15/08/2014 - 20:00
No início da tarde do dia 30 de julho, cerca de 500 empresários almoçavam na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília. Em uma das mesas, havia três representantes de entidades patronais. O tema central da conversa era o desempenho dos dois candidatos da oposição, o socialista Eduardo Campos e o tucano Aécio Neves, que naquela manhã haviam proferido palestras para o setor produtivo – a presidenta Dilma Rousseff participou do evento na parte da tarde. “No gogó, o Eduardo é muito bom”, disse um dos executivos.
“O problema é que ele não tem uma equipe sólida para governar”, afirmou outro. “O Eduardo é um nome forte para 2018, mas o crescimento dele agora é fundamental para viabilizar a candidatura do Aécio”, arrematou o terceiro participante. A troca de impressões testemunhada pela DINHEIRO resume bem o sentimento dos empresários em relação ao ex-governador de Pernambuco, morto na quarta-feira 13, em um acidente aéreo, em Santos, no litoral paulista. Aos 49 anos, Campos, chefe inconteste do PSB, era um jovem político promissor, que vinha conquistando a simpatia e a confiança do setor produtivo para, na pior das hipóteses, pavimentar uma candidatura ainda mais forte em 2018.
A tragédia da semana passada interrompeu essa trajetória de forma abrupta e embaralhou o jogo eleitoral. A hipótese mais provável, segundo os cientistas políticos, é que a ex-senadora Marina Silva, candidata a vice, assuma a cabeça da chapa da coligação. “O PSB não tem uma alternativa melhor”, diz Gaudêncio Torquato, professor de comunicação política da USP. A escolha, aparentemente óbvia e natural, esbarra em intrigas e rusgas internas entre o partido do líder desaparecido e a Rede Sustentabilidade, do grupo de Marina. Campos era o fiador dessa união e a sua ausência pode inviabilizar o compromisso entres as duas partes.
A seu favor, Marina exibe um capital político de quase 20 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010, mas não desfruta da simpatia do empresariado. Ao contrário. No mesmo evento da CNI, a presença da candidata no palco, ao lado de Campos, gerou um certo constrangimento quando o presidenciável falou sobre a necessidade de se ampliar o investimento em infraestrutura – como se sabe, muitos projetos emperram por questões ambientais, uma das principais bandeiras de Marina, que se notabilizou por atrasar uma série de obras importantes ao tempo em que ocupava o Ministério do Meio Ambiente no governo Lula.
A partir de agora, o novo ingrediente da campanha, caso o PSB realmente confirme o nome da ex-senadora, é o chamado “Risco-Marina”, levantado por importantes lideranças empresariais. “Esse risco era controlado pelo Eduardo Campos”, diz um desses personagens. “A Marina será bem-vinda na campanha para garantir a realização do segundo turno, mas será uma persona non grata se representar algum risco de ir ao segundo turno no lugar de Aécio.” Nos próximos dias, sairão as primeiras pesquisas de intenção de votos com as novas cartas do baralho eleitoral.
Com amplo apoio do empresariado – ainda que essa “torcida” muitas vezes seja velada –, Aécio e os assessores do PSDB torcem pela escolha de Marina para que aumentem as chances de um segundo turno. “A perda é irreparável e incompreensível”, disse o tucano na quarta-feira, logo após saber da notícia. Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o País é o grande derrotado. “No momento em que nós precisamos de líderes jovens e competentes, perdemos um dos melhores”, afirma FHC. Do ponto de vista eleitoral, a equipe do PSDB sabe que o grande desafio será conquistar votos no Nordeste, onde Dilma e Campos têm um bom desempenho.
“Por outro lado, a ausência de Eduardo Campos reforça o apoio da classe média e dos empresários a Aécio Neves”, diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp. Para o presidente do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), João Doria Jr., a hipótese de Marina encabeçar a chapa do PSB reforça a possibilidade do segundo turno. “E torna o debate entre os três candidatos mais intenso no primeiro turno”, diz Doria Jr. A trágica notícia também foi recebida com pesar na cúpula petista. “Perdemos um grande brasileiro, um grande companheiro”, afirmou Dilma, que decretou luto oficial de três dias.
“Sempre tivemos claro que nossas eventuais divergências políticas sempre seriam menores que o respeito mútuo característico de nossa convivência.” Para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “o País perde um homem público de rara e extraordinária qualidade”. Não há tema mais delicado numa campanha eleitoral do que as doações privadas. Os empresários evitam ao máximo tocar no assunto, mas, sob condição de anonimato, admitem que a meta agora é “bombar” a campanha de Aécio. No entanto, como a presidenta Dilma ainda é a favorita, o setor produtivo não deixará faltar recursos para a campanha do PT – ninguém quer ficar mal na foto num eventual quarto mandato consecutivo do partido.
