Na terça-feira 29, o Senado aprovou, em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos públicos à inflação do ano anterior. O placar de 61 votos favoráveis – de um total de 81 senadores – demonstrou força do Planalto no Legislativo, em mais uma vitória do presidente Michel Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Os riscos políticos que pesam sobre a economia, no entanto, continuam altos. A votação foi marcada por uma manifestação violenta em frente ao Congresso. Carros foram queimados, placas destruídas e pessoas ficaram feridas.

Os descontentes com a medida se somam a uma massa de 12 milhões de desempregados e contribuem para elevar a temperatura social do País. O caldo vem esquentando com os sinais enviados por parlamentares de que estão mais preocupados em se salvar de eventuais sanções do que contribuir para o País voltar aos trilhos. Uma manobra para desfigurar o pacote anticorrupção, perpetrada na calada da noite de quarta-feira 30, causou revolta de internautas e armou novas manifestações (leia mais aqui). O fato é que a crise nacional é mais profunda e duradoura do que se imaginava.

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, no início de novembro, já tinha acendido um alerta de risco, piorado as projeções para os juros básicos e contaminado as perspectivas de crescimento do Brasil. Os dados mais recentes da atividade econômica mostram que o magnata serve como bode expiatório, mas não o suficiente para escamotear a gravidade dos problemas que já vinham sendo enfrentados internamente. Na quarta-feira, o IBGE divulgou a sétima retração seguida do PIB, com queda de 0,8% no terceiro trimestre, e escancarou o quadro de fragilidade da economia.

Após quase três anos mergulhados num cenário devastado, empresários, trabalhadores e consumidores voltam a se perguntar: quando o País finalmente sairá de uma das piores recessões da história? Diante dos novos dados, é certo que a recuperação será mais lenta e foi atrasada em dois trimestres, pelo menos. A virada da confiança, combinada a dados positivos no meio do ano, vinha sustentando a expectativa de que a recessão pudesse ficar para trás nos três meses encerrados em setembro.

Assim, subiam também as projeções para o próximo ano – o Boletim Focus, que reúne cálculos de uma centena de analistas, atingiu o pico em setembro, com previsão de alta de 1,36% do PIB em 2017, enquanto o governo projetava 1,6%. Mas havia um alçapão no fundo do poço. Agora, muitos economistas sugerem um quarto trimestre ainda negativo e, quem sabe, uma estabilidade ou leve incremento da atividade no início do ano que vem. “O PIB trouxe a confirmação de uma grande frustração da indústria e dos investimentos.”, afirma Rodolfo Margato, economista do Santander.

Segundo ele, a atividade deve recuar 0,2% nos últimos três meses e crescer até 0,5% no primeiro trimestre de 2017. Para o Bradesco, o quadro ainda é frágil e deve levar a um tombo de 0,7% no final do ano. O banco prevê uma retomada a partir do início do ano que vem, até alcançar um avanço de 0,9% nos últimos três meses de 2017. Enquanto um grupo mais otimista, como o Itaú Unibanco, não descarta a hipótese de uma estabilidade já no quarto trimestre, os mais pessimistas enxergam risco de que a virada seja postergada apenas para o segundo semestre de 2017.

É consenso, porém, que um avanço mais robusto só se dará a partir de julho do ano que vem. Há ainda um efeito estatístico que contamina as previsões para o dado fechado do próximo ano. A recessão de mais de 3% prevista para 2016 deixará um impacto negativo de até 0,7%. Isso significa que, se não houvesse crescimento em nenhum trimestre de 2017, o PIB final mostraria uma queda de 0,7%. Uma onda de revisões foi deflagrada entre as principais consultorias e bancos do País após o IBGE divulgar a queda de 0,8% no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior. “O grau de convicção dos analistas está sendo testado”, afirma Igor Velecico, economista do Bradesco, que reduziu a expectativa de PIB de 1% para 0,3% em 2017.

Se a crise política não se agravar, uma retomada moderada no ano que vem será sustentada por fatores como a queda tímida dos juros, a redução dos níveis de estoques em alguns setores, a diminuição no nível de endividamento e uma inflação mais branda, convergindo para o centro da meta, de 4,5%. O investimento, uma das principais fragilidades e âncoras da recessão até agora, deve finalmente reagir. Segundo o Bradesco, a alta pode chegar a 2,5% em 2017. Contribui para o número positivo a fraca base de comparação, após uma queda de 28% desde o início da crise – o nível da Formação Bruta de Capital Fixo (FBPC), a medida de investimento do PIB, regrediu 13 anos no terceiro trimestre.

Os empresários devem voltar a mobilizar recursos aos parques fabris e em novos projetos à medida que o custo do dinheiro (taxa de juros) diminua e que esmaeça o temor de que a economia desandará, o que depende, em boa medida, da capacidade do governo em avançar com a agenda de reformas. “Aumentou a confiança, mas vai depender do que vai acontecer nos próximos meses”, afirma Rafael Cervone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). “A crise política pode retardar as reformas e a economia não pode mais esperar.”

