16/10/2015 - 21:36
Um dos pilares da física moderna, a equação E=mc2 ficou famosa e ultrapassou as fronteiras do conhecimento científico. Proposta pelo cientista Albert Enstein, o pai da teoria da relatividade, a fórmula é um enigma para a maioria das pessoas, que seriam incapazes de explicar o seu significado. Na segunda-feira 12, essa mesma sopa de letras voltou a ficar sob os holofotes. Dessa vez, porém, através do maior negócio da história do setor de tecnologia. Em um acordo de US$ 67 bilhões, a americana Dell comprou sua compatriota EMC, uma gigante do setor, a despeito de grande parte dos pobres mortais não compreender exatamente o que a empresa oferece.
Mesmo sabendo que o mundo dos negócios está longe de ser uma ciência exata, a sigla traduz a mais nova fórmula do empresário Michael Dell para revitalizar a empresa que leva o seu sobrenome e foi quase sinônimo de computador pessoal. Com a aquisição, a Dell passará a contar com um leque de ofertas capaz de atender o mercado corporativo de ponta a ponta – dos PCs aos serviços de tecnologia, passando por sistemas em áreas como segurança, redes e big data. Seu objetivo? Competir cabeça a cabeça com IBM e HP, dois ícones da computação, que trilharam esse caminho há muito mais tempo.
“Vamos combinar os portfólios complementares de duas das maiores franquias dessa indústria”, disse Dell, em conferência com analistas sobre a aquisição. O CEO e presidente do conselho da EMC, Joe Tucci, destacou que o acordo cria uma empresa de mais de US$ 80 bilhões em receitas. “Passamos a ter uma posição de liderança em algumas das áreas de mais alto crescimento da nova era da tecnologia”, afirmou Tucci. Sob o comando da nova companhia, Michael Dell tem pela frente a possibilidade de concretizar uma transformação iniciada há cerca de sete anos.
Na época, a Dell começou a acusar o golpe frente à desaceleração e às margens apertadas do mercado de PCs, onde reinava absoluta. A perda de liderança na categoria, para a HP, reforçou esse cenário crítico. A companhia começou, então, a investir na ampliação de seu portfólio, rumo às ofertas de software e serviços, especialmente com aquisições, como a Perot System, comprada por US$ 3,9 bilhões, em 2009 (veja trajetória da Dell abaixo). Os esforços, no entanto, surtiram pouco efeito. Diante da pressão crescente a cada trimestre, a Dell fechou capital no fim de 2013, em um acordo de US$ 25 bilhões. Com a EMC, a Dell vai além dos PCs e servidores para o mercado corporativo.
Uma dessas frentes são os equipamentos, softwares e serviços de armazenamento de dados, mercado pelo qual a EMC construiu seu nome no setor. O analista da consultoria americana MorningStar, Peter Wahlstrom, aponta outro componente. “A Dell vai se beneficiar da forte presença da EMC no mercado de grandes clientes”, escreveu Wahlstrom, em um relatório. Na visão de analistas, no entanto, uma das grandes vedetes do acordo é a VMware, empresa na qual a EMC detém 80% de participação acionária e que permanecerá listada em bolsa. Companhia de software e de serviços, a VMware é o maior ícone da virtualização, algo tão difícil de explicar como a teoria da relatividade de Einstein. De forma resumida, a virtualização permite criar máquinas virtuais dentro de um único equipamento.
Uma companhia com um parque de 100 servidores físicos, por exemplo, pode consolidar essa estrutura em apenas 10 equipamentos, economizando espaço físico e energia, além de reduzir a necessidade de investir em equipamentos que, na maior parte do tempo, ficam ociosos. Com picos sazonais de aumento de demanda por processamento, em virtude de datas como as festas de fim de ano, o varejo é um dos setores que usualmente adotam esses sistemas. Entendeu? À parte de questões técnicas, a virtualização é uma das principais tecnologias no guarda-chuva da computação em nuvem, outra tendência do setor de tecnologia e um terreno ainda pouco explorado pela Dell.
