Com apenas 29 anos, o mineiro Tiago Mitraud tem uma grande responsabilidade dentro do império do 3G Capital, entidade que tem como sócios os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Desde o início de 2015, ele comanda a Fundação Estudar, organização sem fins lucrativos dos controladores da AB InBev, que já investiu e treinou executivos do porte de Carlos Brito e João Castro Neves, dois dos principais nomes da maior cervejaria do mundo. Os planos atuais, no entanto, não são baseados em somente procurar gênios com potencial para os negócios. Após impactar a vida de mais de 12 mil jovens presencialmente e de outros 10 milhões pela internet nos seus 25 anos de existência, a ordem é ganhar ainda mais escala e ajudar a mudar a deficiente educação brasileira. “Nos tornamos um hub de ajuda ao jovem para tomar boas decisões na carreira”, diz Mitraud. Leia, a seguir, sua entrevista.

DINHEIRO – A Fundação Estudar se propõe a investir e auxiliar jovens recém-formados até os 35 anos. É uma forma de corrigir deficiências do ensino no País? 
TIAGO MITRAUD - 
O que vemos bastante é que, infelizmente, as universidades não se preocupam com a decisão de carreira do jovem. Claro que existem exceções, mas poucas dão estrutura para essa tomada de decisão. Existem diversos jovens com um grande potencial, que estão perdidos ou que entram na ‘trilha da formiguinha’: vão seguindo os passos dos veteranos ou familiares, sem se questionar se isso faz sentido. Muitos formandos, simplesmente, abrem diversas páginas da internet e começam a se inscrever em processos de trainees sem pensar se é aquilo o que eles querem. O que acontece? Seis meses depois, eles estão insatisfeitos com o trabalho. Saem e entram em outro, onde ficarão mais seis meses e não conseguirão construir uma trajetória consistente. Nesse momento pós-faculdade, que é crucial, não há tanta gente dando atenção para esses futuros profissionais.

DINHEIRO – Isso evita com que eles fiquem mudando de carreira por não terem perspectivas?
MITRAUD – 
Não é uma decisão para o resto da vida. Óbvio que eles podem trocar de carreira após um tempo, mas o fato de a primeira decisão não ser bem pensada afeta muito a forma que o jovem vai se identificar com a profissão dele e a carreira como um todo. Com isso, consequentemente, vai afetar a capacidade dele de gerar impacto. Se a pessoa está num ambiente em que ela não gosta de estar, ela não vai ‘performar’ como poderia. Aos poucos, se mostrarmos ao jovem a importância desse momento na vida e dar as ferramentas necessárias para isso, ele pode criar um propósito para a vida profissional dele e não somente trabalhar para ganhar dinheiro e se divertir no fim de semana. Aí ele pode atingir os próprios objetivos e conseguir causar alguma transformação no Brasil. Quando o jovem consegue trabalhar com um propósito, ele não só se diferencia e mantém o emprego. Ele cria um impacto gigantesco.

DINHEIRO – Não seria mais fácil entrar nas universidades diretamente em vez de procurá-los somente quando formados? 
MITRAUD –
 Temos algumas conversas nesse sentido, desde as pequenas até as instituições de excelência no País. Ainda não existe nada concreto, mas há uma vontade das instituições de ensino. O que temos feito é criar cases. Sabemos que as empresas vão abrir as portas para estes projetos quando tivermos um número de alunos transformados a partir de nossas iniciativas. É algo que está no nosso radar.

DINHEIRO – A atual crise pode atrasar o nosso desenvolvimento educacional?
MITRAUD – 
Toda a crise traz várias dificuldades. Agora, você vê pessoas sem perspectiva, fora aquelas que foram demitidas. Imagino que no ensino superior terá estabilização ou retração no número total de matrículas. Por outro lado, só sobreviverão aquelas instituições que se prepararam durante os tempos de bonança. Ao mesmo tempo, a crise traz grandes oportunidades para aqueles jovens que estão saindo do mercado de trabalho. Muitas empresas poderão estar mais propensas a contratar jovens por ser uma mão de obra mais barata. O jovem que conseguir enxergar a oportunidade, pode se preparar para ter um diferencial na disputa por essas vagas. A crise é uma oportunidade para as pessoas bem preparadas.

DINHEIRO – Mas essa é a primeira crise para milhões de jovens com menos de 30 anos. O que pode ser feito para estimulá-los?
MITRAUD –
 O jovem precisa entender que ele deve se preparar, saber bem o que ele quer da própria vida e, com isso, dar tiros certeiros. Não adianta arriscar o envio de currículos para cinquenta lugares diferentes. É necessário ter um autoconhecimento. O jovem que não se sente apto pode usar essa situação de crise ao seu favor. Pode ser um momento de trabalhar no exterior para ganhar experiência e, com o câmbio na atual situação, até conseguir guardar algum dinheiro. O lado bom da crise é que ela dá oportunidades para quem quer enfrentá-la.

