02/12/2016 - 20:00
A noite de 23 de novembro foi mágica em Chapecó, cidade localizada no Oeste de Santa Catarina. Após um empate com a esquadra argentina do San Lorenzo, time de coração do Papa Francisco e que já foi campeão da Copa Libertadores da América, a Chapecoense, ou simplesmente Chape, conquistou sua maior glória. O resultado classificou-a para a final da Copa Sul-Americana, um torneio internacional que reúne equipes do continente. O goleiro Danilo saiu de campo como o grande herói, ao defender, no último minuto, uma bola incrível. As imagens dos atletas festejando no vestiário, entoando o canto de guerra dos torcedores (Vamos, vamos, Chape!), correram o Brasil. A pequena Chape caminhava para se tornar grande.
Mas seis dias depois, perto de sua maior glória, o Verdão do Oeste, como é conhecido, viveu sua maior tragédia. O avião da companhia boliviana LaMia, que levava a delegação da Chapecoense, caiu em Cerro Gordo, no município de La Unión, a cerca de 30 quilômetros de Medellín, na Colômbia, onde jogaria a primeira partida da final contra o Atlético Nacional. O trágico acidente matou 71 pessoas, incluindo jogadores, dirigentes e jornalistas. Sobreviveram os jogadores Alan Ruschel, Jackson Follmann e Hélio Hermito Zampier Neto, o jornalista Rafael Henzel e os membros da tripulação Ximena Suárez e Erwin Tumiri.
A comoção espalhou-se pelo mundo, em uma corrente de solidariedade. Na quarta-feira 30, no horário do jogo que nunca aconteceu, a torcida do Atlético Nacional lotou o estádio Atanasio Girardot e as ruas do entorno, em uma tocante homenagem aos jogadores mortos. O desastre aéreo põe fim, pelo menos momentaneamente, ao sonho da Chape de se tornar um time grande. Fundada em 1973, a Chapecoense virou uma história de sucesso no futebol brasileiro devido à sua rápida ascensão nos últimos anos, passando da série D para A, onde se já mantém por três anos consecutivos.
Sua trajetória começou a mudar a partir de 2005, quando um grupo de empresários da cidade, ligado ao ramo de frigorífico e ao agronegócio, se uniu para pagar dívidas e evitar a falência do time. Na época, os papagaios eram de R$ 1,5 milhão, valor considerado impagável. O Verdão do Oeste transformou-se em um caso raro no nobre esporte bretão brasileiro. É um dos poucos times da Primeira Divisão a obter superávit, apesar de seu baixo orçamento. No ano passado, o lucro foi de R$ 2,8 milhões.
Melhor: não tem dívidas, algo inédito. “Isto em um cenário em que todos os outros grandes clubes estão endividados”, afirma Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva. O Corinthians, por exemplo, tem uma dívida de R$ 453 milhões, o que equivale a 1,52 vez seu faturamento. O Botafogo, do Rio de Janeiro, tem o pior índice. Sua dívida é 6,04 vezes superior às suas receitas. “A Chapecoense é de longe o time que melhor geriu seu elenco e os seus negócios”, diz Somoggi. As cotas de televisão são a principal fonte de receita da Chapecoense, representando 54% de seu faturamento.
Em seguida, empatados, estão os recursos arrecadados com patrocinadores e sócio-torcedores, com 15% cada. Por fim, a venda de jogadores e o dinheiro da bilheteria dos jogos, com 8% cada. O acidente fez o número de sócio-torcedores explodir. Na quinta-feira 1º, eles somavam mais de 20 mil, mais do que dobrando em apenas dois dias. Consequên-cia também de uma boa de administração, o valor de sua marca Chapecoense é a 26ª mais valiosa do futebol brasileiro, avaliada em R$ 33,2 milhões pela consultoria BDO RCS. Os líderes são o Flamengo, seguido pelo Corinthians. “A Chape é o time de melhor gestão no relacionamento com as empresas”, diz Pedro Daniel, responsável pela área de esporte da BDO Brasil.
Fundamentais para a ascensão da Chapecoense à elite do futebol brasileiro foram os empresários da região de Chapecó, uma cidade com 210 mil habitantes e considerada o maior centro de processamento de proteína animal do planeta por metro quadrado. O presidente da Chape desde 2008, Sandro Pallaoro, morto no acidente, era dono de uma distribuidora de frutas na cidade. Vários empresários fazem parte da diretoria, participando de cinco conselhos: deliberativo, consultivo, fiscal, administrativo e gestor. São 240 pessoas não remuneradas que ajudam a Chape, boa parte delas empreendedores de Chapecó.
