O silêncio da presidente eleita Dilma Rousseff e de seus assessores esconde uma intrincada engenharia para a formação do futuro governo. Nessa batalha, uma figura emerge como a face discreta da transição. Não se trata de Antônio Palocci, provável homem forte do futuro governo, mas do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. 

 

Integrante do seleto grupo que desfruta da irrestrita confiança de Dilma, nos últimos dias ele assumiu o papel do laborioso descascador de abacaxis. Cabe a ele liderar o esforço para que a primeira mulher presidente do País suba a rampa do Palácio do Planalto com as contas públicas em ordem. 

 

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Bernardo: ele diz que o salário mínimo de R$ 600 era uma proposta demagógica, que foi derrotada nas urnas nas eleições de 3 de outubro 

 

Sua missão é árdua. Consiste em garantir o rigor no controle de gastos num período em que a pressão pela gastança beira a chantagem política. Se pouco se fala sobre a próxima equipe ministerial, além da manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda, vários sinais já foram emitidos de que Dilma não está disposta a assumir despesas que engessem ainda mais seu orçamento. E todos esses sinais partem de Paulo Bernardo.

 

Um crescimento desmedido dos gastos traria problemas para os planos da presidente eleita, que pretende executar o PAC2, um conjunto de obras orçadas em R$ 1,59 trilhão, até 2014. Num primeiro aviso, o ministro defendeu que o aumento das despesas correntes não supere metade da expansão do PIB. 

 

Com a economia, argumentou, seria possível dobrar o aporte em infraestrutura nos próximos cinco anos. Outra medida de estímulo à economia em estudo é desonerar a folha de pagamento, reduzindo de 20% para 14% a parcela paga pelos empregadores à Previdência. 

 

A retirada da Eletrobras do esforço fiscal para cumprir o superávit primário também deve ser aprovada nos próximos dias. O principal efeito da medida é ampliar a capacidade de investimento da estatal. Ele também reafirmou o apoio do governo à aprovação da proposta que limita o aumento real da folha de pagamento do funcionalismo público em 2,5% acima da inflação. 

 

A proposta ainda precisa ser votada no Senado, mas serviu de recado aos setores que pressionam congressistas por polpudos reajustes. Caso dos juízes e servidores do Judiciário, que exigem uma correção de 56% em seus vencimentos, uma tunga de R$ 7 bilhões anuais nas contas públicas. 

 

“Com inflação de 5%, querer aumento de mais de 50% é delirante”, reagiu Paulo Bernardo, que comprou uma silenciosa briga com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, o maior entusiasta do reajuste. “O Paulo Bernardo não tem medo de dizer não”, ilustra um colaborador próximo. 

 

Na última semana, sua tarefa pôde ser resumida a segurar o reajuste do mínimo em 6%, elevando seu valor dos atuais R$ 510 para até R$ 550. As centrais sindicais pressionavam por um valor de R$ 580 e a oposição, R$ 600, conforme propusera o candidato derrotado à Presidência, José Serra. “O mínimo de R$ 600 foi vencido nas eleições”, sentenciou Paulo Bernardo, na terça-feira 16, em audiência no Congresso. 

 

Paulo Bernardo também tem dedicado pelo menos duas reuniões semanais para aprovar um orçamento “leve” para Dilma em 2011. A briga com o STF sinaliza, por exemplo, o fim da temporada de generosos aumentos concedidos durante o governo Lula. O ministro também pretende desarmar a bomba fiscal preparada no Congresso, com vários aumentos de despesas e custo estimado em R$ 120 bilhões. 

 

Uma delas – e a que mais aflige Paulo Bernardo – refere-se às compensações da Lei Kandir, estimadas em R$ 7,2 bilhões e cobradas por governadores que deixaram de arrecadar ICMS para estimular as exportações. Em contrapartida, está em discussão conceder um aumento real para o Bolsa Família sob o argumento de que ele inseriu milhões de famílias no mercado de consumo e tem menos impacto que os demais gastos.

 

Segundo interlocutores da transição, a atuação firme e discreta de Paulo Bernardo o fortalece para ocupar a Casa Civil e ser um articulador de Dilma. Apesar dos desgastes e brigas compradas, o discurso de Paulo Bernardo que sinaliza maior rigor fiscal também tem gerado aprovação do mercado, ainda na expectativa do anúncio da equipe econômica. 

 

“O Paulo Bernardo tem saído na linha de frente para minimizar as incertezas sobre qual linha econômica Dilma adotará”, analisa Rafael Cortês, cientista político da Tendências Consultoria. Para o estrategista-chefe do banco West LB, Roberto Padovani, os sinais emitidos pelo ministro geram impressões positivas sobre a futura política monetária. “Isso implica espaço para corte de juros e o mercado vê isso com bons olhos”, disse à DINHEIRO.