Em cartaz nos cinemas, o filme “Enquanto somos Jovens” de Noah Baumbach, aponta uma possibilidade de encontro das gerações X e Y. O casal quarentão vivido por Ben Stiller e Naomi Ben Stiller e Naomi Watts tenta se reinventar a partir de um olhar mais aberto para a jovem dupla de amigos ‘Y’, formada por Adam Driver e Amanda Seyfried, adotando alguns de seus hábitos, como andar de bicicleta ou usar roupas compradas em brechós. No entanto, passado o encantamento inicial, ficam explícitas as dificuldades de convivência entre tribos tão diferentes. Esse drama, presente no dia a dia da sociedade, também se reproduz no mundo corporativo. Por um lado, como lembra o consultor paulista Sidnei Oliveira, 53 anos, da Sidnei Oliveira & Associados, especialista em conflitos geracionais empresariais, a geração X, produtiva e que ainda está a todo vapor, não dá espaço para os mais jovens se desenvolverem. Por outro, a turma que nasceu nos anos 1980, acostumou-se a ser supermimada e valorizada, num cenário de crescimento econômico, enfrenta agora sua primeira grande crise e não sabe bem como reagir. “A crise atual no Brasil poderá criar as cicatrizes que a geração Y necessita para amadurecer”, afirma Oliveira, que tem em seu portfólio clientes como Gerdau, Vale, Petrobras e International Paper, entre outros.

DINHEIRO – Por que o conflito das gerações X e Y está tirando o sono dos empresários?
SIDNEI DE OLIVEIRA –
 A sucessão é uma atividade necessária em qualquer empresa, de qualquer ramo e cultura. O aumento da expectativa de vida criou um cenário no qual os mais velhos, que desenvolveram novas competências, levam mais tempo para sair de cena. Numa cadeia de sucessão contínua, sempre o mais veterano saiu para o mais novo entrar. Nunca havia acontecido um cenário como o atual, onde o veterano não sai e o jovem que entra não encontra um ambiente propício para ser desafiado.

DINHEIRO – Na prática, o que acaba acontecendo?
OLIVEIRA – 
O veterano ainda está jogando e muito bem. Os jovens da chamada geração Y, com até 30 anos, não se desenvolvem. Cria-se um fator de grande preocupação: a não retenção. Por ser mais imaturo, esse jovem não entrega resultados, se desanima e vai embora. O mais comum, hoje, é a empresa depender dos mais veteranos, sem ter o estoque de gente para sucedê-los.

DINHEIRO – E, num momento em que é preciso inovar, como isso se agrava?
OLIVEIRA – 
A empresa vai procurar na estrutura alguém que possa suceder os mais velhos e não acha. Ou não acha pronto, preparado. A rotatividade dos profissionais mais jovens aumentou de tal maneira que as empresas nunca têm gente capacitada para assumir postos de comando. E quando eles vão embora, a empresa nunca tem alguém num nível de maturidade suficiente. Os jovens não ficam no trabalho o tempo suficiente para amadurecer.

DINHEIRO – Há um exemplo recente ocorrido em alguma empresa no Brasil?
OLIVEIRA –
 Há um caso recente numa importante siderúrgica brasileira. A taxa de rotatividade dela saltou de 3% por ano para 9%. Uma empresa siderúrgica leva em torno de cinco anos para formar um profissional – no varejo, esse processo é mais rápido. Percebemos que o índice de pessoas acima de 30 anos que pediram demissão se mantinha em 3%, como sempre aconteceu historicamente. Já o índice de rotatividade de pessoas abaixo de 30 anos estava em 30%. 

DINHEIRO – E eles resolveram o problema?
OLIVEIRA – 
Programamos uma aceleração na hora de escolher pessoas para assumir os cargos de liderança. Começaram a criar filtros para considerar na hora da escolha dos líderes, independentemente da idade. Buscou-se um conjunto de fatores como relacionamentos, resultados e competências. Ali ocorreu um conjunto de 48 mudanças de gestão. Detalhe: só no ano passado, foi definitivamente implantado. Porque houve resistência da cultura. 