DINHEIRO – Como a iniciativa privada pode ajudar na melhoria da educação brasileira? 
MITRAUD –
 É cada vez mais evidente que as empresas precisam contribuir para uma educação mais efetiva. Mas não só as organizações, como as pessoas físicas. Não podemos ficar esperando que terceiros façam por nós. Todos precisam fazer algo para a evolução do País. Uma coisa que passamos para os nossos parceiros e alunos é que nós precisamos ser os protagonistas das mudanças que queremos. Necessitamos chamar a responsabilidade para nós mesmos. Algumas pessoas ou organizações passam a ajudar por questões culturais, religiosas ou simplesmente por enxergar a necessidade. Independentemente do motivo, é uma forma de protagonismo para buscar uma evolução mais rápida. Apesar de em alguns momentos parecer que o mundo está caindo, nós enxergamos um Brasil que dá certo todos os dias. As empresas possuem um papel importante na busca por um ambiente mais eficiente e justo.

DINHEIRO – As contínuas mudanças de regras em programas federais de educação, como o Fies e ProUni, que priorizaram a qualidade, afetaram diretamente empresas de educação. Na sua visão, se priorizou mais quantidade do que qualidade nos últimos anos?
MITRAUD –
 Não temos alternativa na educação brasileira: é necessário trabalhar quantidade e qualidade simultaneamente. É o mais difícil, mas não existe outra forma. Se trabalhar apenas a qualidade, com um País de 50 milhões de jovens, não conseguiremos fazer uma mudança estrutural. Seria um processo que duraria décadas. Por outro lado, também não adianta ter uma quantidade absurda de pessoas na faculdade se aquilo que a instituição está entregando não resultará em uma criação de potencial para os alunos. Precisamos entregar algo que faça com que as pessoas consigam mudar seus patamares de vida.

DINHEIRO – E qual seria a melhor forma de unir ambos?
MITRAUD –
 Levar eficiência e medir tudo o que tem sido feito. Assim vamos conseguir entender o que vai bem e o motivo de ir bem, assim como o contrário: saber onde estão os problemas e como resolvê-los. O Brasil é um País continental, então existem cidades que aceitam bem uma forma de transmissão de conteúdo e outras não.

DINHEIRO – A Fundação Estudar tinha como objetivo apenas dar bolsas de estudos. Hoje, é reconhecida como uma instituição de auxílio para jovens em início de carreira. Como ocorreu essa mudança?
MITRAUD – 
Sempre apoiávamos grandes talentos com bolsas de estudo, principalmente fora do Brasil. De 1991 a 2010 o foco era praticamente esse. Mas começamos a querer mudar a nossa forma de trabalhar. Pretendíamos ter um impacto maior, pois atendíamos, no máximo, 30 pessoas por ano. Ajudamos pessoas fantásticas, que viraram grandes executivos e gestores, mas tinham sido, até então, apenas 500 brasileiros em um universo de 200 milhões de habitantes. Há cinco anos, no entanto, tivemos um grande ponto de virada: precisávamos atingir mais gente. Criamos um canal online, cursos de liderança, entre outras ações, que já impactaram mais de 12 mil jovens presencialmente e outras 10 milhões de pessoas na internet. Hoje, então, muito mais do que uma instituição de bolsas, nos tornamos um hub de ajuda ao jovem para tomar boas decisões na carreira.

DINHEIRO – Como vocês ajudam esses jovens a decidir as suas carreiras?
MITRAUD –
 Continuamos com o nosso programa de bolsas integrais, que leva os melhores avaliados para universidades do porte de Harvard e Columbia. Além disso, organizamos cursos de liderança, damos suportes para quem quer estudar no exterior ou conhecer o dia a dia das profissões através dos portais Estudar Fora e Na Prática, respectivamente, entre outras ações, como encontros com grandes executivos e empresários.

DINHEIRO – Como a Fundação Estudar fica num momento de crise como esse? Afinal, alguns dos mantenedores, como o BTG Pactual, estão sofrendo com as turbulências econômica e política no Brasil. 
MITRAUD - 
Quando o BTG entrou, em 2013, veio junto com a Falconi e a Ambev como mantenedores. Era um processo de tentar nos tornarmos mais independentes dos fundadores. Como eram contratos de quatro anos, naquela época já pensávamos que poderia não existir mais esses apoios, por isso acabamos criando novas formas de receita. Hoje, pedimos contribuições para os participantes dos cursos, que podem chegar a R$ 600. Ao mesmo tempo, deixamos cerca de 30% a 40% das vagas para pessoas que não possuem condições de pagar, pois faz parte da nossa tradição. Para completar, também aumentamos as parcerias com outras empresas, como Kroton, Anima, Kraft-Heinz e Itaú, mas com um valor menor de patrocínio. A expectativa é que, para 2016, 70% dos nossos custos já sejam quitados com capital próprio. A sustentabilidade financeira é um objetivo que continuamos perseguindo.

DINHEIRO – Há uma perspectiva de crescimento apesar da crise? 
MITRAUD –
 A crise não muda em nada o nosso cronograma. Estamos atrás de escala. O primeiro curso de liderança, que iniciamos há quatro anos, atingiu 250 pessoas. Para 2016, já prevemos 6 mil. Queremos dobrar a cada ano. Estamos em todos os estados e queremos entrar em cada vez mais cidades interioranas. Nossos portais de conteúdos também devem seguir o mesmo ritmo. De seis milhões de visualizações em 2015, prevemos dobrar o número ainda este ano. Não vamos tirar coelho da cartola, só continuar a trabalhar com eficiência, buscando a excelência e sempre de olho nos gastos.