Maior empresa de internet do mundo, o Google, sinônimo de buscas na internet, doa 1% do seu lucro líquido para ações sem fins lucrativos, todos os anos. A filantropia faz parte do negócio criado por Larry Page e Sergey Brin desde a criação da companhia. A responsável por gerenciar esses recursos, que ultrapassam US$ 100 milhões, é a americana Jacquelline Fuller, diretora-geral da Google.org, braço de filantropia da empresa. Filha de um diplomata americano, a executiva estava dando os primeiros passos na carreira do pai quando aceitou um trabalho numa pequena startup, que funcionava em cima de uma pizzaria. Era a Gates Foundation, hoje Bill e Melinda Gates Foundation, criada por Bill Gates, fundador da Microsoft, a maior fundação de caridade do mundo, com ativos que ultrapassam US$ 36 bilhões. Desde então, ela se dedica a financiar projetos que tenham capacidade de gerar impactos humanitários ao redor do planeta. No Brasil, o Google realiza este ano, pela segunda vez, o Impact Challenge, iniciativa que vai destinar R$ 10 milhões a ideias inovadoras desenvolvidas no País, em qualquer setor. A empresa também está destinando US$ 1 milhão para ajudar a combater a epidemia de zika na região. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, Jacquelline fala sobre a necessidade de levar a filantropia para dentro das empresas e como a informação pode ajudar a conter desastres humanitários.

DINHEIRO – A sra. está com medo do vírus zika?
JACQUELLINE FULLER –
 Na verdade, não. Trabalhei para a Fundação Bill e Melinda Gates e morei na Índia, onde também há dengue. Quando estava em Nova Délhi, houve um surto da doença. Estou acostumada.

DINHEIRO – Existe desinformação em relação ao surto de zika aqui no Brasil e é por isso que o Google está se envolvendo nessa questão?
JACQUELLINE – 
Em relação ao zika, estamos fazendo algumas coisas. Esse é um bom exemplo de como o poder da informação, e, mais importante, da informação correta e oficial, é muito importante em uma situação na qual há pânico generalizado. A primeira coisa que fizemos é garantir que as buscas feitas no mecanismo levem a dados corretos sobre sintomas e tratamento. Também doamos US$ 1 milhão à Unicef para ajudar nos trabalhos na região. Além disso, há um grupo de desenvolvedores do Google ajudando a criar uma plataforma que identifique potenciais focos de zika, correlacionando informações sobre deslocamentos de pessoas, clima, entre outras.

DINHEIRO – Essa falta de informação ou pânico exagerado já aconteceu em outras crises, como a do ebola na África, há dois anos… 
JACQUELLINE –
 A melhor forma de agir nesses casos é ter a certeza de que temos a informação com base científica e torná-la disponível para a população. Mas sempre surgem muitos rumores.

DINHEIRO –O Google, como a principal fonte de buscas na internet, se sente responsável, de alguma forma, por essa situação?
JACQUELLINE –
 Nós vimos, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, que as buscas por zika vírus subiram três mil por cento. As pessoas usam o Google por que querem encontrar informações confiáveis. Por isso a empresa fez disso uma prioridade.

DINHEIRO – Quais são as iniciativas que o Google está conduzindo na área de filantropia no Brasil?
JACQUELLINE –
 Além do investimento de US$ 1 milhão no combate ao zika, estamos realizando, pela segunda vez no País, o nosso Impact Challenge, que é o maior programa de filantropia da companhia. Fizemos esse programa em 2014 e foi tão bem-sucedido que resolvemos voltar, algo que raramente acontece. Estamos procurando ideias inovadoras pelo mundo que receberão investimentos do Google.

DINHEIRO – Que tipo de inovação a empresa busca?
JACQUELLINE –
 Na última vez que estivemos aqui, investimos em ideias que abrangem tópicos que vão desde violência doméstica, até refrigeradores a energia solar. Mas pode ser educação, meio ambiente ou qualquer outro tópico. Estamos buscando, na verdade, ideias que possam ter grande impacto e cujos times tenham capacidade de desenvolvê-las.

