24/02/2023 - 5:10
A participação do Brasil na primeira cúpula dos chefes da economia dos países do G20 após o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência era aguardada pela comunidade internacional. Os países emergentes esperavam um aceno para retomar parcerias, e as economias desenvolvidas, uma maior abertura do Brasil no período pós-Bolsonaro. E para representar esse debate econômico brasileiro lá estava ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que desembarcou em Bangalore, na Índia na quarta-feira (22). Dono e proprietário do discurso mais moderado na economia dentro do atual governo, o professor foi preparado para falar sobre controle fiscal, planos de crescimento, o papel da inflação e novas parcerias mundiais. Até aí tudo certo, não fosse outro personagem também em voga no noticiário brasileiro e tem visões e premissas diferentes sobre o Brasil. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central acompanha Haddad neste evento temático para falar da própria gestão à frente da política monetária do Brasil e seus resultados para blindar o país de uma inflação ainda maior e preservar a moeda.
O último encontro entre Haddad e Campos Neto aconteceu no dia 16 de fevereiro, antes do Carnaval, quando uma reunião do Comitê Monetário Nacional (CMN) resultou, em uma versão contemporânea do ensinamento socrático, num retumbante “só decidi que nada decidi”. A meta da inflação não foi alterada e nenhuma política monetária ou fiscal anunciada. E essa frustração se dá porque o Brasil enfrenta hoje uma guerra de visões de mundo. De um lado, um presidente populista que apoia grande parte de seu plano de crescimento na retomada do consumo da população. Do outro lado, um presidente do Banco Central conservador por herança política à espera de sinais mais contundentes de controle fiscal antes de ameaçar reduzir a Selic, hoje cravada em 13,75%. No meio dessas duas visões de mundo estão Simone Tebet (ministra do Planejamento) e Fernando Haddad. “Não há caminho fácil. Toda negociação econômica precisa assumir riscos. Temos nossa visão de Brasil e já fizemos dar certo. Faremos de novo”, disse o ministro da Fazenda pouco antes de viajar.
E essa guerra de narrativas ganha agora o mundo com a presença dos dois no fórum do G20 dedicado exclusivamente aos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países membros. Segundo assessores próximos a Haddad, a pauta do ex-prefeito de São Paulo já vai fechada. “Ele vai negociar com os países a presidência do bloco em 2024, a sede da COP em 2025, sentir o clima para Dilma [Rousseff] entrar no Banco do Brics”, disse. Também estão previstas reuniões com países parceiros e buscas por aproximação com novos mercados.

Já Campos Neto participa do fórum G-20 High-Level Symposium on Digital Public Infrastructure for Innovative, Resilient, Inclusive Growth and Efficient Governance para tratar sobre a implementação do Pix e seus desdobramentos para uma economia mais digital, transparente e rápida. Nas reuniões paralelas Campos Neto também falará sobre a política monetária do Brasil, que começou a subir os juros antes de quase todos os países do mundo e, segundo ele, também será a primeira a baixar caso os sinais de responsabilidade fiscal sejam passados pelo governo federal.
O encontro formal de Haddad e Campos Neto deve se resumir aos debates sobre o uso de criptomoedas e os seus respectivos papeis (à frente do BC e da Fazenda) para tornar esse ambiente mais seguro. Recentemente o presidente Lula tratou da possibilidade de criação de uma moeda única no Mercosul para ser usada apenas no comércio exterior, e discussões sobre essa modalidade ser apenas digital também ganhou atenção especial, já que seria regulamentada e lastreada pelo Banco Central, teria uso reduzido e poderia ser um experimento interessante para outras regiões integradas.
