Poucas empresas podem dizer que bateram a marca dos 175 anos. Elas são parte da cronologia do mundo produtivo que dá base – e argumentos – ao liberalismo em sua mais refinada definição. Conseguem existir por tanto tempo por serem inovadoras, comprometidas e focadas em seus clientes. E por abrirem caminhos. A Siemens é exemplo disso. A história da companhia pode se dividir em três atos: o Ontem (concebeu o primeiro telégrafo de ponteiro, substituto do código Morse), o Hoje (é a líder mundial em segmentos como mobilidade e energia) e o Amanhã (o objetivo agora é ser o principal player do metaverso industrial). Isso significa levar tecnologias inovadoras que vão modificar a maneira como construímos cidades, indústrias e o mundo. “O objetivo é impulsionar o metaverso industrial”, disse à DINHEIRO o CEO global da companhia, Roland Busch, durante as comemorações de 175 anos da empresa fundada por Werner Von Siemens, em Berlim, em 1847.

Nos números, o faturamento da gigante alemã tem crescido constantemente nos últimos anos. Em 2021, atingiu 62 bilhões de euros, 12,7% maior no ano anterior. Do valor, 20,5 bilhões de euros somente nas Américas. E segue no mesmo ritmo na temporada atual: no terceiro trimestre de 2022, a receita foi de 17,8 bilhões de euros, crescimento de 11% em relação ao mesmo período no ano anterior. A companhia, especialista em soluções tecnológicas que atendem aos mercados de indústria e infraestrutura, se divide em um portfólio com cinco grupos – Indústrias Digitais, Infraestrutura Inteligente, Mobilidade (um dos setores mais antigos da companhia, em que atua há pelo menos 160 anos), Saúde e Soluções Financeiras.

Em todas as cinco grandes áreas, a inovação e a alta tecnologia predominam, com trens de alta velocidade ou automação de trilhos, no campo da Mobilidade, ou com medicina molecular, no segmento Saúde. “A digitalização está nos ajudando a crescer e a partir de agora queremos ser mais ousados e empreendedores”, afirmou Busch.

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“Novidades na mobilidade para o Brasil estão próximas e já há negociações em andamento com empresas e cidades”  Johannes Emmelheinz CEO global da área de Customer Services da Siemens Mobility.

Para atuar com alta capacidade de entrega em segmentos tão distantes, são mais de 300 mil funcionários em todo o mundo. No Brasil, onde a alemã iniciou operações em 1867, quando instalou a primeira linha telegráfica do País, ligando o Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul, são 2,5 mil empregos. E, daí em diante, a Siemens foi se tornando cada vez mais relevante por aqui, até que se estabeleceu definitivamente, em 1905, na então capital federal, o Rio de Janeiro, como Cia Brasileira de Electricidade Siemens Schuckertwerke, primeira multinacional eletroeletrônica no Brasil.

Desde então, no País ela esteve à frente de diversos projetos pioneiros, como a primeira central diesel-elétrica (1909), a primeira central telefônica automática da América Latina (1922) e a primeira fábrica de transformadores do Brasil (1939). Na companhia, o respeito a esse passado pauta a estratégia de futuro. Ou, como resume o CEO Brasil da Siemens, Pablo Fava, “nosso principal propósito é contribuir para que nossos clientes avancem em suas jornadas de transformação digital, produzindo de forma mais eficiente, mais flexível, mais ágil e sustentável”.

Para Fava, os setores produtivos do Brasil estão vivenciando uma decisiva etapa de transição tecnológica, com potencial para ampliar fortemente suas capacidades produtivas e de competitividade. Setores como o de alimentos & bebidas, agronegócio, químico, mineração, máquinas e equipamentos, eletrônicos, aeroespacial e automotivo são fortes impulsionadores da economia brasileira e estiveram entre os grandes destaques dos anos mais recentes. “Nossa empresa também enxerga ótimas perspectivas no segmento da eletromobilidade, particularmente no aspecto dos sistemas de carregamento de veículos elétricos e híbridos”, afirmou Fava.

