17/08/2011 - 21:00
O pânico voltou. Os investidores reviveram na última semana os momentos sombrios que se seguiram à quebra do banco Lehman Brothers em 2008. O estopim do nervosismo, desta vez, foi o rebaixamento da dívida dos Estados Unidos pela agência de risco de crédito Standard & Poor’s da nota máxima, AAA, para AA+. Enquanto os mercados entravam em desespero na segunda-feira 8, que se seguiu ao rebaixamento, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tentava em vão acalmar os ânimos. “Os Estados Unidos foram e sempre serão um país triplo A”, declarou o presidente. No Brasil, até mesmo a presidente Dilma Rousseff mobilizou-se para criticar a Standard & Poor’s. “Não compartilhamos com a avaliação precipitada e não correta da agência.”
Mas as declarações pouco adiantaram para conter o tsunami financeiro que engolfou os mercados em todo o mundo. A bolsa de São Paulo teve o pior dia em três anos, com uma queda de 8%, e acumula desvalorização no ano de 26%. O índice Dow Jones perdeu mais de 5% num único dia e passou a registrar uma perda próxima de 3% no ano. Praticamente todas as bolsas mundiais entraram seriamente no vermelho: o índice DAX alemão acumula perda de 14,5% no ano e o Nikkei japonês, 12,5%. Apavorados com o tsunami que invadiu os pregões, investidores em todo o mundo sacaram recursos de ativos de maior risco, como as bolsas de valores, e fizeram o que é conhecido no jargão financeiro como flight to quality (fuga para a qualidade): investiram, justamente, nos títulos do governo americano.
Ou seja, quase uma esquizofrenia financeira: o pânico gerado pela redução da nota dos títulos americanos resultou em mais investimentos nesses mesmos títulos. E mais: ao contrário do que se deveria esperar, diante de um rebaixamento, os rendimentos desses papéis em vez de aumentarem, caíram à mínima histórica: o título de dez anos, o mais negociado, chegou a pagar apenas 2,03%. Por trás da aparente contradição, estão alguns fatos. Os papéis do Tesouro americano continuam sendo considerados os ativos de menor risco no mundo, sobre os quais são formadas as taxas de centenas de outros. Ninguém acredita, obviamente, que a redução da classificação de triplo A para AA+ reflita uma probabilidade maior que desprezível de um calote pelo governo americano. Esses ativos tem o maior volume e liquidez no mundo.
Em segundo lugar, a credibilidade das agências de risco de crédito não é das melhores. Afinal, foram essas agências que classificaram, na segunda metade dos anos 2000, a falida Islândia, como triplo A, e que ajudaram a criar a bolha do subprime, que estourou em 2008.Naquela época, títulos que representavam créditos de maus pagadores recebiam a mesma classificação do Tesouro americano, lembra o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton. “Os que acreditavam muito nessas agências faliram em 2008. Não sobrou muita gente no mercado que confie nelas”,diz ele. Para o estrategista da gestora Black Rock, Bob Doll, a reação dos títulos mostrou que o mercado não se importou com a recomendação da agência. “Foi um não evento”, disse.
O megainvestidor Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, não ficou para trás. “A única coisa que esse rebaixamento pode mudar é a minha opinião sobre a S&P”, afirmou Buffett. É um contrassenso sacar recursos da bolsa brasileira ou de outros mercados emergentes, que estão justamente sustentando a economia mundial com seu crescimento, para aplicar nos Estados Unidos, o epicentro do problema. Mas é o que muitos investidores globais fazem, pelas mais diversas razões. Os mercados estão todos interligados e um pedido de resgate de um cotista de um grande fundo de investimento, nos Estados Unidos, por exemplo, pode resultar na venda de ações da Vale. Segundo Luís Fernando Lopes, economista-chefe do banco Pátria, a bolsa brasileira é mais atingida também pelo fato de ter alta liquidez – nos momentos de maior nervosismo, chegou a negociar cerca de R$ 10 bilhões. “A Bovespa é penalizada também pela concentração em empresas vinculadas a commodities, que dependem mais da economia internacional”, afirma Lopes.
Doll, da BlackRock, lembra ainda que a bolsa brasileira foi uma das que mais se valorizaram no mundo nos últimos anos, o que leva investidores a embolsar os lucros. De fato, entre o fim de 2008 e o início deste ano, a bolsa brasileira havia subido 89,3%.
Mais do que os eventos e oscilações de mercado no curto prazo, o problema de fundo é uma crescente percepção de que a recuperação econômica mundial será morosa e cheia de dificuldades. A crise da dívida soberana na Europa, que agora ameaça países de grande porte como Itália e Espanha, soma-se aos sinais de que a economia americana não está conseguindo se reerguer. “O debate agora é em torno do alcance e da dimensão da desaceleração global”, afirma o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros.
Para muitos, os problemas atuais ainda refletem a crise de 2008. “A retomada do crescimento demora muito tempo depois de crises bancárias de grande porte”, afirma Scheinkman. Aos poucos, forma-se o consenso de que as medidas de estímulo econômico para evitar uma grande depressão, após a crise de 2008, não surtiram todo o efeito desejado e que há o risco de um crescimento mundial medíocre por um longo período. Economistas de peso, como o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, acreditam que os estímulos adotados para tentar reavivar a economia depois da crise de 2008 foram retirados muito rapidamente. Além disso, paira o espectro de uma possível nova crise bancária, desta vez concentrada nas instituições europeias que detêm grande volume de dívida soberana de países como Espanha e Itália.
A maior preocupação, atualmente, é com os problemas políticos que impedem a solução das questões econômicas mundiais mais urgentes. Nos Estados Unidos, um impasse entre o presidente Obama e o Congresso impede o país de assegurar um acordo que garanta a sustentabilidade de sua dívida a longo prazo. A demora dos líderes europeus em colocar mais dinheiro para socorrer os países periféricos também pesa. Uma voz de alerta sobre este problema é a do ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de Harvard, Kenneth Rogoff. Num artigo escrito para o jornal britânico Financial Times, Rogoff afirma que o mundo está passando por uma “grande contração” e afirma que o problema principal é político.
“Os mercados podem ajustar-se a uma quebra no crescimento mundial, mas não podem lidar com uma perda de confiança na liderança e um sentimento crescente de que os políticos estão desligados da realidade”, afirmou. Se os Estados Unidos passarão mesmo por uma recessão ou apenas reduzirão o crescimento também é motivo de debate. As quedas das bolsas, aliás, não são um bom instrumento para prever recessões. De 30 quedas superiores a 15% do índice Dow Jones, desde 1939, apenas oito indicaram uma contração econômica posterior. Enfim, trata-se de um debate que promete durar ainda por muitos e muitos pregões.