06/05/2016 - 20:00
O executivo Marcelo Castelli, CEO da gigante de celulose Fibria, costuma fazer um exercício estressante, mas necessário, para comandar a companhia. Mesmo quando tudo está correndo bem, ele e sua equipe traçam os mais variados cenários, desde os que simulam uma catástrofe até os mais amenos, para ver como a empresa se sairia em cada caso. São postos na mesa problemas gerados por mudanças climáticas e mudanças sociais, reviravoltas políticas e econômicas, queda de preços nos mercados internacionais… “Preocupamo-nos constantemente.
Friso isso porque quem cruzou uma jornada no deserto, como a que cruzamos, não pode relaxar nunca. Descansar sim, relaxar jamais”, diz Castelli, recordando do tempo em que a Fibria “vendia o almoço para pagar o jantar”, em 2009, quando foi criada a partir da fusão entre a Aracruz e a VCP. Hoje, dona de um faturamento de R$ 10,1 bilhões, em 2015, e de fundamentos econômicos sólidos, a empresa se permite buscar novos caminhos que vão além da celulose – até agora o único produto fabricado pela empresa.
Com a ajuda de um comitê de inovação, a companhia se prepara para vender produtos como fibra de carbono usada em carros e em aviões, componentes para próteses cirúrgicas e bio-óleo para o mercado americano. “É o que chamamos de Fibria 2020/2025. Vamos continuar crescendo em celulose, estamos abertos à consolidação, mas, com o tempo, vamos incorporar novos negócios que representarão 25% das receitas da empresa até 2025”, diz Castelli à DINHEIRO. “Não é um sonho pequeno e não estamos entrando em nada que não tenha grande potencial.”
A estratégia parece óbvia, mas poucas empresas no universo da celulose estão botando em prática: aproveitar 100% da floresta plantada para gerar novos produtos. “A nossa ideia é tirar o máximo de valor por hectare”, diz Vinícius Nonino, diretor de novos negócios da companhia. Mais do que isso, a meta é reduzir sua dependência da celulose, uma commodity com preço muito sensível aos mercados, diretamente ligada ao sobe-e-desce do dólar. E, a julgar pelos projetos que estão sendo coordenados pelos mais de 40 cientistas que trabalham nos centros de pesquisas da Fibria, em Jacareí (SP) e em Aracruz (ES), é como se uma nova empresa estivesse nascendo, com reais chances de engolir a criadora, pelo menos em faturamento.
São inovações tecnológicas como as geradas a partir da lignina, uma biomassa extraída da madeira no processo de fabricação da celulose. Hoje, ela é queimada para gerar 100% da energia usada nas três plantas industriais da empresa. Mas a ideia é criar subprodutos como resina para colar painéis de madeira; carvão ativado, que é utilizado em filtros de água e catalisador de carros; e, também, fibra de carbono. Estima-se que, em uma década, este tipo de fibra sustentável, 50% mais barata do que a convencional derivada de petróleo, estará disponível no mercado e poderá ser usada na indústria aeronáutica e nos chassis de carros, invadindo o bilionário setor automobilístico.
“Hoje, na Nascar, já existem carros de corrida que usam fibra de carbono extraída da madeira”, diz Castelli. Ainda estão em desenvolvimento a celulose nanofibrilar e a nanocelulose cristalina. A primeira pode ser usada como fluidificante para perfuração de campos petrolíferos e também tem utilidade como película protetora de embalagens de alimentos. A segunda encontra mercado como base para próteses médicas. Para entender o potencial dessa tecnologia, basta ver o preço do produto.
Enquanto a tonelada de celulose está cotada em cerca de US$ 500, a da nanocelulose cristalina sai por quase US$ 12 mil. “Temos um comitê de inovação que funciona como um funil”, diz Fernando Bertolucci, diretor de inovação da Fibria. “Temos 377 ideias geradas, 144 priorizadas e 38 projetos em andamento.” Dentre todos eles, porém, o mais importante é o do bio-óleo, usado no aquecimento de caldeiras industriais e, sobretudo, no processamento de petróleo para produzir gasolina e diesel. Em 2012, a Fibria pagou US$ 20 milhões para se tornar sócia da Ensyn, empresa americana que detém a tecnologia para a fabricação de bio-óleo.
Em 2014, a companhia brasileira fez um aporte de US$ 10 milhões e, no ano passado, colocou mais US$ 5 milhões na operação. Isso fez com que a Fibria se tornasse dona de 12,6% da Ensyn, que tem entre seus sócios a petrolífera Chevron e o banco Credit Suisse. Mais do que uma posição estratégica no mercado americano, a aquisição garantiu o acesso à tecnologia, tornando a Fibria a detentora exclusiva desse processo de fabricação de bio-óleo no País.
