A Lei das Concessões, o nome de batismo da Lei 8.987, completará 20 anos em fevereiro do ano que vem. A efeméride indica a maturidade de um novo modelo de negócios no Brasil, o de concessões rodoviárias, que acabou por desenvolver algumas grandes empresas, como a CCR, a Arteris e a Ecorodovias, que abriram o capital na Bovespa durante essas duas décadas. Mas, junto com a comemoração, o setor viverá um momento de reavaliações. Quatro meses depois, em junho, expirará, também com 20 anos de idade, o período de concessão para a CCR da Ponte Rio-Niterói, um dos mais exuberantes cartões-postais da engenharia brasileira, uma via de 13 quilômetros de extensão com uma vista espetacular da Baía de Guanabara, que liga a capital do Rio de Janeiro ao interior e ao litoral norte do Estado.

Será a primeira concessão rodoviária brasileira a ter o seu prazo de contrato vencido, de forma que o modo como a nova licitação for conduzida servirá de indicativo para os próximos passos do setor. “O leilão deve trazer ofertas com expectativas de rentabilidade mais baixas, já que agora existe histórico de fluxo de tráfego e de tarifas, sem contar que os gastos da nova concessionária serão voltados apenas a obras de manutenção, que não devem ultrapassar os R$ 600 milhões”, diz Bruno Savaris, analista do banco Credit Suisse. “O risco do projeto é baixíssimo.”

No primeiro semestre deste ano, a ponte garantiu R$ 73,4 milhões de receita em pedágios para a CCR, companhia que completou 15 anos em 2014, formada pelos grupos Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Soares Penido para administrar em conjunto as concessões que haviam conquistado. Embora a ponte represente apenas 2,4% de suas receitas, a CCR – que faturou R$ 5,2 bilhões, em 2013 – indica que não deseja abrir mão do ativo. Ela, assim como a Planos Engenharia, já entregou proposta de manifestação de interesse pela nova concessão, que deve ser levada a leilão pelo governo federal, até o primeiro semestre do próximo ano, junto com quatro novos trechos de rodovias.

A CCR não quis participar desta reportagem. Ao mesmo tempo que concessões de novos trechos ainda estão pela frente, as empresas do setor precisarão começar a se preocupar em manter seus ativos cujos prazos de licença para exploração estão próximos do fim. Uma companhia que demonstra apetite nessa nova fase do mercado é a Ecorodovias, controlada pelo grupo paranaense CR Almeida. Seus executivos já manifestaram interesse e condições de ampliar seu portfólio de concessões. Isso porque a coompanhia passa por um momento de maior disponibilidade de caixa, pois terá de fazer investimentos menores do que as suas principais rivais.

Ao todo, R$ 922 milhões estão estimados para este ano. Na CCR, são R$ 3,2 bilhões, mesmo com o atraso do projeto de metrô de Salvador. Já a Arteris, controlada pelo grupo espanhol Abertis e pelos investidores canadenses da Brookfield, prevê fechar o ano com R$ 1,8 bilhão de desembolsos. Além de garantir esses investimentos, a Arteris já começa a se preocupar com o fim de suas próprias concessões. No primeiro semestre de 2018, vencem as licenças de exploração de estradas que administra no nordeste do Estado de São Paulo. Um ano depois, em 2019, será a vez das licenças para as estradas no interior de São Paulo geridas pela Autovias e pela Centrovias.

Os espanhóis, no entanto, já colocaram em prática uma estratégia para adiar a chegada dessas datas fatídicas. “Negociamos o aumento dos prazos de contrato ao adicionar investimentos aos que foram previstos inicialmente”, diz David Díaz, presidente da Arteris. Segundo ele, essa prática já aconteceu em alguns casos, anteriormente, inclusive com a Autovias. A mesma estratégia foi adotada pela Ecorodovias. Ao ampliar em R$ 300 milhões os investimentos feitos no sistema Anchieta-Imigrantes, que conecta a capital paulista à Baixada Santista, ela ganhou 18 meses adicionais de contrato.

“Quando notamos a necessidade de mais investimentos aos que estão em contrato, temos três alternativas: aumentar as tarifas, atrasar outros investimentos previstos ou negociar a extensão da concessão”, diz o italiano Marcello Guidotti, diretor de finanças e de relações com os investidores da Ecorodovias. Segundo ele, a terceira opção é a melhor, porque as tarifas já estão altas, por terem sido definidas em épocas em que o mercado trazia muito mais riscos, e atrasar investimentos pode até trazer ganhos de curto prazo, mas prejudica o fluxo de veículos.

Se, por um lado, as empresas vão buscar estender as suas concessões, por outro lado, no novo momento do setor, elas poderão encontrar ativos valiosos ficando mais uma vez disponíveis. Mas não deve haver caminho fácil nas novas disputas. Na sexta-feira 3, a Ecorodovias ficou em segundo lugar no leilão para uma parceria público-privada na rodovia Tamoios, que liga o Vale do Paraíba com o litoral norte de São Paulo. Ela era a favorita para a licitação, já que o novo contrato permitiria sinergias com o sistema Anchieta-Imigrantes, que já administra.

No entanto, quem levou a melhor foi a construtora Queiroz Galvão, com uma surpreendente proposta de R$ 0,01 de contraprestação anual a ser paga pelo governo do Estado. “A Ecorodovias era vista pelo mercado como a mais agressiva das concessionárias, mas está ficando sempre em segundo lugar nos leilões, desde 2013”, afirma Savaris, do Credit Suisse. Além da Queiroz Galvão, outras construtoras de grande porte, como a Odebrecht e a OAS podem aparecer com força. Por serem de capital fechado, a avaliação de sua real capacidade financeira pelo mercado fica mais complicada.

O que ninguém duvida é sobre a atratividade do segmento para os investidores. “Mesmo em um projeto de grande porte, é esperado que, a partir do quinto ou sexto ano, o resultado já seja positivo”, afirma Díaz, da Arteris. O mercado, de fato, entrou em outro patamar. Entre 2002 e 2012, foram fechadas licitações que requeriam R$ 52 bilhões de investimentos. Esse volume foi quase alcançado no ano passado, período em que as concessões chegaram a R$ 40 bilhões. Outro fator positivo é que o setor considera que o marco regulatório já está bem estabelecido.

Mesmo que algumas disputas judiciais ainda aconteçam, como a em curso entre as concessionárias e o governo paulista. Neste ano, o governo estadual decidiu que o repasse das tarifas deveria ficar abaixo da inflação, pois, em 2013, as empresas teriam se beneficiado da liberação da cobrança dos eixos suspensos dos caminhões. A decisão vem sendo contestada judicialmente. Esses processos, no entanto, são vistos como percalços normais. “Confiamos na Justiça e ninguém contesta o marco regulatório brasileiro, que é tão bom quanto os europeus”, afirma Díaz.