31/08/2011 - 21:00
No início de julho, assim que foram encerradas as negociações salariais do primeiro semestre, o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, fez a seguinte afirmação: “Conquistamos vitórias excepcionais nas mesas de negociação até agora, provando às empresas que salário não é vilão”. De fato, no primeiro semestre, 84,4% das negociações salariais conseguiram reajustes acima da inflação. No entanto, com o rebote da crise, na Zona do Euro e nos Estados Unidos, o cenário hoje é outro, e as empresas encaram uma nova perspectiva. Com isso, para as grandes categorias, como metalúrgicos, bancários, comerciários e petroleiros, que participam da safra de dissídios do segundo semestre, a conquista de aumentos salariais acima da inflação, acumulado em 6,87% nos últimos 12 meses, tornou-se uma tarefa mais suada.
A batalha por aumento real: operários paulistas em assembleia por reajuste salarial
“Todas as negociações estão mais difíceis porque as empresas, mais arredias, aguardam o impacto da recessão mundial em seus negócios”, diz o economista Walter Barelli, ex-ministro do Trabalho do presidente Itamar Franco (1992-1994), e ex-diretor do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese). “Sem dúvida veremos embates mais intensos.” A negociação mais conflituosa deverá ocorrer no setor financeiro, de acordo com as expectativas dos próprios sindicalistas. De 2003 até agora, os bancos tiveram o mais robusto ciclo de crescimento, entre os principais setores da economia. Mesmo assim, em todos os anos os bancários fizeram greve para conquistar aumentos reais. A queda de braço entre banqueiros e sindicalistas tem seguido a mesma dinâmica: os trabalhadores reivindicam parte dos lucros recordes do setor, enquanto as instituições afirmam que a categoria conquistou um excessivo aumento real nos últimos dez anos. “Desconheço algum banco que tenha registrado crescimento menor do que 15% nos últimos doze meses no País”, diz a presidente do Sindicato dos Bancários do Estado de São Paulo, Juvândia Leite.
Na outra ponta da mesa, no entanto, a Febraban, entidade que representa os bancos, afirma não haver espaço para novos reajustes em meio às dificuldades na área externa, que tendem a afetar principalmente seus ativos. “Não podemos simplesmente fechar os olhos para o ambiente econômico turbulento no sistema financeiro em nome de mais reajustes salariais”, diz o diretor de Relações do Trabalho da Febraban, Magnus Apostólico. Além das incertezas quanto aos reflexos da recessão internacional, as empresas argumentam que a própria postura do governo federal, de reduzir gastos, revela que o País está trabalhando com mais cautela sobre a economia. Uma demonstração dessa postura foi dada há duas semanas, quando a presidente Dilma Rousseff vetou a concessão de reajustes acima da inflação para aposentados e pensionistas do INSS que recebem benefícios com valor superior ao do salário mínimo, no ano que vem. “A postura mais cautelosa do governo, a inflação e o aumento da taxa de juros motivaram as empresas a endurecer nas negociações”, diz José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese.
Paulo Cayres, da CNM: ”Não existe crise alguma. Patrão só fala em crise quando é para pagar o funcionário”
Já no setor automobilístico a realidade se mostra menos conflituosa. As montadoras estão no limite de sua capacidade e têm batido recordes de vendas desde 2008. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, no entanto, já sinalizou que “muito provavelmente” os dissídios deste ano não devem repetir os reajustes generosos de 2010. Os metalúrgicos do ABC paulista, por exemplo, conquistaram em setembro do ano passado o maior aumento salarial da história da categoria: 10,8%, mais R$ 2,2 mil de abono. “Os trabalhadores são o ativo mais valioso de uma empresa, por isso mesmo a relação precisa ser tratada com responsabilidade”, diz Belini. Resta saber até que ponto o presidente da Anfavea está disposto a negociar com lideranças sindicais para lá de confiantes. O tom do otimismo é dado pelo presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), Paulo Cayres. “Todos os números, em qualquer setor da economia brasileira, provam que não existe crise alguma nem motivos para ter medo”, diz Cayres. “Patrão só fala em crise quando é para pagar o funcionário.”
Se por um lado as empresas têm a turbulência internacional como argumento nas mesas de negociação; por outro, os sindicalistas esgrimem o trunfo do cenário de pleno emprego em alguns setores no País, o que gera, evidentemente, uma disputa maior por mão de obra no mercado de trabalho. De fato, a taxa de desemprego em julho, o último mês medido pelo IBGE, ficou em 6%, constituindo-se na menor para o mês desde 2002. “Como a tendência do segundo semestre é de taxas de desemprego cada vez menores, mesmo que essa redução não seja significativa, o mais provável é a taxa média neste ano ser menor que a de 2010”, afirma Cimar Azeredo, diretor de pesquisas do IBGE. “Isso mostra que o mercado de trabalho continua aquecido, favorecendo o trabalhador e estimulando até troca de emprego.” Ou seja: que a crise existe, maior para uns, menor para outros, é um fato. O que se trata agora é saber até que ponto seu peso será sentido nas rodadas de negociação dos próximos quatro meses.