27/02/2015 - 20:00
A Operação Lava Jato da Polícia Federal, que investiga casos de corrupção em contratos da Petrobras, ameaça tirar o chão do setor de infraestrutura brasileiro. Antes mesmo do fim das investigações, as empreiteiras envolvidas no escândalo já estão sentindo no bolso o peso da Justiça. Em maior ou menor grau, todas enfrentam dificuldades em suas operações. Mas para o quarteto formado por OAS, Mendes Júnior, UTC e Engevix, no entanto, o cenário é desanimador e elas já flertam com uma possível recuperação judicial.
Consideradas até bem pouco tempo atrás como “intocáveis”, essas empresas enfrentam, neste momento, dois grandes desafios: enfrentar as possíveis punições pelos crimes dos quais são acusadas e reinventar-se para atuar diante de novas regras de mercado e da entrada de competidores. Considerada a maior operação contra corrupção empresarial da história do Brasil, a Lava Jato deixou o setor de construção tão firme quanto um prego na areia. Ela envolve nada menos do que as seis maiores empreiteiras brasileiras, além de outras menores, mas não menos relevantes.
Cálculos da consultoria financeira Tendências apontam que as obras sob responsabilidade dessas empresas respondem por 2,8% do PIB nacional. Os projetos incluem oito dos dez maiores empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como as hidrelétricas de Belo Monte e de Santo Antônio, na Amazônia, a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Ferrovia Norte-Sul. Elas também respondem por obras regionais, como o Rodoanel, na Grande São Paulo, e o monotrilho, na zona sul da capital paulista. “O efeito disso para a economia é, evidentemente, negativo”, afirma Alexandre Andrade, economista da consultoria GO Associados.
“O escândalo está abalando a confiança dos investidores, o que pode deixar o Brasil em segundo plano e dificultar o financiamento das empresas.” O caso da baiana OAS é o mais emblemático. A terceira maior construtora brasileira estaria tentando vender ativos para sanar suas dívidas de curto prazo, que somam, segundo a agência de classificação de risco Fitch, R$ 1,5 bilhão. O montante corresponde a mais da metade do seu caixa, que era de R$ 2,4 bilhões no ano passado. Entre os ativos que estariam à venda figuram a participação na Invepar, grupo que concentra 12 concessionárias de serviços públicos nas áreas de rodovias, aeroportos e transporte público, além de participações da empresa em estádios de futebol, sua divisão de soluções ambientais e seus quatro jatinhos executivos.
De acordo com a Fitch, uma possível negociação de ativos daria mais fôlego para a empresa honrar seus compromissos. A derrocada da companhia se refletiu diretamente na fortuna de seu fundador, o empresário baiano César Mata Pires. Há um ano, ele entrara para a lista de bilionários da agência de notícias Bloomberg, que estimou sua fortuna em US$ 7 bilhões. Na semana passada, Mata Pires deixou o seleto clube e, a exemplo de Eike Batista, voltou a ser um simples milionário. Em nota, a OAS afirmou que todas as suas operações estão sendo executadas de forma normal.
As dívidas se tornaram um pesadelo também para a Mendes Júnior, que enfrenta o maior endividamento entre as envolvidas na Lava Jato. Ao final do segundo semestre do ano passado, a empreiteira mineira tinha R$ 50 milhões em caixa. O valor só é suficiente para pagar menos de um terço dos compromissos de curto prazo da empresa. No início de fevereiro, um fornecedor pediu sua falência por conta de uma dívida de R$ 2,2 milhões. A Engevix também enfrentou problema semelhante. No final do ano passado, a Locar, empresa de aluguel de máquinas e guindastes, entrou com um pedido de falência da companhia de engenharia.
O débito em questão, de apenas R$ 895 mil, no entanto, foi regularizado e o pedido retirado. José Antunes Sobrinho, um dos três sócios da Engevix, defendeu recentemente um acordo de leniência com a Controladoria Geral da União. Segundo ele, por conta das investigações, as construtoras estão praticamente sem crédito. “Minha meta, hoje, é sobreviver”, afirmou o empresário. “Se não tivermos nenhum ponto de apoio, como vamos nos levantar?” A falta de pagamentos da Petrobras estaria, de acordo com as empreiteiras, no centro da crise. A Galvão Engenharia, por exemplo, alega que teria para receber da estatal R$ 1 bilhão, referente ao contrato do consórcio UFN3, para a construção de uma unidade de fertilizantes na cidade de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul.
Em dezembro, a Petrobras rescindiu o acordo, cujo valor inicial era de R$ 3,1 bilhões, alegando falta de pagamento a fornecedores. A Galvão alega, no entanto, que realizou 80% das obras, sem receber o valor integral pelo trabalho. Ao mesmo tempo, os aditivos ao contrato não teriam sido pagos. A Petrobras, de fato, não vem aceitando pagar esses extras, que são adicionados ao projeto básico em virtude de alterações nas plantas. Segundo um executivo do setor, que pediu anonimato, os aditivos são uma grande fonte de receita para as empreiteiras.
Ele afirma que a companhia presidida por Aldemir Bendine não vem deixando de honrar compromissos firmados. Valores além do estabelecido nos projetos iniciais, no entanto, estão congelados. Enquanto isso, as empreiteiras tentam se virar como podem. Um fornecedor da UTC afirmou que a empresa não vem pagando tudo, mas tem se mostrado aberta ao diálogo e vem renegociando contratos. Outro fornecedor diz que a maior dificuldade é saber com quem falar nas empresas. “Muitos executivos foram demitidos, saíram ou estão presos”, afirmou o empresário, que não quis se identificar.
Na visão do presidente da Constran, que faz parte do grupo UTC, o ex-ministro dos Transportes e Comunições no governo Collor João Santana, o governo está usando a Lava Jato para deixar de pagar as empresas, mesmo se o contrato não for com a Petrobras. Ele alega que sua empresa tem dinheiro a receber desde outubro. O maior risco para o Brasil é a paralisação das obras de infraestrutura por falta de empreiteiras. As companhias envolvidas na Lava Jato responderam por cerca de um terço dos R$ 112 bilhões do faturamento somado das 500 maiores construtoras do País, em 2013, segundo o Ranking da Engenharia Brasileira, da revista O Empreiteiro, especializada no setor.
Recorrer a empresas internacionais do setor pode ser uma saída, mas não a curto prazo. Isso porque praticamente não há empresas do ramo de construção estrangeiras atuando por aqui. Entre as 20 maiores empreiteiras do País, apenas uma, a alemã Hochtief, controlada pelo grupo espanhol ACS, não tem capital nacional. Mesmo assim, a última vez que ela entrou em uma licitação do governo foi no final da década de 1960, quando participou da construção da primeira linha de metrô de São Paulo. Procuradas, Engevix, Galvão Engenharia e UTC não quiseram se pronunciar. No caso da Mendes Júnior, nenhum porta-voz foi encontrado.
Colaboraram: Paula Bezerra e Gabriel Baldocchi