DINHEIRO – No seu currículo consta que o sr. já assessorou a Vale, a Gerdau. Esse exemplo é da Gerdau?
OLIVEIRA – 
Você acabou acertando por eliminação. Mas eles já avançaram muito. Isso aconteceu, há cinco anos, em 2010. E eles estão fazendo grandes mudanças. Não na velocidade que gostariam, mas na que é possível.

DINHEIRO – O que esse problema significa, em longo prazo?
OLIVEIRA –
 Ao perder estoque de renovação de quadros, isso se torna uma bomba relógio depois de cinco, dez anos. Se você não mantém jovens na empresa, a companhia vai ficando mais veterana, envelhece. Há empresas, hoje, em que a idade média dos líderes está acima de quarenta anos.

DINHEIRO – O jovem recém-saído da faculdade, com 25 anos de idade, tem paciência para esperar 10 anos para ser um líder, um gestor?
OLIVEIRA –
 Essa é a prática que ele acaba enxergando. Desmotivado, vai embora. Para a empresa, isso significa perder profissionais formados internamente, obrigando-a sempre a recorrer ao mercado. A rotatividade, que disparou nos últimos cinco anos, é um dos indicadores de gestão mais vigiados por uma companhia. O fator principal é a expectativa dos jovens. Não dá para ficar concedendo só aumento de salário. É preciso trabalhar a motivação.

DINHEIRO – O que motiva os jovens? Como o sr. define esses anseios da geração Y?
OLIVEIRA – 
A motivação do jovem é sempre crescer. O jovem de hoje, em geral, é superficial, o que faz dele alguém sem muito foco, que se distrai à toa, está numa direção e vira para a outra com facilidade. Ele descarta o caminho necessário para alcançar coisas mais profundas. Ele é excessivamente ansioso. Quer chegar lá sem ter passado por todas as etapas que uma trajetória exige. Em algum nível, soa no discurso dele uma certa arrogância e autossuficiência. Comparando com outras gerações, o jovem da Y é bem mais imaturo. Ele foi menos exposto. 

DINHEIRO – E como se corrige isso? 
OLIVEIRA –
 Mudando o papel dos veteranos. A empresa já tem na mão o fluxo das pessoas que entram e das que saem. Você usa o fluxo e prioriza o mais jovem, segundo alguns critérios de garantia de competência. O desafio envolve uma dose de risco. Há um grau aceitável de erros numa empresa, desde que você transforme esses erros em oportunidades e aprendizado. Isso é mudança de modelo mental. Nessa siderúrgica que citei, havia a regra de que ninguém podia namorar com colegas de trabalho. Também não podia ter parentes em nível nenhum. Tem de mudar isso? Tem. Porque as pessoas se relacionam. Não adianta manter uma regra tão rígida. Você, então, precisa ir mexendo em regras que não se explicam racionalmente, mas se explicam culturalmente.

DINHEIRO – Na sucessão familiar das empresas, como os conflitos das gerações X e Y aparecem? 
OLIVEIRA –
 No Brasil, isso está acontecendo de uma maneira mais intensa agora. Com trinta ou quarenta anos de existência, a empresa ainda tem seu fundador na ativa. E os herdeiros netos, que são a geração Y, já gozaram de um privilégio. A empresa tinha solidez, seus pais já estão trabalhando nela há anos. Esses jovens estudaram, mas não encontram espaço para atuar nela. Aí, eles entram em conflito com duas gerações, a do fundador e a do pai, que é da geração X. Tenho trabalhado com três empresas na dimensão de formar sucessores, fazendo a mentoria dos netos. Eu trabalho há um ano e meio com a Barralcool, uma usina de açúcar e álcool. Os netos estão com idade entre 27 e 35 anos. Um deles já assumiu a gerência financeira, subordinado ao pai, que é o diretor todo poderoso da área. É quase uma terapia familiar. Mas é um processo negociado. Num primeiro momento não havia delegação. O pai concentrava tudo, porque achava que o filho não daria conta. Mas o filho já era formado, diligente no trabalho e tinha 33 anos, era casado, com filhos. Em outras empresas, ele estaria trabalhando bem como gestor.

