12/07/2016 - 17:30
O centro de testes da GE Aviation, divisão aeronáutica da gigante americana, está localizado em uma área de 2,8 milhões de hectares próxima ao vilarejo de Peebles, em Ohio, nos Estados Unidos. “Somos um vizinho barulhento”, afirma Brian Debruin, engenheiro líder da unidade, justificando a necessidade de espaço. De fato, o centro foi construído no meio do nada. A vizinhança é formada majoritariamente por mata nativa e animais silvestres, como os diversos perus selvagens que às vezes invadem as instalações.
É nesse ambiente bucólico que cerca de 300 profissionais, entre técnicos e engenheiros, fazem peripécias para provocar danos aos produtos desenvolvidos pela companhia. Pedras, gelo e até aves (já devidamente abatidas) são atiradas contra as turbinas em funcionamento. Pequenas explosões soltam as pás que movem o ar, tudo para verificar quanta pancada os motores aguentam. Nos últimos dois anos, a equipe de Debruin tem se divertido com uma série de novidades que chega da fábrica da CFM, uma joint venture entre a GE e a francesa Safran, localizada a cerca de uma hora e meia de carro dali, na cidade de Cincinnati.
Trata-se de uma geração de motores que promete revolucionar não só o mercado de turbinas para aviação, mas também a indústria de forma geral. O expoente dessa transformação atende pelo nome de Leap. O motor vai equipar os modelos A320neo, da Airbus, e 737 Max, da Boeing, as novas versões dos aviões que mais carregam passageiros no mundo (no caso do Airbus, ele concorre com o PW1100G, da também americana Pratt & Whitney, como uma das opções de propulsão). Debruin e sua turma tiveram o privilégio de testar 60 motores antes da certificação, concedida recentemente.
As primeiras unidades do Leap devem entrar em serviço no final deste mês, trazendo inovações que representam um voo para o futuro em termos de engenharia e produção. Entre elas, o uso de peças fabricadas em impressoras 3D. Dá para resumir o que isso significa para a indústria em duas frases: economia de combustível e simplificação do processo de produção. A peça em questão não é periférica. Trata-se dos injetores de combustível do Leap, componente crucial para o funcionamento do motor, que serão produzidos na cidade de Auburn, no Estado do Alabama, onde está localizada uma fábrica da GE totalmente dedicada à manufatura aditiva.
Popularmente conhecida como impressão 3D, esse modelo de fabricação propõe a produção por meio da adição de materiais pouco a pouco, ao contrário dos métodos tradicionais de desgaste e moldagem das matérias-primas. Cada turbina leva quase duas dezenas desses injetores. A expectativa é de uma demanda de 40 mil peças, anualmente. A versão anterior do injetor de combustível era composta por 23 partes unidas. Agora, é feita de uma vez só, o que a torna muito mais leve. Leveza, por sinal, é o que a GE busca. A outra inovação que estará presente no Leap é o uso dos chamados materiais compostos, como cerâmica.
Eles trazem duas grandes vantagens: pesam menos e são feitos a partir da sílica, matéria-prima facilmente produzida e de preço baixo e estável, ao contrário dos metais, que dependem da mineração e cujos valores oscilam conforme a demanda pelas commodities. O novo motor traz componentes feitos de CMC (ceramic matrix composite) em sua parte “quente”, ou seja, no interior da turbina. Eles precisam ser capazes de aguentar temperaturas de alguns milhares de graus (o valor exato não é revelado por ser considerada uma questão estratégica na indústria).
O menor peso das turbinas, diz a sua fabricante, garante uma economia de até 15% no consumo de combustível, algo que soa como música para os ouvidos dos executivos das companhias aéreas, que têm no derivado do petróleo quase metade dos seus custos de operação. Adicionalmente, a leveza reduz o barulho das turbinas, permitindo maior conforto nas aeronaves e voos em áreas urbanas sem levar multas. Até pouco tempo, a impressão 3D estava restrita à área de prototipagem, usando, primariamente, plásticos.
