Se o ano passado foi dedicado a estruturar projetos econômicos para o País, agora é o momento de colocá-los em prática. E se o trabalho de desenhar os planos coube basicamente ao Executivo, o próximo passo depende – e muito – da colaboração do Congresso. Os novos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB, eleitos respectivamente no dia 1º e 4 deste mês, terão pela frente uma extensa agenda econômica, da qual a presidenta Dilma é dependente para entregar o “pibão” prometido. Em seus discursos de posse, os dois novos líderes mostraram-se dispostos a colaborar. 

 

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Discurso afinado: Henrique Alves, líder da Câmara, e Renan Calheiros

(em primeiro plano), presidente do Senado, mostraram-se alinhados

com a pauta econômica do Executivo

 

Ambos assumem os respectivos cargos sob uma grande expectativa em relação a sua capacidade de articulação dentro do Congresso, principalmente do novo presidente do Senado. Denunciado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no Supremo Tribunal Federal, há duas semanas, por crime de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso em 2007, Renan Calheiros também é alvo de um abaixo-assinado com mais de 400 mil assinaturas pedindo sua renúncia do cargo. Eleito pelos seus pares, apesar dos protestos populares, o senador ignorou seus problemas com a Justiça e fez um discurso totalmente alinhado com os interesses do Executivo. 

 

Calheiros defendeu medidas para reduzir a burocracia, e eliminar procedimentos de cartórios e leis que atrapalham o dia a dia e elevam o custo das empresas. “Vamos varrer o entulho burocrático do Brasil”, afirmou. O novo presidente do Senado também prometeu acelerar a tramitação de projetos que há anos estão parados no Legislativo, como a nova Lei de Finanças Públicas, o Novo Código de Ciência e Tecnologia, além da atualização da Lei de Arbitragem, que cria regras para a solução de conflitos fora da Justiça. “Apesar das acusações, seu discurso econômico tem grande importância, pois é de interesse do governo Dilma aprovar várias dessas propostas no Congresso”, diz o cientista político Paulo Kramer, de Brasília. 

 

O professor da Universidade de Brasília, David Fleischer, concorda. “O ex-presidente do Senado, José Sarney, nunca falou de economia”, diz ele. Porém, entre os projetos em tramitação mais urgentes a serem votados, estão a desoneração das folhas de pagamento de vários setores, a unificação em 4% das alíquotas do ICMS, e até o novo marco regulatório do setor portuário. Nos próximos meses, o governo deve, ainda, enviar o novo código de mineração. São medidas que trazem mais segurança jurídica e estímulo aos investimentos privados, aposta o governo. A expectativa de analistas é positiva. “Neste ano não haverá eleições, então há mais tempo para tocar projetos mais complexos ou de difícil consenso”, diz Paulo Kramer. “É uma grande oportunidade para o governo.”

 

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Rejeição popular: mesmo eleito por maioria no Senado, o novo presidente da casa

teve de enfrentar protestos públicos. Um abaixo-assinado com mais de 400 mil

assinaturas pede a renúncia de Calheiros

 

O Planalto deu o recado logo na segunda-feira 4, primeiro dia de sessão conjunta do Congresso. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que, além dos projetos de infraestrutura, o governo vê como prioritária a votação de propostas que simplifiquem ou reduzam tributos. “Esperamos que, em parceria com o Congresso, possamos avançar mais, aprovando novas e importantes medidas para que o Brasil tenha uma política tributária mais favorável ao investimento”, diz um trecho do documento assinado pela presidenta Dilma Rousseff, e entregue ao Legislativo pela ministra. Ao menos no discurso, o presidente da Câmara parece disposto a apoiar o Executivo no esforço de tirar os projetos do papel. 