GÊMEOS DIGITAIS De forma geral, o primeiro passo do projeto desse próximo ciclo de décadas começa por alcançar um crescimento de 10% nos negócios digitais da empresa até 2025, o chamado Siemens Xcelerator, anunciado em Berlim. Ele visa utilizar as últimas tecnologias para revolucionar a indústria, as construções, as cidades e a mobilidade por meio dos digital twins (gêmeos digitais), solução desenvolvida com a empresa de hardware NVIDIA e que deve ser o futuro desse metaverso industrial. Para o CEO global da área de Automação Industrial da Siemens, Rainer Brehm, as novas tecnologias do pacote devem ajudar a aproveitar os dados coletados pelas indústrias e impulsionar o uso deles para automações e melhora na eficiência energética das plantas. “Queremos combinar o mundo real da manufatura com o digital e tirar maior valor dos dados de maneira flexível.” Segundo a companhia, a digitalização e a automação podem levar para o setor empresarial a até 7% mais eficiência nos processos, além de 20% em descarbonização, 37% em eficiência energética e 13% de eficiência dos recursos.

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“Queremos combinar o mundo real da manufatura com o digital e tirar maior valor dos dados de maneira flexível” Rainer Brehm CEO da área global de automação industrial da Siemens.

A tecnologia dos gêmeos digitais consiste em uma cópia virtual de alta fidelidade que simula condições físicas reais e que funcionará para segmentos diversos. As fábricas conseguirão planejar com mais facilidade a implementação de novas linhas de produção, novos setores e máquinas. Nas construções e cidades, os engenheiros e arquitetos poderão simular aspectos com múltiplas probabilidades, reproduzindo materiais de construção, eficiência energética e muitos outros elementos de alto impacto em custos, questões ambientais e de urbanização. Tudo via ambiente virtual. Até no design de carros a solução poderá ser utilizada, para prever a influência específica que cada peça e alteração no design terão no produto final.

Segundo Brehm, a ideia é ter um pacote que una os gêmeos digitais com tecnologias de computação e principalmente técnicas de low-code (aplicações que necessitam de baixo nível de código). Isso facilitará o uso das soluções e irá mitigar até certo ponto o problema da falta de profissionais qualificados para uma tecnologia tão nova. “Contextualizar os dados em uma API que os desenvolvedores possam usar sem problemas, dando menos trabalho a eles.”

No campo de Infraestrutura Inteligente, a empresa traz diversas soluções para as construções, os edifícios e as cidades. A principal ideia é aumentar a eficiência energética com uma suíte de detectores que entendam em tempo real o que está acontecendo com as estruturas. Para o CTO da unidade de infraestrutura inteligente da Siemens, Thomas Kiessling, digitalizar esse setor significa trazer benefícios para as populações, os negócios e o meio ambiente. “As pessoas passam 90% de seu tempo em edifícios, e é necessário olhar para isso”, afirmou. A solução ainda não está disponível no Brasil, mas segundo o CTO deve chegar entre 12 e 18 meses e já há alguns contratos em negociação com empresas locais.

Para a mobilidade mundial, o plano da Siemens é ousado: integrar a mobilidade das cidades em um lugar só, facilitando o gerenciamento, uso de serviços e eficiência energética tanto para as empresas, quanto para o setor público e para os usuários. O sistema de gêmeos digitais funcionará em conjunto com as outras ferramentas, para gerar previsibilidade dos serviços, evitando vagões vazios e gerando dados para uma agenda mais eficiente de oferta. Tanto para o setor público, como no privado, a novidade deve integrar os sistemas ferroviários e metroviários de maneira que facilite o seu gerenciamento.