Já as doações para Marina, se ela for a candidata do PSB, dependerão do seu desempenho nas pesquisas, nas palavras de um empresário. “As doações para Eduardo Campos tinham um horizonte mais longo, em 2018, que não existe mais.” Publicamente, os empresários se limitam a lamentar a morte de Campos, sem abordar questões políticas. “Líder, jovem, competente, era desses jovens que dão confiança ao Brasil”, afirma Jorge Gerdau, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau. “Brasileiro admirado em todo o País, deixa uma trajetória política vitoriosa e marcada pela competência administrativa” diz Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco.
Para o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, “perdem muito o Brasil e a democracia”. “Guardo comigo a melhor impressão de um homem determinado”, afirma Graça Foster, presidente da Petrobras. Para Guilherme Leal, cofundador da Natura, que foi candidato a vice de Marina, em 2010, o sentimento é de perplexidade. “A morte de Eduardo, um líder jovem, talentoso e apaixonado, com quem tive a oportunidade de conviver nos últimos meses, é uma grande perda para o Brasil”, diz Leal. “Era um político com foco em gestão, que pregava o planejamento e a visão de longo prazo”, afirma Cledorvino Belini, presidente do grupo Fiat na América Latina.
O ECONOMISTA “Precisamos parar de festejar a mediocridade.” A frase foi proferida pelo então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, após tomar conhecimento da taxa de crescimento do PIB em 2013, que foi de 2,5%. Campos deixava claro, na ocasião, que levaria os temas econômicos para o palanque da sucessão de Dilma Rousseff. Sua carreira política, aliás, ganhou projeção na década de 1990, quando foi secretário da Fazenda no governo do avô, Miguel Arraes. Graças à engenhosidade do neto, Arraes teve dinheiro para investir.
Além de ter arrumado as finanças, o jovem político lançou mão de expedientes pouco ortodoxos para arranjar recursos. Um deles foi a emissão de precatórios alimentícios, utilizando a mesma técnica investigada no Escândalo dos Precatórios, que afetou prefeitos e governadores País afora, em 1996. Seu avô saiu ileso do episódio e, em 2003, Campos foi inocentado das acusações de falsidade ideológica e de crime contra o sistema financeiro. Seus sete anos à frente do governo pernambucano foram marcados pela arrancada desenvolvimentista, graças a pesados investimentos federais em obras marcantes como a refinaria Abreu e Lima, da Petrobras.
Campos, contudo, também fez a parte dele ao ampliar os investimentos de R$ 650 milhões, em 2007, para R$ 3,8 bilhões, em 2013. Logo que tomou posse, em 2007, Campos contratou a consultoria de Vicente Falconi para reorganizar a estrutura de gestão do Estado, atitude que chamou a atenção de empresários em todo o País. “Eu sempre comentava com várias pessoas o quanto Campos me impressionava pela sua velocidade na tomada de decisão e mesmo na execução”, diz Hélio Bruck Rotenberg, presidente da Positivo Informática.
O ex-governador também fez mudanças importantes na política de incentivos fiscais para atrair empresas como a Fiat, que está construindo um polo produtivo de R$ 4 bilhões no Estado, e outras gigantes como a P&G, de produtos de higiene e beleza, que viram em Pernambuco uma plataforma produtiva para atender à crescente demanda dos consumidores do Nordeste. A lista inclui ainda outros nomes de peso, como a brasileira Oi (telefonia), a argentina Impsa (aerogeradores), a espanhola Roca (louça e metais sanitários), a americana Mondelez (alimentos) e a Novartis, que está investindo R$ 1 bilhão em uma fábrica de biomedicamentos em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife.
“É uma perda trágica, pois Campos tinha visão executiva, empreendedora, trazendo investimentos para Pernambuco”, diz Adib Jacob, presidente da Novartis no Brasil. Graduado em economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Campos sempre foi, de longe, o presidenciável que abordava com mais familiaridade o tema, e tinha a assessoria de dois respeitados economistas: Eduardo Giannetti da Fonseca e André Lara Resende, que é um dos pais do Plano Real. Na campanha, o pessebista vinha se destacando pelas propostas mais ousadas do ponto de vista social, como o Passe Livre para os estudantes, e do ponto de vista econômico, ao defender a independência formal do Banco Central e a redução da meta de inflação.
“Durante esses dez meses de convivência aprendi a respeitá-lo, admirá-lo e a confiar nas suas atitudes e nos seus ideais de vida”, afirmou Marina, emocionada, horas depois da morte do seu parceiro de chapa. Falta, no entanto, convencer o eleitorado e o PSB de que é capaz de seguir o programa de governo Campos, sem devaneios ambientalistas. “Não tenho certeza se Marina Silva poderá levar adiante as propostas de Campos com tanta maestria”, afirma Francisco Saboya, presidente do Porto Digital, parque tecnológico localizado no Recife, que abriga 250 empresas de TI e de economia criativa. “Mesmo porque a parceria entre eles era, de certa forma, controversa.” É o tal “Risco-Marina”, a nova peça do xadrez eleitoral.
Colaboraram: Fabrício Bernardes, Luciele Velluto e Rosenildo Gomes Ferreira