DINHEIRO – Como foi esse trabalho de conscientização para a primeira geração largar o osso?
OLIVEIRA –
 O avô me contratou e disse: “Meus netos não se envolvem no negócio.” Eu, então, fui conversar com os netos e descobri que o problema começava no avô. Fizemos um trabalho com o avô, depois com os pais e só depois chegamos nos netos, que diziam: “a gente quer entrar no negócio, mas eles não deixam.”

DINHEIRO – Curioso isso estar acontecendo na era do Facebook, criado por Mark Zuckerberg, um jovem Y. 
OLIVEIRA – 
Isso acontece em todas as épocas. Steve Jobs, há 30 anos, era um Mark Zuckerberg. Bill Gates foi também. Há 100 anos, Rockefeller era precoce quando se notabilizou. O Zuckerberg não é nem de longe o espelho da geração dele. Ele era um nerd, muito focado em ficar milionário. Ele queria isso, tendo inclusive os esbarrões éticos de comportamento. O Facebook não surgiu só pelo Zuckerberg. Surgiu por um conjunto de pessoas que fizeram a coisa acontecer.

DINHEIRO – Como as empresas podem buscar a renovação com os mais jovens?
OLIVEIRA – 
As empresas precisam desse frescor. Os veteranos estão sobrecarregados. Mas o jovem também precisa abandonar essa atitude arrogante do tipo “arruma a empresa para eu entrar”. Ele tem de entrar, e dentro da empresa, arrumá-la. O discurso costuma ser esse: me dá espaço para trabalhar. Como mentor, eu digo, cave você o espaço. A turma que está no mercado não vai dar espaço. Agora, entra aqui e ajuda a mudar. Convence a gente de que vai ser melhor. Esse jovem não precisou lidar com muita dor. Por isso, não tem muita noção das consequências, ou acha que vai resolvê-las. Os jovens da geração Y têm de ter um pouco de cicatriz e aprender com ela.

DINHEIRO – A crise no Brasil mexe ainda mais nesse cenário?
OLIVEIRA –
 A crise é ruim porque todos sofrem as consequências. Mas, olhando pela lente dos jovens, a crise é ótima porque é uma cicatriz. Nos últimos cinco ou 10 anos, o Brasil passou por um crescimento econômico, em parte fruto de direcionamentos que o governo deu. Isso transferiu para os jovens uma sensação de que eles são absolutamente donos da verdade. Ou seja, se eu perder este emprego, arrumo outro. A crise está ajudando o jovem de até 30 anos a se dar conta de que não é bem assim. Ele percebe que pode ficar sem emprego, sem dinheiro. Não terá mais ninguém dando tanto suporte a ele. A crise será boa para a geração Y aprender um pouquinho. 

DINHEIRO – As empresas estão dando menos espaço a esses jovens?
OLIVEIRA –
 As empresas não, as pessoas. As empresas até gostariam de dar mais espaço porque o jovem é mais barato que o veterano. O problema é que os veteranos da geração X se tornam insubstituíveis num nível em que a empresa percebe que não pode abrir mão deles. Algumas empresas estão trazendo veteranos de volta porque os jovens não dão conta. No ramo de engenharia, há contratações de veteranos a rodo, no Brasil. É gente com mais de 60 anos voltando ao mercado. Isso tem sido difundido com o nome de desaponsentadoria. A pessoa já se aposentou, mas voltou para o mercado de trabalho. Tudo isso está mudando a sociedade, porque a expectativa de vida aumentou, o que faz com que os veteranos não saiam tão rapidamente do mercado de trabalho e mude completamente a configuração do processo sucessório.