 15 setores diferentes.
No ano passado, seu patrimônio líquido caiu para US$ 443 milhões, uma baixa de 16,1% em relação a 2012, resultado, segundo a companhia, da forte depreciação do real e do mau desempenho das ações em carteira. A estratégia da casa é comprar a totalidade ou uma grande parte do controle das companhias investidas. Algumas tacadas deram grandes lucros, caso da rede de churrascarias Fogo de Chão. Outras, como a empresa de implantes dentários Imbra e o parque de diversões Hopi Hari, revelaram-se fiascos e foram revendidas por centavos. Quando abriu seu capital, em 2006, o chamariz da GP foi colocar o faro de Fersen e Bonchristiano, originários do time de Lemann, à disposição de qualquer investidor.
No entanto, desde então, os Brazilian Depositary Receipts (BDR) se desvalorizaram 50,3% em dólares, derrubando seu valor de mercado para US$ 246 milhões. Nesse período, a GP pagou dividendos uma vez, distribuindo R$ 0,44492 por BDR em abril de 2007, e realizou duas bonificações. Pagou 0,046336 de ação para cada BDR em abril de 2008 e, em abril de 2010, distribuiu 0,040325 de novos papéis por ação. Na teleconferência do ano passado, Lambranho afirmou que, se o total de ativos sob gestão aumentasse, os investidores pagariam mais taxas de administração referentes aos fundos e haveria mais lucros, supondo-se que a assembleia exigisse que a GP voltasse a pagar dividendos.
“Mas não nos compare com empresas que distribuem dividendos a cada seis meses”, pediu Lambranho aos investidores, na ocasião. E se a comparação fosse com a gestora de private equity Tarpon, que também é listada em bolsa? Desde o seu IPO, ela, que tem participação em empresas como Cremer e BRF, registrou prejuízo apenas em 2008 e, desde então, distribui proventos anualmente. Independentemente dos questionamentos da NCH, fato é que os números da GP não condizem com uma equipe que é considerada uma das melhores da indústria de private equity. Como explicar isso? Entre as hipóteses que circulam pelo mercado está o fato de a gestora querer impor a qualquer custo seus valores nas empresas em que investe, sem respeitar sua cultura.
“Quando a GP foi criada, Jorge Paulo Lemann e seus sócios queriam unir meritocracia e boa remuneração, mas, desde a saída deles, essa conexão se perdeu e agora a companhia tenta impor tudo a qualquer preço”, afirma um executivo que conhece de perto a GP. Outra explicação são algumas decisões equivocadas. “Os retornos estão aquém do esperado, principalmente por causa de companhias como San Antonio, Lupatech e Imbra, cujos investimentos afastaram a GP das primeiras colocações entre os private equities”, afirma um gestor. Para outro especialista, o motivo é uma natural demora na maturação das empresas. “A Gafisa ficou na carteira da GP por 12 anos e, nos primeiros sete, parecia que ia dar um enorme prejuízo, mas ocorreu justamente o contrário.”
Procurados, executivos da GP não quiseram dar entrevista. Qual deve ser o futuro da GP? Em uma apresentação a investidores no início de abril, Lambranho garantiu que as perspectivas são positivas. Isso porque, segundo ele, a GP não segue uma receita de bolo, como outras gestoras que elegem um ou outro setor da economia. “Temos 20 anos de mercado e fizemos operações importantes com empresas para as quais ninguém estava olhando”, disse ele. Para Lambranho, não existem bons ou maus momentos para a indústria de private equity no Brasil. “Os fundos só passam a ser possibilidade com a morte do patriarca ou uma disputa pelo controle das empresas familiares. Sempre foi assim, por isso já estamos pensando nas decisões do ano que vem.”