08/07/2016 - 20:00
Poucos setores passaram imunes à crise. Raros ganharam com ela. Um deles foi o de programas de fidelidade. O número de pessoas cadastradas saltou de 58,7 milhões, em 2014, para 79,7 milhões, em 2015, um crescimento de 20%. O faturamento aumentou 27,1%, atingindo R$ 5 bilhões. Esse desempenho aconteceu em meio a uma das maiores recessões desde a década de 1930 no Brasil. O que explica essa contradição? “A crise nos ajudou”, diz Roberto Medeiros, presidente da Multiplus, maior empresa do setor, e da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), que reúne também Smiles, Dotz, Netpoints e LTM. Na visão do executivo, muitas pessoas começaram a ver amigos fazendo resgates sem desembolsar nada e resolveram aderir aos programas de fidelidade. “Os varejistas do nosso ecossistema foram também mais agressivos em suas promoções”, diz Medeiros. Nesta entrevista, ele fala também da competição com os bancos e analisa as principais tendências do mercado de fidelização. Acompanhe a entrevista:
DINHEIRO – No ano passado, quando o PIB caiu 3,8%, as empresas de fidelidade aumentaram suas receitas, o lucro e a quantidade de clientes cadastrados. Não há crise neste setor?
ROBERTO MEDEIROS – Esse setor tem uma penetração muito baixa na população. Estamos falando de 10% da população brasileira. Por esse motivo, estamos crescendo independentemente da variável macroeconômica. Nos últimos 18 meses, sentimos que o número de pessoas que aderiram aos programas de fidelidade aumentou muito.
DINHEIRO – A crise, então, foi boa para o setor de fidelidade?
MEDEIROS – A crise nos ajudou de duas formas. Muitas pessoas começaram a ver amigos fazendo resgates sem desembolsar nada e resolveram aderir aos programas de fidelidade. Os varejistas do nosso ecossistema foram também mais agressivos em suas promoções.
DINHEIRO – Até onde dá para crescer? É possível comparar com países já maduros no uso de programas de fidelidade?
MEDEIROS – Se observarmos a Inglaterra ou o Canadá, a penetração atinge de 30% a 40% da população. São países que têm uma história muito mais longa nesse segmento. Vamos imaginar que podemos chegar a 40%. Portanto, dá para quadruplicar a base atual.
DINHEIRO – Quanto tempo vai demorar para atingir essa penetração de 40%?
MEDEIROS – Se continuarmos crescendo em média 20% por ano, deve demorar 10 anos. Agora, acredito que vamos conseguir aumentar nossa base em uma velocidade maior e atingir esse crescimento antes.
DINHEIRO – A Multiplus surgiu de uma costela da companhia aérea TAM, hoje Latam. A Smiles, da Gol. Hoje, elas valem mais do que suas empresas-mãe na Bolsa de Valores. O que explica essa valorização dos programas de fidelidade?
MEDEIROS – Se olharmos as estruturas das empresas de fidelidade, elas são todas muito mais enxutas que uma companhia aérea, em quantidade de ativos, de pessoas, de despesas e de investimentos. Elas são também muito mais nervosas. Nosso dia a dia é de quem está com a barriga no balcão. Todo dia tem alguém resgatando e acumulando pontos ou algum parceiro que está entregando algum produto ou serviço. Na companhia aérea, as coisas são muitos maiores, assim como o investimento. Por outro lado, não existimos sem uma companhia aérea. É uma ingenuidade achar que um dia os nossos participantes se motivarão para resgatar apenas produtos não aéreos. Ele é muito vantajoso e é um objeto de desejo.
DINHEIRO – As viagens aéreas são o principal atrativo para o resgate dos pontos?
MEDEIROS – Hoje, representam 80% dos resgates. Do acúmulo de pontos, 35%.
DINHEIRO – Qual o principal meio de acúmulo de pontos?
MEDEIROS – O cartão de crédito vem em primeiro lugar. Depois, as companhias aéreas. O varejo já representa quase 20%
DINHEIRO – Qual a relação ideal?
MEDEIROS – Até para a sanidade da indústria, deveria ser um terço em todos os setores.
DINHEIRO – Hoje, há quatro empresas que dominam o mercado de fidelidade no Brasil: a Multiplus, a Smiles, a Dotz e a Netpoints. O Bradesco e o Banco do Brasil acabaram de lançar a Livelo, que nasce com 10 milhões de clientes. Há espaço para um novo concorrente?
MEDEIROS – Acredito que há espaço para mais competidores. Como disse, a penetração do setor de fidelidade ainda é muito baixa. Mas não sei se os 10 milhões que estão na Livelo são compulsórios. Afinal, basta ter um cartão de crédito Bradesco ou Banco do Brasil para que os pontos se transformem automaticamente em Livelo. Não sei também se essas pessoas são de fato participantes do programa da Livelo ou se estão lá para ser um caminho para ir para a Multiplus ou outros programas. O que posso dizer é que, mesmo com a criação da Livelo, recebemos pontos Multiplus vindos da Livelo.
DINHEIRO – Além do Bradesco e Banco do Brasil, o Itaú conta com o Programa Sempre Presente e o Santander, com o Esfera. Os bancos podem se transformar em grandes concorrentes dos programas de fidelidade?