“A tecnologia está sendo impulsionada para a computação em nuvem e a Dell precisava se adaptar a esse novo mundo para sobreviver”, escreveu o analista Andrew Steele, da consultoria americana Zacks Investment Research, em um relatório. Ele destacou nomes como Amazon e Google como as empresas que estão liderando a oferta de infraestrutura na nuvem para o mercado corporativo. Em um primeiro momento, é provável que a Dell não faça frente à IBM e à HP, que possuem ofertas de serviços mais sofisticados, acredita Ivair Rodrigues, analista da consultoria brasileira de tecnologia IT Data.
“Mas com a EMC, a Dell está dizendo que quer entrar nessa brincadeira”, diz Rodrigues. “E a empresa tem todas as condições de ser bastante perigosa e competitiva em médio prazo.” Ameaça potencial ou não, o fato é que o acordo motivou um comunicado de Meg Whitman, CEO da HP. A executiva ressaltou justamente o desafio de integração de duas operações do porte da Dell e da EMC. “Esta é uma oportunidade real para a HP”, afirmou ela. “O peso da dívida que estão assumindo vai reduzir radicalmente a pesquisa e desenvolvimento, e a integração vai criar inevitavelmente perturbações.”
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Batalha local
A união de Dell e EMC deve formar uma empresa com receitas de US$ 1,2 bilhão no mercado brasileiro, de acordo com estimativas de analistas. Com isso, a nova empresa aproxima-se de IBM e HP, ambas com faturamento na casa dos US$ 2 bilhões. A subsidiária brasileira da Dell é uma das dez maiores operações globais. Sua sede fica em Eldorado do Sul (RS), mas a companhia montou um laboratório de pesquisa e desenvolvimento, em Porto Alegre. No escritório de São Paulo, a Dell inaugurou em 2014 um centro de demonstrações e testes de soluções para clientes corporativos. O Brasil foi também o primeiro país onde a Dell investiu na fabricação própria de tablets. A fábrica localizada em Hortolândia (SP) produz ainda PCs e servidores.
A EMC, por sua vez, também aposta na produção local de seus equipamentos de armazenamento. Eles são feitos na fábrica da Foxconn, a mesma que faz o iPhone, da Apple, em Jundiaí (SP). Sob o comando de Carlos Cunha, a empresa fez investimentos de US$ 100 milhões. Com o aporte, a EMC criou um centro de pesquisas e desenvolvimento especializado em big data. Localizada no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a unidade já produziu patentes locais e liderou a criação de soluções que foram adotadas posteriormente pela operação global. “O mercado está aberto e Dell e EMC têm todo o potencial para ocupar um lugar de destaque nessa frente”, diz Pietro Delai, gerente de pesquisas da consultoria americana de tecnologia IDC.
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Gente grande
Saiba quais as armas dos principais rivais da Dell em sua nova fase corporativa:
IBM
Entre as rivais da Dell, a “Big Blue” foi a primeira que procurou reduzir a dependência dos PCs ao buscar uma oferta mais ampla para o mercado empresarial. Esse caminho ganhou força com a venda da área de computadores para a chinesa Lenovo, em 2005. Desde então, a IBM, liderada por Ginny Rometty vem investindo em aquisições nas áreas de software e de serviços, especialmente em setores como nuvem, big data e mobilidade. Os resultados, no entanto, ainda sofrem os impactos dessa transição.
HP
A HP seguiu a mesma estratégia da IBM. Mas nesse percurso, a desaceleração nas vendas no mercado de PCs não foi o único percalço. A empresa enfrentou desafios adicionais como trocas de CEO e aquisições malsucedidas. Sob o comando de Meg Whitman, a companhia americana está seguindo agora um caminho oposto ao da Dell. Em novembro, a HP será dividida em duas operações independentes, listadas em bolsa, sendo uma delas voltada ao mercado corporativo. A ideia é simplificar os negócios para retomar o prumo.