O plano é construir uma unidade no Brasil, orçada em R$ 400 milhões, com capacidade para produzir 22 milhões de galões por ano. E quase 100% da produção seria exportada para os Estados Unidos, ávido por esse tipo de combustível renovável. “O mercado americano tem potencial para receber 250 unidades como a que planejamos construir por aqui”, diz Nonino. O potencial de negócios que se abre para a Fibria é gigantesco. “Estamos falando de bilhões de dólares”, afirma. O executivo baseia suas projeções em uma política de incentivo a combustíveis renováveis, criada pelo governo americano.
Trata-se do Renewable Fuels Standard Program (RFS) que, em 2005, entrou em vigência no mercado estabelecendo a substituição de 2,78% da gasolina comercializada por biocombustíveis. A ação visava diminuir a importação de petróleo por parte do país. Em 2007, o programa foi aumentado e batizado de RFS2. Na época, ficou estabelecido que o volume de biocombustíveis usados em veículos de transporte nos Estados Unidos passasse de 9 bilhões de galões, em 2008, para 36 bilhões de galões, em 2022, o que representará 7% do consumo nacional de combustível. Detalhe: para cada galão de biocombustível usado, a refinaria ganha US$ 3 em incentivos fiscais.
SINERGIAS Os executivos da Fibria enxergam uma oportunidade única nesse negócio porque, além de criar novas receitas, eles também aproveitam todas as sinergias. Cerca de 70% da madeira usada no processo de fabricação da celulose pode ser aproveitada na produção de bio-óleo. O que isso significa? Com a mesma madeira usada para fazer 100 mil toneladas de celulose, a empresa consegue produzir cerca de 30 milhões de galões de 3,78 litros de bio-óleo. A exportação também é uma questão tratada com naturalidade dentro da empresa.
Afinal, a Fibria opera em mais de 60 portos ao redor do mundo e 90% de sua produção de 5,3 milhões de toneladas de celulose é vendida para o exterior. Outro ponto fundamental no processo de fabricação do bio-óleo é a produtividade de seus 568 mil hectares de eucaliptos. Enquanto na Europa o ciclo do eucalipto é de 40 anos, por aqui é de seis anos. Mais: na década de 70, extraía-se seis toneladas por hectare e hoje, devido a vultosos investimentos em melhoramento genético, já se consegue 10,9 toneladas por hectare.
“Em 2025, pretendemos chegar a 15 toneladas por hectare”, diz Bertolucci. O mercado costuma comprar as promessas da companhia. “Eles são o estado da arte na parte industrial. É uma empresa que ganha dinheiro e não se esquece da modernização”, diz Flávio Conde, analista da consultoria WhatsCall. A constante transformação da companhia está baseada em um tripé desenhado pelo seu centro de tecnologia. As três frentes são a radial, que visa saltos no negócio atual num prazo de cinco anos; a incremental, que consiste em melhorias contínuas em processos que já existem; e a disruptiva, que aposta na criação de novos produtos e serviços tecnológicos.
Quando não desenvolve a tecnologia internamente, a companhia faz aquisições. Foi o que aconteceu no caso da americana Ensyn e também da Lignol, hoje batizada de Fibria Inovations, uma empresa canadense, comprada em 2015, que estava em processo de recuperação judicial, mas detinha patentes de produtos à base de lignina. “Avançamos 15 anos nessa frente”, diz Castelli. A estratégia é bem-vista por especialistas. “As grandes empresas estão começando a perceber que inovação é a chave para sobreviver”, diz Vivek Wadhwa, diretor de um centro de estudos da Duke University, conselheiro da Singularity University e um dos 40 mais influentes no mundo da tecnologia de acordo com a lista Tech 40, da revista americana Time.
Mas o desafio é grande. “Muitas companhias não sabem fazer isso, pois têm uma hierarquia engessada. Hoje, todos os departamentos precisam estar empenhados em inovar.” Wadhwa ainda diz que o modelo ideal é um mix de buscar novas tecnologias fora, fazendo aquisições, e estimular o desenvolvimento dentro da empresa. Falar de inovação e de novos negócios, nos dias de hoje, parece fácil. Mas quem conhece o passado da empresa sabe que, para chegar ao patamar que se encontra hoje, foi preciso um esforço hercúleo.
A Fibria nasceu quando a Aracruz e a VCP Celulose, do grupo Votorantim, se uniram para criar uma gigante global de papel e celulose. No meio do caminho, porém, surgiu a crise financeira de 2008, que impôs uma perda de US$ 2,1 bilhões em derivativos para a Aracruz. A Fibria, portanto, foi criada com um passivo colossal, no meio de uma crise mundial, com a missão de lidar com os credores e integrar duas culturas empresariais diferentes. Nos tempos mais difíceis, a dívida líquida representava 7,2 vezes a geração de caixa medida pelo Ebitda.
“Eu usava snorkel para respirar porque a água já havia subido”, diz Castelli. “A nossa preocupação era a de que a gente trabalhava e, por fatores externos, algo nos fazia voltar. Era a sensação de enxugar gelo.” O que fazia Castelli acreditar no projeto era a economia que seria gerada a partir de sinergias envolvidas, da ordem de R$ 4,5 bilhões. Esse tipo de história de superação empresarial geralmente é retratada como um ato heroico de um executivo que, contra todos os prognósticos, conseguiu reverter um cenário de terra arrasada.
