29/02/2012 - 21:00
Alexandre Chade, o único brasileiro a bordo, fez seu relato à DINHEIRO. Em 1988, ainda quando era um relativamente desconhecido senador pelo Estado do Tennessee e nem cogitava dar voos maiores em sua carreira política, o ex-vice-presidente americano Al Gore conheceu a Antártida. Era uma época em que o debate sobre o aquecimento global e suas consequências climáticas engatinhava. No fim de janeiro, quase 25 anos depois, já transformado num dos paladinos da causa ambiental, o homem que perdeu no tapetão a presidência dos Estados Unidos para o republicano George W. Bush, decidiu retornar ao continente. Dessa vez, Al Gore organizou uma expedição a bordo do navio National Geographic Explorer, da revista National Geographic, para levar um grupo de 126 convidados. Dentre eles, ilustres bilionários como o inglês Richard Branson, dono do Virgin Group; os americanos Ted Turner, fundador da CNN, e Jeff Skoll, do e-Bay; e Gustavo Cisneros, o homem mais rico da Venezuela.
Ecologia chic: as fortunas a bordo do National Geographic Explorer somavam US$ 100 bilhões.
Cientistas, professores, líderes políticos e músicos também embarcaram para ver de perto os danos causados pela ação do homem. Numa conta rápida, chegou-se à conclusão de que as fortunas ali reunidas, chegavam à casa dos US$ 100 bilhões. A viagem, realizada entre 28 de janeiro e 6 de fevereiro, é parte do projeto de sua ONG The Reality Climate Project (O Projeto da Realidade Climática, em tradução livre), criada em 2009. A comitiva, que começou sua jornada a partir de Buenos Aires, foi escoltada por tropas do Exército até o aeroporto para pegar um voo até Ushuaia, na Terra do Fogo, região localizada no extremo sul da Argentina. De lá, o grupo embarcou no navio rumo ao continente gelado. A ideia do projeto era aliar uma programação de 12 debates e palestras sobre os problemas ambientais, com visitas in loco a habitats que podem ser destruídos pela ação humana.
Entre os participantes, alguns como Branson, Skoll e Turner são ativistas ou simpatizantes de longa data da causa ecológica. Outros, como Cisneros, foram convidados justamente para serem sensibilizados contra o aquecimento global. Completavam a lista de celebridades o ator Tommy Lee Jones e os cantores Jason Mraz e Kathy Mattea. Em meio a tantos nomes internacionais, havia apenas um brasileiro: o empresário e advogado paulista Alexandre Chade, fundador e presidente do fundo de investimento Ascet e da empresa de fidelização Dotz. A seguir, Chade, que estava acompanhado da mulher, Suzy, e dos filhos Paulo e Carolina (as duas únicas crianças a bordo) conta suas impressões sobre a viagem e o que os bilionários presentes – e ele mesmo – pretendem fazer para ajudar a salvar o planeta.
Branson: prêmio de US$ 25 milhões para os melhores projetos
de substituição de carbono.
Entre Pinguins e Tubarões
“De repente, lá estava eu a bordo do navio National Geographic Explorer, da revista americana National Geographic, navegando rumo à Antártida, ao lado de ninguém menos que Ted Turner, da CNN, Sir Richard Branson, do Virgin Group, Jeff Skoll, do e-Bay, Chris Anderson, do TED Talks, Alan Horn, da Time Warner, Gustavo Cisneros, do grupo Cisneros… e mais 40 empresários do mesmo naipe, de várias partes do globo. A viagem organizada pelo ex-vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore, contava também com alguns dos maiores cientistas do mundo, além de estrelas, como o ator Tommy Lee Jones e o cantor Jason Mraz. O objetivo: sensibilizar os participantes para a seriedade e urgência das alterações climáticas e seus impactos sociais e econômicos.
A Antártida seria, literalmente, “a ponta do iceberg”. Confesso que estava bem cético ao embarcar. Uma enchente aqui, um incêndio lá, um período de secas acolá não chegava a me sensibilizar. A falta de atenção ou acesso a informações consolidadas e comparadas, nunca me permitiu ver “a big picture”. Agora não mais. Participavam da expedição cientistas, biólogos, geólogos, especialistas em fauna, flora, gelo e muito mais. Depois de ouvir o que tinham a dizer e de debater suas ideias com eles e com o grupo de convidados, ficou claro para mim que hoje existe um consenso mundial sobre os problemas causados pelo aquecimento global. Essa, sim, foi a surpresa. Constatei que, na verdade, falta consenso só em relação a como agir e sobre quem paga a conta.
Estrelado: astros como o cantor pop Jason Mraz (à esq.), animaram a expedição de Al Gore.
Esse consenso é respaldado por 98% dos cientistas e por 100% das Academias de Ciências e pelo que vem ocorrendo. Há 30 anos, por exemplo, as calamidades climáticas ocorriam em 0,2% da superfície do globo terrestre. Hoje, atingem 10%. A interação entre os convidados, “confinados” no navio, era intensa. Bate-papos, almoços e desembarques. As discussões só paravam à noite, para ouvirmos os americanos Jason Mraz e Kathy Mattea, ganhadores de Grammys, no sistema “banquinho e violão”. Além disso, havia também encenações para ilustrar os impactos ambientais. Em uma delas, Al Gore vestido com um roupão branco, representava um iceberg, e Ted Turner com seu casaco vermelho simulava uma corrente de água mais aquecida que derreteria o gelo.