DINHEIRO – E qual é o impacto desses investimentos para os negócios do Google?
JACQUELLINE –
 A filantropia tem sido parte da visão do Google desde o início. A ideia de devolver à sociedade parte do que ganhamos é algo que está ligado ao que somos, como companhia. É uma expressão dos nossos valores e da crença em criar oportunidades em todo o mundo. E entendemos que a melhor maneira do Google ser útil, em termos de filantropia, é ajudando empreendedores a transformar suas ideias em realidade.

DINHEIRO – Mas como fazer filantropia sem parecer oportunista?
JACQUELLINE –
 É justo que as pessoas perguntem às companhias o que elas estão fazendo à sociedade e para devolver parte do que ganharam. Olhando para o que estamos fazendo, localmente, temos um bom exemplo do que significa uma companhia ser realmente responsável. Nosso time no Brasil foi quem propôs para a companhia levar as iniciativas para o País. É ele que faz todo o trabalho pesado. Isso foi muito importante para garantir que todas as regiões brasileiras pudessem participar do projeto.

DINHEIRO – É importante, então, que as iniciativas sejam conduzidas localmente, em conjunto com a comunidade, ao contrário de iniciativas globais que buscam padronizar programas em diferentes regiões…
JACQUELLINE – 
Absolutamente. São as lideranças locais, que, no Brasil, decidiram rodar o programa, que fazem a maior parte do trabalho e desenham as ações e a melhor abordagem para cada região.

DINHEIRO – Então, esse é o futuro da filantropia, ações locais e oriundas das empresas?
JACQUELLINE – 
Eu acredito que as empresas têm de dar algum retorno. Mas, nos Estados Unidos, por exemplo, dos mais de US$ 300 bilhões doados por entidades privadas, no último ano, menos de 5% vêm de corporações. O Google doa 1% dos lucros, todo ano, e isso está ajudando a criar uma nova expectativa e, talvez, uma regra que diz: nossa empresa deveria estar envolvida com a filantropia, ajudando a criar soluções locais para os problemas da sociedade. A filantropia deve estar incorporada às companhias.

DINHEIRO – Os funcionários percebem esse envolvimento da empresa?
JACQUELLINE – 
É realmente impressionante o nível de suporte que recebemos de todos os funcionários. Só no Brasil, em 2014, mais de dois mil colaboradores participaram do Impact Challenge. Foi o maior engajamento que já tivemos. Isso mostra como essa questão faz parte dos valores das pessoas dentro da companhia.

DINHEIRO – O Google.org atua de forma autônoma do Google?
JACQUELLINE – 
Fazemos parte do Google. As decisões que tomamos sobre para quem doar, onde doar e o que doar passam pela companhia. Mas todas as nossas doações são feitas de uma maneira que, pela lei americana, não podem gerar nenhum retorno financeiro à empresa. A companhia “separa” 1% do seu lucro líquido e confia na Google.org para investir em ações sem fins lucrativos, com o objetivo de causar impacto humanitário.

DINHEIRO – De alguma forma, o Google recebe incentivos fiscais?
JACQUELLINE – 
Todas as doações feitas pela companhia são tratadas como qualquer outra despesa comercial. Não há um tratamento fiscal especial. É uma despesa como as outras.

DINHEIRO – A sra. percebe uma dificuldade das pessoas em acreditar que uma empresa é capaz de tomar uma iniciativa como essas sem possuir finalidade lucrativa, ou seja, apenas para devolver algo à sociedade?
JACQUELLINE – 
Nossos fundadores veem a filantropia como uma parte fundamental do negócio. Partimos desse valor. E, como eu disse, aqueles 2 mil funcionários que voluntariaram mostram que as pessoas sentem orgulho disso. Não só da empresa, mas do que estão fazendo e do seu País também. Há uma série de benefícios em investir em filantropia, não financeiros. Hoje, nos ajuda a criar um sentimento nas pessoas envolvidas de que, quando tiverem uma grande ideia, haverá alguém apoiando.