 

“Este Parlamento não foi feito para enrolar”, disse Henrique Alves, ao apresentar a sua candidatura. Assim como Calheiros, ele também é alvo de denúncias de irregularidades, por uso de verba pública para autopromoção – a denúncia está em julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Apesar das promessas, o esforço para começar o ano votando projetos importantes fracassou na primeira tentativa. O Orçamento de 2013, que não foi apreciado no ano passado, só entrará de novo na pauta no dia 19. O novo orçamento prevê R$ 85 bilhões em desonerações tributárias, R$ 40 bilhões a mais do que no ano passado, dos quais R$ 15 bilhões ainda não têm destinação certa e também precisarão do aval do Congresso quando os setores beneficiados forem definidos.

 

Nunca é fácil, no entanto, convencer 81 senadores e 513 deputados federais do que é melhor para o País ou para a economia. O senador baiano Walter Pinheiro, líder do PT no Senado até o ano passado, acredita que os maiores embates serão travados nos projetos que envolvem as questões federativas, que precisam conciliar os interesses dos vários Estados. Um desses projetos é o que divide, entre Estados de destino e origem do produto, o ICMS cobrado de produtos vendidos online, um mercado que movimentou R$ 24 bilhões e cresceu 29% no ano passado. Hoje, todo o imposto fica com o Estado que vendeu o produto. O Congresso também tem que aprovar uma nova fórmula para repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), com valor estimado em R$ 74 bilhões neste ano. 

 

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Walter Pinheiro (PT-BA): os maiores embates devem ocorrer entre os projetos de âmbito nacional,

como a nova partilha de ICMS no varejo online, ou a divisão de royalties do petróleo

 

“A pauta federativa é muito importante, pois devolve aos Estados a oportunidade de recuperar sua capacidade de investimento”, diz Pinheiro.Entre os assuntos de âmbito nacional, ao menos um ponto é consenso, e deve ter aprovação garantida: o projeto de lei complementar que altera o indexador das dívidas dos Estados e municípios, reduzindo o índice. Uma demanda antiga dos governadores e prefeitos, oferecida pelo governo federal em troca de os Estados e municípios apoiarem o projeto que unifica as alíquotas interestaduais de ICMS em 4%, e acaba com a guerra fiscal. Outro setor que depende de medidas aprovadas pelo Congresso para receber investimentos é o de portos. 

 

Em dezembro, já foi enviada uma medida provisória permitindo que os portos privados movimentem livremente cargas de qualquer empresa – e não apenas próprias, como acontece hoje – e abrindo licitação para operação de todos os portos públicos. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), essa mudança deve reduzir os custos de transporte e aumentar a competitividade da indústria brasileira. “Para nós, é um dos principais projetos deste ano”, diz a diretora de relações institucionais da CNI, Mônica Messenberg. Além da pauta em tramitação, há outros projetos que estão em discussão no Executivo e ainda serão enviados ao Congresso neste ano. 

 

Um deles é o novo código de mineração, que deverá ser enviado ao Legislativo em março, de acordo com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Há, também, o plano, anunciado em dezembro, de investir R$ 7,3 bilhões nos aeroportos regionais, subsidiando as companhias que voarem para destinos menos atraentes. O projeto ainda está em consulta pública, e somente após a discussão com as partes envolvidas, é que o governo vai definir qual o instrumento jurídico terá que utilizar. Seja qual for a escolha, o Congresso precisará dar o seu aval. Mesmo com o clima de parceria demonstrado pelos novos líderes, o Executivo terá alguns abacaxis para descascar. 

 

Um deles é o conflito entre os Estados na briga pela divisão dos royalties do petróleo. Os parlamentares ameaçam derrubar o veto presidencial à mudança imediata das regras, o que anularia também o item que destina à educação as receitas com royalties. Outro abacaxi está nas mãos do ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho. Ele esteve no Congresso na abertura do ano legislativo, já tentando convencer os colegas a rejeitar o projeto que acaba com o fator previdenciário, que reduz o benefício de quem se aposenta antes dos 65 anos. Neste projeto, o governo torce para que ele fique dormindo na gaveta, já que o prognóstico é que, se for ao plenário, terá muito trabalho para barrar a mudança.

 

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