O MUNDO Enquanto no Brasil os discursos de Haddad e Campos Neto só se aproximam em partes, o resto do G20 parece ter chegado a algumas conclusões de modo unânime. Pelo menos é o que sinalizam os outros ministros de Finanças e Banco Centrais. O primeiro ponto é que a inflação global é um problema e precisa se encarado ainda em 2023. O alto endividamento das economias emergentes e como isso impossibilita a abertura do mercado mundial também aparece como um entrave relevante para a retomada econômica. O evento, que aconteceu no retiro de verão de verão de Nandi Hills, entre quarta-feira e sábado foi o primeiro grande evento da presidência indiana do G20 e marca também o aniversário de um ano da invasão russa à Ucrânia. A guerra e seus desdobramentos no mundo não ficariam de fora da agenda, em especial nas falas de líderes dos Estados Unidos e membros da União Europeia. Da parte norte-americana houve uma preocupação adicional da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen. Segundo ela o mundo precisa fazer uma pressão para a China “realizar rapidamente” o alívio da dívida para países de baixa e média renda.
FUNDO Essa discussão ganhou espaço já que Sri Lanka, Bangladesh e Paquistão (todos vizinhos e parceiros da Índia) entraram recentemente com pedido de resgate do FMI devido à desaceleração econômica causada pela pandemia da Covid-19 e pela Guerra da Ucrânia e boa parte já estão endividada com a China. Uma das soluções discutidas no encontro é o desenvolvimento de um fundo de ajuda dos membros para os países em dificuldade no pós-pandemia. O Brasil já havia sinalizado interesse parecido, quando Lula fez sua primeira visita internacional, para a Argentina. “É preciso que os mais desenvolvidos e os emergentes pensem em como ajudar os menos desenvolvidos”, disse Lula, no final de janeiro.
O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, esteve por perto de toda negociação para que a Índia assumisse a presidência do bloco este ano, e permanece em uma posição delicada internacionalmente. Ele já disse publicamente que não tem interesse em apoiar novas sanções à Rússia, defendendo um acordo pelo caminho do diálogo. O tom chegou a subir com líderes de países como França e Alemanha, que pediram uma mediação efetiva ou apoio a novas sanções dos países do Ocidente aos russos. Para afastar essa discussão, os indianos não colocaram nenhum evento específico para tratar sobre a guerra, seus desdobramentos e potenciais caminhos, cabendo aos palestrantes arriscar falar, ou não. Nesse meio, o Brasil deve voltar ao cenário atuando como um mediador. Lula, depois de visitar o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a comentar sobre a possibilidade de o G20 promover as diretrizes para um acordo que coloque fim à guerra. E, dentro dos emergentes, talvez resida no Brasil a liderança nesse sentido.
Dilma na boca do Brics

Outra temperatura que Fernando Haddad deve sentir em sua passagem pelo G20 é a recepção dos emergentes para a possível ida de Dilma Rousseff ao comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição de fomento para Brasil, África do Sul, China, Índia, Rússia (que integram o Brics). O tema deve ser formalizado em março, quando Lula viaja para a China, mas já é dado como praticamente certo no Brasil. A ex-presidente foi a fundadora do banco, em 2014, em um evento que aconteceu no Brasil. O plano era que os emergentes criassem pautas interligadas e usassem recursos para desenvolvimento tecnológico, de infraestrutura e logística visando a maior interação econômica dos membros. Hoje, a sede do banco fica em Xangai, na China, e a equipe de Lula trabalha na negociação de uma ampliação do acordo comercial entre os dois países, que em 2022 gerou um superávit de US$ 28 bilhões. Para isso, o Brasil deve abrir um consulado em Chengdu, um polo tecnológico da Ásia e caminho para que os dois países troquem mais pesquisa e inovação. Para que isso dê certo, o banco seria um fomentador desta cartada. A estimativa do FMI é que o banco tenha cerca de US$ 32 bilhões na carteira de ativos, e metade disso ainda disponível para os próximos dois anos. O atual presidente, Marcos Troyjo, foi empossado em 2020 pelo ex-presidente Bolsonaro e estava no cargo no ano em que o NBD mais emprestou para o Brasil (cerca de US$ 1 bilhão, usado para custeio do Auxílio Brasil e outras emergências). Uma marca difícil de superar e que talvez só ela, a mãe do PAC, tenha condições de bater.