23/03/2011 - 21:00
Sessenta e cinco anos depois da destruição de Hiroshima e Nagasaki, o único país do mundo vítima de bombas atômicas vive um novo pesadelo nuclear – e espalha uma onda de apreensão em todo o planeta.
O risco de vazamento descontrolado de radiação da usina japonesa de Fukushima, danificada pelo terremoto seguido por um tsunami, em 11 de março, reacendeu o debate sobre as ameaças do enriquecimento de urânio para geração de eletricidade. Vários países anunciaram a revisão de seus planos.
A China suspendeu o processo de aprovação de novas usinas nucleares para reavaliar suas normas de segurança, enquanto a Alemanha interrompeu por três meses os planos de aumentar a vida útil de suas 17 usinas. Em toda a Europa, há supervisão reforçada dos sistemas de segurança das usinas.
A precaução generalizada, embora justificada, é alimentada pelo pânico. O problema é que o mundo de hoje depende da energia nuclear. Na França, 80% da eletricidade é gerada por 58 reatores atômicos.
Os 56 reatores em funcionamento no Japão são responsáveis por 30% da energia da terceira maior economia do mundo. Nos Estados Unidos há 104 reatores, que contribuem com 17% da matriz energética.
Diante dessa constatação, abandonar a energia nuclear significaria um impensável apagão em escala global – uma catástrofe econômica que levaria o mundo a uma crise sem precedentes.
No Brasil, um país essencialmente hidrelétrico e que planeja construir pelo menos quatro usinas nucleares até 2030, um eventual cancelamento de todos os projetos nucleares não causaria problemas energéticos, mas significaria uma pedra sobre mais de R$ 15 bilhões em investimentos nas últimas três décadas.
A construção da usina de Angra 1 custou R$ 1,2 bilhão e a de Angra 2 consumiu R$ 3,7 bilhões. A de Angra 3, em andamento, vai custar R$ 9,9 bilhões. Já o programa nuclear da Marinha para o desenvolvimento de um submarino movimentado a energia atômica, absorveu algo próximo a R$ 2 bilhões, desde o início dos anos 1980.
“Não podemos, a essa altura, descartar os estudos em andamento”, diz o comandante Cláudio Teles, porta-voz da Marinha. “Se agirmos por emoção, correremos o risco de ficar sem os benefícios da energia das centrais nucleares.”
Independentemente dos desdobramentos de Fukushima, catastróficos ou não, o fato é que a geração de energia a partir de fontes atômicas será repensado.
Para Philippe Paelinck, diretor de desenvolvimento de negócios dos sistemas de captura de carbono da Alstom, maior fabricante mundial de turbinas para usinas hidrelétricas, o episódio poderá estimular uma corrida por alternativas mais seguras, como a hidrelétrica e a eólica.
“A catástrofe no Japão certamente vai desacelerar o renascimento da energia nuclear em todo o mundo”, afirmou Paelinck à DINHEIRO, em Paris. “As bolsas já estão mostrando isso com forte alta das ações de empresas do setor eólico.”
Em meio ao debate sobre o futuro das fontes de geração de energia do mundo, o governo brasileiro adotou uma postura cautelosa. “Não temos nenhuma necessidade de revisão.
Podemos aprender com o que aconteceu lá e aprimorar ainda mais alguns procedimentos no futuro”, garantiu o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
“Não devemos fazer associações entre as usinas brasileiras e o cenário japonês”, tranquilizou, por seu turno, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
O ministro lembra que o Brasil não está exposto a abalos sísmicos da intensidade dos que atingiram o Japão. “É evidente que o episódio do Japão vai exigir novos protocolos, e o Brasil participará dessas discussões”, disse Mercadante.
Especialistas, como o professor José Goldemberg, da USP, discordam do otimismo dos porta-vozes do governo. Para Goldemberg, que já foi simpático à energia atômica, sua confiabilidade foi seriamente abalada pela tragédia japonesa. “Não sou contra, ideologicamente, mas acho que se houver outras opções, será melhor”, afirma.
De qualquer forma, parece haver um consenso de que o impacto negativo do mega-acidente japonês sobre a opinião pública pode inviabilizar as ambições do plano nuclear do Brasil – mesmo que as usinas projetadas no País sejam tecnologicamente mais avançadas, como querem seus defensores.
A usina de Fukushima entrou em operação em 1971 e os reatores 1 e 2, os primeiros modelos fabricados pela americana GE, seriam desativados em março de 2012.
“O desmonte dos reatores aconteceria exatamente pela defasagem tecnológica”, disse Edson Kuramoto, engenheiro especialista em segurança atômica e presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben).
O problema é que esse modelo continua gerando 4% de calor, mesmo completamente desligado. Sem um resfriamento de emergência, uma explosão será inevitável. “Nenhuma usina do mundo havia sido tão agredida como o que ocorreu lá”, diz Kuramoto. “Um azar.”
A Eletronuclear, que administra as usinas nucleares nacionais, garante que Angra 1 e 2 estão protegidas contra os maiores abalos que possam ocorrer na região, de acordo com as regras internacionais.
As duas usinas estão prontas para terremotos de até 6,5 pontos na escala Richter, com o epicentro do tremor a mais de 40 quilômetros de distância.
Na comparação com as usinas em funcionamento no País, os novos reatores brasileiros seriam ainda mais seguros. Há quem discorde. “O Japão está aí mesmo, mostrando que não há limites para acidentes inesperados”, diz Goldemberg.
Colaborou Tatiana Bautzer