A imagem de uma catraca de ônibus em chamas ficará marcada como símbolo da maior mobilização popular vista no Brasil após a campanha das Diretas Já, na década de 1980. Milhões de pessoas tomaram as ruas do País, em junho de 2013, para cobrar serviços públicos de qualidade e acuaram políticos até forçá-los a revogar os aumentos das tarifas de transporte público. A “revolta dos R$ 0,20” pintou um período obscuro aos fabricantes de ônibus, que têm as concessionárias urbanas – alvo inicial dos manifestantes – como principal cliente.

Sinais de clareza começam a surgir agora para o setor, após meses de incerteza, com a retomada dos reajustes nas principais capitais do Brasil, somando-se às perspectivas de melhora no segmento de ônibus rodoviários, que se beneficiará do rito simplificado para a aprovação das rotas intermunicipais, aprovado em junho pela presidenta Dilma Rousseff. Ao menos seis capitais, de um grupo de 16 que congelaram as tarifas em 2013, já aprovaram reajuste neste ano. Entre elas, o Rio de Janeiro, com a segunda maior frota do País (8.965 ônibus urbanos).

A expectativa é que a retomada gradual das tarifas ajude a destravar um total de R$ 8 bilhões em investimentos até 2016, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Para o presidente da associação, Otávio Cunha, 2015 será o ano da retomada da produtividade. “A estimativa é que haja investimento em equipamentos, como em tecnologia de informação e controle da operação por GPS, para melhorar a qualidade do serviço e atrair uma demanda maior de passageiros”, diz Cunha. Só no Rio de Janeiro, o congelamento da tarifa significou uma redução de R$ 135 milhões em renovação de frota.

“Em 2011, a vida média da nossa frota era de três anos e dois meses. Porém, com a redução de investimento, passou para quatro anos e dez meses”, afirma Lélis Teixeira, presidente da Associação Rio Ônibus. Na fabricante Mercedes, o segmento urbano poderia ter mais força dentro dos negócios. “Com a alta de custos com combustível, produtos, mão de obra e a pressão da tarifa, os empresários resistem em renovar a frota e fazer investimentos”, explica Walter Barbosa, diretor de vendas e marketing da Mercedes Benz do Brasil. A gaúcha Marcopolo espera conseguir recuperar o impacto de 10% de perda nas vendas causado pelo impasse com as tarifas urbanas.

Dados do setor mostram que o mercado ainda vive às sombras do congelamento. O volume vendido de janeiro a junho é 11% inferior ao do mesmo período de 2013, o equivalente a 1.500 ônibus. “A tarifa atualizada é uma garantia de que as empresas consigam cumprir o contrato e renovar 15% da frota anualmente”, afirma Cunha. O fim das incertezas nas frotas rodoviárias também contribui para colocar o setor na rota de recuperação. O impasse envolvendo as linhas interestaduais terminou em junho, com a suspensão de licitações. Novas regras determinam que o processo passará a ser realizado por contratos de 15 anos, o que permitirá que empresários do setor pensem no longo prazo.

Havia um cenário de dúvidas, pois os contratos que autorizavam os serviços intermunicipais estavam vencidos desde 2008, fazendo com que as operadoras atuassem por meio de licenças especiais e segurassem investimentos. “O fim da licitação fez a Associação Brasileira das empresas de Transporte Terrestre de Passageiros se comprometer a comprar 2.500 veículos por ano e investir R$ 6 bilhões”, diz Fernandes Martins, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus. Se, ao final dos novos investimentos, os serviços de fato melhorarem para os usuários, a mobilização não terá sido em vão.