No setor têxtil, os dados positivos são a redução dos estoques no varejo e a queda de quase 50% na importação, com o câmbio mais alto. A expectativa é de uma retomada da produção em 2017, de 1,2%, com uma recuperação do emprego, após três anos seguidos de queda. A retomada do investimento ainda é vista com cautela, tanto pelo nível de ociosidade presente nas fábricas, próximo a 20%, como pela conjuntura. “Ninguém vai voltar a investir sem ter uma certa previsibilidade”, afirma Cervone. Com o esgotamento do consumo, o investimento era apontado como a principal aposta para liderar a recuperação da economia.

A alta dos índices de confiança, na esteira do impeachment da presidente Dilma Roussef, em maio, vinha sugerindo um possível retorno dos aportes, mas esse movimento perdeu força. “A confiança não se sustenta para sempre”, afirma Rafael Bistafa, da Rosenberg Associados. “Precisa ser corroborada por algum crescimento.” Nos próximos meses, a sustentação dos indicadores de confiança deverá ter duas fontes centrais: o avanço da agenda de ajuste e a evolução do programa de concessões e privatizações.

Na quarta-feira, o governo anunciou as regras da primeira rodada do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), com a venda prevista dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. O leilão, marcado para março de 2017, pode render, ao menos, R$ 3 bilhões aos cofres públicos. No mesmo dia, a compra da Celg (distribuidora de energia de Goiás) pela italiana Enel, por R$ 2,18 bilhões, mostrou maior apetite do mercado por ativos públicos. A primeira tentativa de venda, em agosto, havia sido cancelada por falta de interessados. Para Bistafa, outra fonte adicional de crescimento seria uma agenda microeconômica, que poderia ser tocada em paralelo às grandes reformas em curso.

O economista Francisco Pessoa, da LCA Consultores, destaca o distanciamento dos políticos num momento em que os brasileiros, que estão sendo chamados a contribuir com o ajuste fiscal, gostariam de ver coerência deles e maior eficiência do gasto público. “Eles estão conseguindo a mágica de unir mortadelas e coxinhas para colocá-los nas ruas”, afirma Pessoa, se referindo, respectivamente, aos apelidos de petistas e tucanos.

A instabilidade política integra o que ele classifica de “cascas de banana” no caminho para a previsão de crescimento a partir do primeiro trimestre de 2017. Os riscos incluem ainda uma surpresa negativa na cena externa, que tem como principal protagonista o presidente eleito dos Estados Unidos. O fator Trump surgiu como ameaça para a velocidade da redução dos juros, uma das variáveis com maior potencial de injetar ânimo na combalida economia brasileira.

JUROS NA LUA Em meio a um imenso dilema – priorizar o centro da meta de inflação (4,5%) ou reanimar a economia – o Banco Central optou por cumprir a sua missão mandatária de controle dos preços. Na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, reduzir os juros básicos de 14% para 13,75% ao ano. Foi o segundo corte seguido de 0,25 ponto percentual, num ritmo lento que não condiz com a gravidade da recessão e mantém o Brasil no topo da lista dos países com o maior juro real do mundo.

O andar extremamente cauteloso do BC engrossou o coro de críticas do setor produtivo. “Ao optar por cortes de 0,25 p.p., o Banco Central sabota a retomada de crescimento da economia, condenando-a à estagnação para os próximos anos e produzindo a ampliação no número de desempregados” afirma Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele e os 12 milhões de desempregados têm razão ao criticar o “estilo falcão” dos membros do Copom. A exemplo da indústria, os setores ligados ao comércio e aos serviços vêem com preocupação essa postura do BC. “Há um preciosismo exagerado em buscar o centro da meta já em 2017”, diz Carlos Thadeu de Freitas, chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

“O Banco Central corre o risco de transformar uma recessão numa depressão econômica.” Freitas salienta que os preços vão cair ainda mais na virada do ano por causa das liquidações do comércio, da redução da tarifa de energia e da boa produtividade da safra agrícola. Em comunicado, o Copom enfatiza que “o processo de aprovação e implementação das reformas e ajustes necessários na economia é longo e envolve incertezas”. As incertezas políticas, no entanto, não deveriam prevalecer sobre o atual ambiente recessivo, diz o embaixador Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Real.

“Há muita prudência com juro real chegando a 8% numa economia prostrada”, afirma Ricupero à DINHEIRO. “É uma loucura. É um excesso de cautela, para não dizer medo.” As cobranças são naturais depois de um ciclo tão prolongado de prostração. “Difícil falar a quem está há meses na UTI para esperar mais um pouco”, diz Fabio Pina, da Federação de Comércio, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomercio-SP). Esta é, sem dúvida, uma das mais profundas e duradouras crises da história. Entre as explicações, estão o caráter difundido por diversos setores, o impacto brutal no mercado de trabalho, a falência fiscal e o alto endividamento privado.

Tudo isso permeado por choques de ordem política. O mesmo diagnóstico corrobora a convicção de que estamos próximos da inversão de ciclo. Na prática, é dizer que chegou um ponto em que não há mais como postergar decisões como a reposição de uma máquina de lavar em casa ou de um equipamento numa fábrica. “Tanto a história brasileira como a história econômica mostram que há ciclos”, diz Pessoa, da LCA. “A pergunta agora é: por que não cresceria?” O problema é que a tempestade deixou um rastro de destruição difícil de ser recomposto. “Só voltaremos aos níveis de 2010 por volta de 2021, 2022”, diz Pina. “Se imaginarmos que outros países crescerão no período, é uma década perdida.” Lamentável.

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Leia a entrevista com o embaixador Rubens Ricupero