“Digitalizar o setor de construção civil significa trazer benefícios para as populações, os negócios e o meio ambiente” Thomas Kiessling CTO da unidade de infraestrutura inteligente.

Já para o usuário final das cidades, a solução está no Software Suite X, em que todos os serviços de mobilidade estarão disponíveis em um lugar só: transporte por aplicativo, ônibus, trens, metrôs, patinetes, bicicletas, facilitando a locomoção multimodal e reduzindo o tráfego exclusivo de carros nas vias. No Brasil, a novidade está próxima. O CEO de Customer Services da unidade de mobilidade da Siemens, Johannes Emmelheinz, disse que a companhia já está em negociação com uma prefeitura de grande cidade para ter toda a suíte de mobilidade disponível por aqui.

REALIDADE Para André Miceli, CEO e editor-chefe da MIT Tech Review Brasil, nem o Brasil ou qualquer outro país do mundo está preparado para receber um metaverso industrial. “É questão de evolução, de amadurecimento, de aprendizagem de toda a sociedade, uma estrutura que não está montada para ninguém.” Por mais que nos EUA e na Europa a infraestrutura esteja mais bem desenvolvida, em questão das tecnologias habilitadoras é necessário ainda um período de aprendizagem e maturidade cultural, “uma modificação da visão que as pessoas têm dessa tecnologia”.

O Brasil estáa mais atrasados que outros países no quesito tecnologia. Para Miceli, precisamos preencher esse gap de infraestrutura para podermos aproveitar desse metaverso e das oportunidades e negócios que vão surgir dele. “O Brasil é tradicionalmente muito aberto à adoção de novas tecnologias.” Basta para o mercado, agora, observar como a companhia alemã vai trabalhar esses problemas. No resumo, a Siemens tem um plano ousado, amplo e que deve afetar as operações da companhia por um bom tempo. Se tem alguém que pode ter a ambição de construir um futuro tão revolucionário e de longo prazo é quem que faz isso há 175 anos.
* O jornalista viajou a convite da Siemens

Da crise a uma governança sem deficiências

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Em novembro de 2006, a companhia alemã foi parte de um escândalo de corrupção e compliance. Denúncias em todo o mundo atingiram a Siemens, que começou a ser investigada pela Procuradoria Pública de Munique. Outra investigação, nos Estados Unidos, revelou que, entre 2001 e 2007, a companhia pagou US$ 1,4 bilhão em propinas a autoridades de diversos países, em troca de contratos públicos. No Brasil, ficaram sob suspeita trens comprados pelo governo de São Paulo usados na linha 7 do serviço de trens da Região Metropolitana. Em 2002, a empresa alemã ganhou um contrato de R$ 33 milhões para fazer a manutenção desses dez veículos. O negócio é um dos vários que são investigados pelas autoridades brasileiras. Para começar a limpar a bagunça, em 2007 a empresa instituiu um Help Desk para Compliance. Nathalie Von Siemens, membro do Supervisory Board da companhia, disse durante o evento internacional de comemoração dos 175 anos da multinacional alemã que a crise de compliance foi um capítulo difícil, mas que trouxe aprendizados. “Estabelecemos um sistema que faz com que seja impossível burlá-lo”, afirmou.

Siemensstadt, o futuro das cidades

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Desde 1897, um distrito em Berlim, a cidade natal da Siemens, abriga suas plantas e também casas para os funcionários e bairros comerciais. A Siemensstadt, nome dado ao local, cresceu rapidamente e, em 1930, já tinha 65 mil pessoas. O complexo industrial hoje é um dos vetores de inovação da empresa. Um novo projeto pretende transformá-lo em um piloto de cidade do futuro, espaço de 73 hectares que possibilitará que a companhia teste as mais novas tecnologias de infraestrutura e mobilidade. O projeto de 1,5 bilhão de euros deve ter fim em 2030 e servir para testar aplicações de tecnologias que posteriormente podem ser vendidas aos clientes da gigante alemã.