Pallaoro implantou também uma política de austeridade. Só gastava dinheiro que tinha em caixa. O teto salarial era de R$ 100 mil por mês e a folha salarial de R$ 2 milhões. Mesmo assim, no ano passado, surpreendeu a todos ao pagar o 14º salário. A força da cidade de Chapecó ajudou na estratégia de Pallaoro. O município é a sétima maior economia de Santa Catarina. Seu PIB é de R$ 7,7 bilhões. Na vizinhança, além da cooperativa Aurora, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, está em Concórdia, a 100 quilômetros de Chapecó. A JBS, que conta com a marca Seara, processa aves em um grande frigorífico em São Miguel do Oeste, também no entorno da região.
Mas o DNA de gestão do time da Chapecoense está no modelo de cooperativismo adotado pela Aurora, uma das patrocinadores do clube. “Existem muita similaridades da Aurora com a Chapecoense”, diz Mário Lanznaster, presidente da Aurora, cooperativa que fatura R$ 7,7 bilhões. De acordo com Lanznaster, a gestão do clube sempre foi profissional e não há mistura de recursos privados e particulares. O vice-presidente do Cooperativa Alfa, a maior quotista da cooperativa Aurora com 26,5% do capital, Cladis Jorge Furlanetto, concorda. “É a diferença da gestão do clube”, afirma. “Nesse sentido, houve um total comprometimento do poder público, empresários locais e torcedores com a Chape.”
A ideia de que o esforço coletivo, sem necessariamente envolver dinheiro, pudesse seduzir almas e mentes em torno do time é atestada pela Unimed de Chapecó. José Foresti, presidente da cooperativa de médicos local, diz que a entidade resolveu apoiar a Chape em 2009 por meio de permuta de serviços. “Começamos quando o time estava mal no campeonato, ainda na série D”, afirma Foresti. “Propusemos cobertura de assistência médica aos atletas e exames gratuitos em troca do patrocínio.” O empresário é um dos que dizem que os avanços da economia da região, de seu negócio e da própria Chapecoense foram quase que simultâneos.
“Houve uma espécie de avanço coletivo, com um propósito comum”, diz Foresti. A Chapecoense se destaca também pela ausência de conflitos. Ao contrário de muitos clubes, onde situação e oposição se digladiam para assumir o comando, a Chape vive em paz. “Lá não existe oposição, disputas e brigas”, afirma Claudemir Bonato, diretor do Serviço Social da Indústria (SESI) de Chapecó. “É um espírito comum, algo muito forte entre a sociedade e o time.” Agora, todos vão precisar dessa união para reconstruir o clube.
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A economia de Chapecó
Empresários, Poder Público e torcedores explicam o sucesso do time:
• A cidade de Chapecó completará, em 2017, 100 anos
• Ela conta com pouco mais de 210 mil habitantes
• Hoje é a 7a economia de Santa Catarina
• O PIB de Chapecó, em 2015, foi de R$ 7,7 bilhões
• A região é destaque nacional e internacional na agroindústria, com processamento de grãos, carnes e leite
• As principais empresas da região são a cooperativa Aurora, as de alimento BRF e JBS
• A cidade tem 80 mil empregos diretos
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Verdão do oeste
Conheça a história e números da Chapecoense:
• Fundado em 1973, o clube foi apoiado e gerido por empresários de Chapecó
• Subiu à Série A do Campeonato Brasileiro em 2013. No campeonato deste ano estava em 9º lugar
• Antes da tragédia, faria a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional, sua primeira decisão internacional
• Faturamento em 2015 R$ 46,4 milhões
• Não tem dívidas, uma exceção entre os clubes brasileiros
• A marca Chapecoense vale R$ 33,2 milhões, sendo a 26a marca mais valiosa entre os times brasileiros, segundo a consultoria BDO RCS
• O número de sócios-torcedores ultrapassou os 20 mil, dobrando depois da tragédia, segundo o site FutebolMelhor
• Os patrocinadores são Caixa, Aurora, Unimed Chapecó e Umbro
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Confira as demais matérias do Especial – O Brasil em luto pela Chapecoense:
• A mobilização empresarial e dos clubes
• Tragédia inestimável
• Bola fora