MEDEIROS – Na verdade, eles já são em várias ocasiões. E eles têm um histórico de atuar nesse setor. O que os bancos não têm? Em primeiro lugar, o negócio central deles é ser banco, ao contrário do nosso. Acordo todo dia pensando no que posso fazer de melhor para o nosso participante. Os bancos vão atuar ainda mais nessa área e a empresa que terá mais sucesso é aquela que entender o comportamento do consumidor.
DINHEIRO – Mas a atuação dos bancos não é uma ameaça? Afinal, a maioria dos pontos dos programas de fidelidade são conquistados através de cartões de crédito?
MEDEIROS – De fato. Mas isso já vem diminuindo percentualmente por dois motivos. Primeiro por conta do dólar que subiu muito. E dólar alto significa menos pontos. Segundo: o varejo está crescendo, pois geramos vendas na loja ou no site de comércio eletrônico.
DINHEIRO – Por essa razão é importante para as empresas de fidelidade aumentar a participação do varejo?
MEDEIROS – Não tenha dúvida. É o que estamos fazendo. O varejo, incluindo a área de serviços, vem crescendo muito e nos ajuda a reduzir a dependência dos bancos. No entanto, os bancos ainda serão muito importantes.
DINHEIRO – Globalmente, as companhias aéreas fizeram uma separação de suas áreas de fidelidade, criando empresas abertas na Bolsa de Valores. A Azul está próxima de fazer o mesmo com o TudoAzul, o seu programa de fidelidade. Empresas da área de varejo como Pão de Açúcar ou Ipiranga podem seguir o mesmo caminho?
MEDEIROS – Não acredito. Nos mercados mais maduros, isso não aconteceu. Há sempre um programa de coalizão com a presença de um banco, de uma companhia aérea, de uma rede de supermercado ou de uma rede de alimentação. Isso é o que ancora um programa de coalizão de sucesso.
DINHEIRO – Um novo ramo de negócio para o setor seria explorar o big data?
MEDEIROS – Lógico. Se você tem um cartão Multiplus, sei em que banco você tem conta, qual cartão usa, se você viaja ou não a trabalho e quais produtos comprou dos nossos parceiros. Com esse quebra-cabeça, faço um e-mail marketing com alta propensão de que você compre um produto.
DINHEIRO – Mas a Multiplus já ganha dinheiro com isso?
MEDEIROS – Ainda não. Mas, no futuro, podemos desenvolver um negócio que explore o big data.
DINHEIRO – O que impacta mais esse setor: o dólar alto, a inflação alta ou a queda do PIB?
MEDEIROS – É o dólar alto, pois a conversão da fatura do cartão de crédito é em reais. Além disso, 40% dos pontos resgatados são para voos internacionais, que é um enorme objeto de desejo do Brasil. O dólar no patamar de R$ 4 nos machuca bastante. O dólar na faixa dos R$ 3,20 é muito mais palatável.
DINHEIRO – Estima-se que quase 20% dos pontos acumulados pelos consumidores não sejam resgatados. Em dinheiro, isso significa algo como R$ 1 bilhão que as empresas levam para os seus cofres sem custo nenhum. Isso é bom para as empresas, não?
MEDEIROS – Isso é muito ruim. Imagine um programa de fidelidade em que as pessoas acumulam, acumulam, acumulam, mas não resgatam. O que vai acontecer? Cai no esquecimento. Os programas de alguns hotéis são um bom exemplo. Você acumula, mas não consegue gastar, porque sempre precisa de mais pontos quando for fazer uma nova reserva. Em mercados mais maduros, o número de pontos que não são resgatados está em 14% e 15%. Estamos chegando lá.
DINHEIRO – A associação está trabalhando numa autorregulamentação do setor, estabelecendo regras mínimas de tempo para expiração de pontos, entre outras questões?
MEDEIROS – Temos conversado bastante sobre isso. Pretendemos criar uma autorregulação até para dar tranquilidade aos consumidores. Hoje, há um projeto de lei, que foi discutido conosco, nos quais os pontos que vêm de companhias aéreas terão validade mínima de três anos e de todas as demais fontes de, pelo menos, dois anos.
DINHEIRO – Como o senhor está avaliando a economia com a administração Meirelles e Temer?
MEDEIROS – Do ponto de vista técnico, o Meirelles é supercredenciado. Ele tem um histórico excepcional na iniciativa privada e no governo. Eu estou otimista de que ele vai fazer a coisa correta. Do ponto de vista político, o Temer quer que o Brasil cresça e gere emprego. Isso é positivo.
DINHEIRO – Quais as medidas que o governo precisa adotar para retomar o crescimento e gerar emprego?
MEDEIROS – No final, acredito que as empresas precisam continuar investindo. Posso dizer que nós, mesmo nos momentos mais desafiadores, não mexemos no nosso planejamento. Continuamos a investir em tecnologia e a contratar pessoas. ‘Você vai dizer: Esse sujeito é um louco que está em alta velocidade em direção ao muro.’ Meu setor é um ponto fora da curva, é verdade. Mas eu poderia ter tido uma posição de esperar o que iria acontecer. Não fizemos isso.
DINHEIRO – Como o senhor usa os seus pontos da Multiplus?
MEDEIROS – Onde eu mais gasto são em voos. Fui para o show do Rolling Stones, em Orlando, nos Estados Unidos, com pontos Multiplus. Resgatei hotel, passagem e carro. Só não resgatei o ingresso.