Já na península Antártida, passamos a ter aulas mais práticas, com desembarques em ilhas repletas de pinguins, focas, baleias, e aves de mais de três metros de envergadura. Os vínculos entre todos foi aumentando, como também o tamanho dos icebergs, cada vez maiores, mais maciços, “coloridos” e nas mais variadas formas e texturas. Tínhamos à nossa frente um mundo totalmente novo, que nos tornava uma espécie de “invasores”, mas que, ao mesmo tempo, nos unia. Animais que nunca tinham visto um ser humano se aproximavam, curiosos, às dezenas. Uma das maiores emoções foi quando o National Geographic Explorer atravessou um canal já tomado pelo gelo superficial, rompendo as gigantescas placas congeladas, com força e elegância.
Após as expedições de campo, retornando ao navio, estávamos cada vez mais sensíveis, engajados, preocupados e fascinados. Acreditar que toda a beleza que víamos poderá acabar em 10 ou 20 anos, não era uma opção. Tantos empresários, diante de tantos problemas, ficaram ansiosos pelas propostas de solução. E de oportunidades de negócios, é claro. Mas ainda faltava entender quem iria implementá-las. Ou, ao menos, direcionar os grandes movimentos públicos. Nesse momento, entrou em cena Christiana Figueres, Secretária-Executiva das Nações Unidas para a Mudança Climática. Costa-riquenha, dura, objetiva, fascinante. Segundo ela, desde Kyoto, passando por Copenhaguen, Cancún e Durban, buscar o consenso entre 194 países-membros da ONU, sobre as questões climáticas, tem sido um desafio único.
Desembarque: acima, Chade (ao centro), ao lado do filho Paulo e de Ted Turner
De um lado, estão os países desenvolvidos, emissores de CO2. De outro, os países em desenvolvimento, desejosos de explorar seus recursos naturais para erradicar a pobreza e promover prosperidade. Muitos pinguins, focas, baleias, palestras e discussões depois, chegou a hora dos “tubarões”: Ted Turner, Richard Branson, Jeff Skoll e companhia. A esta altura já eram os “amigos” Ted, Rick e Jeff, de tantos almoços e passeios nos botes “zodiac”. Cada um deles, à sua maneira, tinha uma resposta para a questão climática, da mesma forma que um bom número dos convidados ali presentes:
– Richard Branson revelou estar desenvolvendo combustíveis não fósseis para a aviação. Também no mundo dos transportes, colocou na internet um “ranking” de mais de 70 mil navios de carga com a emissão de cada um deles, para que empresas possam escolher os transportadores mais eficientes. Ao mesmo tempo, criou um prêmio de US$ 25 milhões para os melhores projetos de substituição de carbono.
– Ted Turner, maior proprietário de terras preservadas dos EUA, acredita que a excessiva exploração dos recursos naturais e fósseis se deve ao aumento populacional. Quando de seu nascimento, em 1938, havia 2 bilhões de habitantes no mundo. Hoje somos 7 bilhões de pessoas e rapidamente chegaremos a 9 bilhões. Estabilizar a população em cerca de 8 bilhões de pessoas, no seu entender, requereria investimentos em educação e distribuição de anticoncepcionais às mulheres, em um agressivo plano de investimentos de U$ 400 bilhões por ano.
– Jeff Skoll, fundador do e-Bay, um jovem canadense dinâmico, dedica sua vida às suas fundações. Produz filmes de grande sucesso, com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a questão ambiental. The Cove, por exemplo, sobre a caça a golfinhos no Japão, gerou mais de 1,7 milhão de apoiadores em um abaixo-assinado que causou a suspensão dessa prática. O documentário Inconvenient Truth aumentou de 33% para 85% o número de americanos que acreditam na seriedade e na urgência do problema do aquecimento global. Uma continuação está a caminho.
De tudo o que vi, ouvi e vivi, ficou a maravilhosa lembrança de um mundo realmente (ainda) intacto e espontâneo. E a urgência de agir para evitar um mal maior. No meu caso, isso significa agir social e empresarialmente. Ao que me parece, como consumidores, precisamos evitar desperdícios. Cerca de 40% da produção mundial de alimentos é mal aproveitada. Nosso “vício” por combustíveis fósseis precisa ser domado. Como empreendedor e investidor, que já transitou pelos setores de alimentos , agroindústria e agora bioenergia, vejo os “pontos se ligarem”, como diria Steve Jobs : a chamada economia verde para mim é a nova fronteira, na qual todas as experiências anteriores se transformam e se unem. Uma nova América. Uma nova internet.
Al Gore (primeiro à esq.) era um iceberg e Turner (de vermelho), uma corrente de água.
São inúmeras as oportunidades de fazer o bem e de “se dar bem”. Estamos montando aqui no Brasil o fundo A7 Columbus, dedicado a descobrir oportunidades e lucrar nesse novo mundo. Como cidadão, pretendo atuar pressionando os governos a criar legislações que incentivem o uso de energias alternativas, eventualmente eliminem subsídios e criem impostos sobre emissões de carbono, que seriam aplicados em prol da nova e emergente “economia verde”. Ainda temos tempo. Em 2015 os países-membros da ONU firmarão um compromisso de reduções de emissão de carbono. Temos três anos para assegurarmos que esses compromissos serão fortes o suficiente para evitar o pior. Esta é minha forma de ao menos tentar responder à pergunta dos meus filhos, Paulo e Carolina, ao final da viagem: “Pai, que mundo vocês vão deixar pra gente?”.