Castelli, porém, não esconde as dificuldades e as noites mal dormidas no processo de renascimento da empresa. “Antes de dormir, eu pensava, ‘poxa vida, o trimestre vai fechar, o que vai acontecer?’.” Ele também relembra o esforço que, ao lado de seus executivos, fazia para não transparecer o cansaço, o estresse e o desânimo. “Quase não tínhamos o direito de sermos seres humanos, porque aí o barco afundava. Então havia um trabalho de automotivação e de motivação da equipe.” Quando desabava, diz o executivo, fazia isso em casa, sozinho.
Nesse processo de resgate da Fibria, teve de demitir muita gente, muitos dos quais seus amigos, pois ele havia trabalhado tanto na Aracruz como na VCP. “Mas tive de ser racional, pragmático, e fazer o que precisava ser feito. É a vida como ela é, e não é fácil para ninguém.” No começo, ele admite, com muita sinceridade, não conseguiu cuidar das pessoas, integrar as culturas, porque precisava salvar a companhia. E, junto com o time que acreditou no projetos, depois de varar muitas madrugadas, salvou. As sinergias capturadas ultrapassaram
R$ 5,2 bilhões, a relação dívida líquida e Ebitda alcançou 1,78 vezes e agora há dinheiro em caixa para desenhar o futuro da empresa.
Se comparado aos investimentos anuais realizados pela companhia, o orçamento da área de inovação ainda é pequeno. Só neste ano, R$ 2 bilhões serão destinados para manutenção e modernização das unidades industriais, logística e infraestrutura. Mais R$ 5,3 bilhões, de um total de R$ 8,9 bilhões até 2017, sairão do caixa para a expansão de uma fábrica na cidade de Três Lagoas, no Estado do Mato Grosso do Sul. O setor de pesquisa e desenvolvimento, por sua vez, recebe “apenas” R$ 80 milhões.
Pode parecer uma gota no oceano, mas a revolução criada por estes negócios é equivalente ao de um tsunami capaz de reinventar a Fibria. “Antes, tínhamos uma agenda ‘ou’ e agora temos uma agenda ‘e’. Antigamente, ou a gente crescia, ou a gente pagava dívidas, ou a gente dava dinheiro para os acionistas, sob a forma de dividendos, ou a gente reinvestia no negócio”, afirma. “Agora, passamos para o modus operandi ‘e’. Eu vou crescer e pagar dividendos, investir no negócio e buscar novas fronteiras de inovação. É isso o que estamos fazendo”, diz Castelli.
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“É inequívoco o processo de consolidação mundial”
O CEO da Fibria, Marcelo Castelli, falou à DINHEIRO sobre os novos projetos da empresa. Acompanhe alguns trechos da conversa:
Como surgiu a ideia de investir em outros negócios?
Em 2009, fizemos uma pesquisa de tendências que identificava a intensificação da globalização, da tecnologia e do aquecimento global. Quando conectávamos tudo isso, nos perguntávamos como posicionar a companhia para esse cenário. A sustentabilidade, então, foi parte da nossa estratégia. Não foi bom mocismo, não. Temos muitas oportunidades a capturar dessa nova economia.
Quais oportunidades?
Somos uma empresa de base florestal, renovável e, através da madeira, podemos fazer produtos para substituir derivados de petróleo. São produtos como a fibra de carbono; a lignina, que é uma biomassa líquida; a nanocelulose; o biocombustível. Então, em 2012, começamos a fazer outros estudos e estabelecemos a bioestratégia da companhia.
E dentro da empresa, as pessoas começaram a pensar diferente?
Nosso Centro de Tecnologia gastava metade do tempo desenvolvendo soluções para a floresta e a outra metade para ajudar a nossa operação do dia-a-dia. Saímos de 2% para 35% no portfólio de projetos de inovação disruptiva. A gente percebeu que estava na hora de mudar.
Quanto a Fibria a tem investido nessa área?
Temos destinado uma média de R$ 80 milhões por ano para inovação.
No setor de celulose, fala-se muito de uma fusão da Fibria com outras gigantes como a Eldorado Celulose e a Suzano. Existem conversas nesse sentido?
É inequívoco o processo de consolidação mundial. Se você olhar a nossa história, verá que a Fibria é fruto da consolidação. A consolidação é a melhor forma de agregar valor aos acionistas.
Mas existem conversas?
No Brasil, essa não é a agenda dos CEOs. É para os acionistas. Eu sou cobrado para administrar a empresa e planejar o futuro. Mas, como executivo, fico feliz porque você não escuta falar em Eldorado e Suzano. Mas sim em Eldorado e Fibria, Suzano e Fibria. Todos querem a Fibria.