Para empresas brasileiras com amplos negócios nos Estados Unidos, como JBS, Embraer, Braskem e Stefanini, o dia 17 de setembro de 2013 jamais será esquecido. Naquela data, a presidente Dilma Rousseff anunciou o cancelamento de uma visita de Estado ao presidente Barack Obama, que aconteceria no mês seguinte. Seria o primeiro encontro com esse status (o cerimonial previa até um jantar de gala, na Casa Branca) desde a era FHC, quando o tucano foi recepcionado pelo democrata Bill Clinton, em 1995.

A decisão da presidente, após o escândalo da espionagem americana, representou uma ducha de água fria nos empresários que ambicionavam uma relação comercial mais estreita com a maior economia do planeta. Quase dois anos depois da crise diplomática, Dilma está de malas prontas para os Estados Unidos, com uma agenda recheada de compromissos, mas que devem gerar poucos frutos para a economia. O Itamaraty ainda está finalizando os detalhes do roteiro, que começa no dia 28, em Nova York, passa por Washington e termina na Califórnia, com uma visita à sede do Google.

Dentre os tópicos já definidos na agenda de debates dos dois mandatários está o chamado open sky (céu aberto), que acaba com o limite de voos diários entre os países. Na área de segurança militar, está previsto o compartilhamento de informações estratégicas. O encontro também vai abordar a facilitação no comércio bilateral, com a adoção da “janela única” de exportação, que reúne em um portal todos os procedimentos burocráticos. Na educação, será celebrada uma parceria com as community colleges, instituições americanas que oferecem cursos profissionalizantes de curta duração.

“A cooperação educacional é um aspecto importante da relação com os Estados Unidos, principalmente no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras”, diz o Embaixador Carlos Antonio da Rocha Paranhos, Subsecretário-Geral Político I do Ministério das Relações Exteriores. A agenda também deve incluir um avanço no global entry, mecanismo que facilita a entrada de brasileiros que viajam frequentemente aos Estados Unidos. “A pauta é abrangente e há tópicos que não são de grande impacto”, diz Gabriel Rico, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham).

“No entanto, são essenciais para um bom relacionamento diplomático e comercial.” O agronegócio, por sua vez, aguarda ansiosamente a aprovação final de questões sanitárias envolvendo a carne bovina in natura, medida que foi anunciada pela ministra da Agricultura, Kátia Abreu, na terça-feira 16. “Os técnicos americanos e do Brasil acham que em agosto já estaremos com performance exportadora”, disse a ministra. Para a JBS, líder mundial na produção de proteína animal, o acordo bilateral chega em boa hora. “Entendemos que o martelo já foi batido, a decisão é irreversível”, diz Jerry O’Callaghan, diretor de relações com investidores da JBS, convencido de que a mudança de postura no segundo mandato de Dilma é fundamental para o crescimento da economia do País.

“O acordo será altamente positivo para o agronegócio.” Para os demais setores, porém, não há grandes perspectivas de resultados práticos, capazes de gerar benefícios econômicos. Desde 2002, último ano do governo FHC, a participação dos Estados Unidos no comércio exterior brasileiro caiu pela metade e a balança comercial ficou deficitária. “Os Estados Unidos foram colocados em segundo plano em termos de relações comerciais”, diz Bruno Lavieri, economista da Tendências Consultoria.

“Por uma estratégia mais diplomática do que comercial, os governos Lula e Dilma deram preferência ao Mercosul, que está afundando.” O distanciamento entre as duas nações, na avaliação do especialista, impossibilita o Brasil de surfar a recuperação americana. Segundo previsões do Fundo Monetário Internacional, o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos deve crescer 3,1% neste ano e em 2016, contra os -1,0% e 1,0% estimados para o Brasil, no mesmo período.

ELEIÇÕES AMERICANAS Diferentemente do cenário que Dilma teria encontrado em 2013, a atual visita a Obama tem como pano de fundo o início da corrida presidencial americana. Pelo lado dos Democratas, partido do presidente americano, a ex-primeira-dama Hillary Clinton, que lançou sua pré-candidatura na semana retrasada, é o nome mais forte. Já a oposição republicana exibe, desde a semana passada, o ex-governador da Flórida Jeb Bush como principal pré-candidato. Com o peso do sobrenome do irmão e do pai, ambos ex-presidentes, Jeb vai disputar a indicação com outros dez republicanos, dentre os quais o empresário e apresentador de TV Donald Trump (leia reportagem aqui).

Apesar de estarem programadas para novembro de 2016, as eleições interferem imediatamente em qualquer negociação comercial. “O presidente Obama jamais abrirá o mercado agrícola para o Brasil, sob pena de transferir votos para os republicanos”, diz Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “ Após as eleições, ganhe Hillary ou Jeb, a América Latina continuará longe de ser prioridade para os Estados Unidos.” Na quinta-feira 18, dezenas de executivos participaram do IX Fórum Brasil-Estados Unidos de Altos Dirigentes de Empresas, em Brasília, com a participação da presidente Dilma e de representantes do governo americano.

No evento, ficou claro que há uma enorme expectativa em relacão ao encontro entre Dilma e Obama. Embora o episódio da espionagem já tenha sido superado, não há muito clareza sobre uma mudança significativa na política externa brasileira. “Os diplomatas americanos ainda não sabem direito o que o Brasil quer”, afirma a professora Cristina. A avaliação dos especialistas é de que os governos FHC e Lula tinham posições bem claras e davam importância à diplomacia, com papel de liderança na América do Sul.

Desde 2011, no entanto, o Brasil perdeu relevância internacional, o que também afeta o comércio exterior. “É preciso que nossas relações internacionais estejam cada vez mais firmes”, diz Ailtom Nascimento, vice-presidente da empresa de serviços em tecnologia da informação Stefanini. Com forte presença no mercado americano, a Stefanini, assim como dezenas de multinacionais brasileiras, torce para que as relações entre os dois países sejam novamente costuradas.