“Foi assim que começamos a mexer com essa tecnologia, em 1998”, afirma Greg Morris, fundador da Morris Technology, empresa precursora na área, que acabou comprada pela GE em 2012. “Achamos que ficaríamos nos protótipos, mas logo os engenheiros começaram a demandar cada vez mais peças funcionais.” Morris hoje está à frente do que está sendo considerada a primeira fábrica de manufatura aditiva de uma grande cadeia de produção. Segundo ele, a quebra de paradigma para a impressão 3D aconteceu em 2008, quando a Morris Technology e outras companhias do segmento começaram a testar o uso de materiais como a liga de cobalto cromo e o titânio.
Melhorias nas máquinas e na qualidade das matérias-primas possibilitaram o uso desse tipo de manufatura em larga escala, o que tem gerado desafios para os engenheiros. Dentro da GE, inclusive, fala-se sobre um conflito de gerações causado pela tecnologia. Isso porque o modo de pensar o desenvolvimento dos componentes é diferente, quando se retira as barreiras colocadas pelo processo produtivo. “Vamos começar a ver designs parecidos com o que encontramos na natureza, como as raízes das árvores”, afirma Morris.
Para David Joyce, CEO da GE Aviation, o que está acontecendo é um grande processo de simplificação da produção. “Temos casos em que 289 componentes serão reduzidos para apenas um”, afirma o executivo. Segundo ele, as mudanças no processo produtivo serão profundas. Diversas máquinas de solda, de corte, prensas, entre outras, acabarão substituídas por impressoras 3D. “A forma como pensamos toda a operação está mudando completamente”, diz Joyce.
Um relatório feito pela Wohlers Associates, consultoria especializada em impressão 3D, mostra que o crescimento do modelo já é nítido. No ano passado, foram comercializadas 808 máquinas de manufatura aditiva, ante 505 em 2014 e 353 em 2013. Segundo Terry Wohlers, fundador da consultoria, o número é relevante por se tratar de equipamentos que chegam a custar centenas de milhares de dólares. Ao todo, ele calcula que esse setor movimente mais de US$ 5 bilhões. Nos últimos dois anos, houve um crescimento superior a US$ 1 bilhão anual.
Mas há por trás dessa corrida tecnológica uma disputa acirrada por um mercado de cerca de US$ 500 bilhões na próxima década, segundo a empresa de pesquisas americana Teal Group. O cálculo é feito a partir da previsão de entrega de 35 mil jatos comerciais, até 2035, negócios que devem movimentar US$ 2,3 trilhões no período. Os modelos chamados single-aisle, como o A320 e o 737, representam mais de 70% do total, em unidades. É justamente nesse segmento que se dá a maior disputa da história dos motores aeronáuticos, segundo analistas de mercado, entre a GE e sua concorrente Pratt & Witthney.
A fabricante vem causando furor no mercado com seu motor PurePower Geared Turbofan. Assim como o Leap, ele promete menos consumo (redução de 16%), menos barulho e mais lucros para as companhias aéreas. A grande inovação da Pratt é uma espécie de caixa de marchas que permite controlar a rotação das hélices. Um motor a turbina é composto, basicamente, de duas delas. A maior, na parte exterior, puxa o ar para dentro do sistema, onde uma segunda hélice gera a energia necessária para o seu funcionamento.
Fazer com que a primeira hélice gire mais lentamente do que a segunda é um sonho antigo dos engenheiros, que nunca tinha sido concretizado. Até o pessoal da Pratt resolver a equação com um complexo componente inspirado em turbinas de helicópteros e motores turbo hélice. A empresa levou 30 anos para desenvolver a tecnologia, tendo investido US$ 10 bilhões no processo. “É a antítese do Vale do Silício”, disse à revista Businessweek Alan Epstein, ex-professor do MIT, principal escola de engenharia americana, e atual vice-presidente de tecnologia da Pratt & Whitney.
O projeto recolocou a fabricante no mercado de jatos comerciais, setor que ela já havia liderado em décadas passadas, mas perdeu espaço para a GE e a britânica Rolls-Royce, caindo para a terceira posição. Apesar do seu motor não servir no 737, por ser grande demais, a companhia disputa ombro a ombro com a CFM, fabricante do Leap, as encomendas para o Airbus (54% a 46% a favor do Leap). A Pratt & Whitney também vai equipar as novas gerações de jatos menores, como a série C, da canadense Bombardier, e os E2, da brasileira Embraer. Quando duas gigantes resolvem bater de frente, o resultado é esse: uma mudança geral na indústria.