A reeleição da presidente Cristina Fernández de Kirchner, da Argentina, prevista para o domingo 23, teve cabos eleitorais ilustres, como a indústria de pneus Pirelli, a indústria têxtil brasileira Coteminas e a fábrica de tratores John Deere. As três empresas anunciaram, neste ano, investimentos milionários no país, num sinal de confiança na economia argentina e na gestão da mandatária, que está na casa Rosada desde 2007, quando sucedeu seu marido, Néstor Kirchner. “A Pirelli vai dispor de US$ 500 milhões para construir a fábrica de pneus para caminhões mais importante da América Latina”, discursava uma entusiasmada Cristina, no dia 13, em Florencio Varela, a uma multidão eufórica. A presidente peronista aproveitou o palanque para exibir aos seus eleitores o novo modelo do telefone Blackberry que será produzido na Terra do Fogo, ao sul do país, pela empresa Brightstar. 

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Fôlego à era Kirchner: política de substituição de importações e foco na geração de empregos
fez de Cristina a candidata mais forte para continuar na presidência da Argentina

O anúncio oficial somou-se às centenas de projetos que vêm sendo fomentados pelo Ministério da Indústria. “Precisamos de empresas que invistam aqui e não despejem, simplesmente, suas mercadorias”, disse Cristina, durante seu discurso. A oferta de incentivos ao setor produtivo teve um papel-chave para a sua campanha à reeleição, assim como para a chamada era Kirchner, iniciada com o marido de Cristina, Néstor, presidente entre 2003 e 2007. “Ambos entenderam que a aliança com o segmento industrial era decisiva para tirar a Argentina da bancarrota”, disse à DINHEIRO Dante Sica, diretor da consultoria argentina Abeceb.com e ex-secretário da Indústria do ministério da Produção. 

A geração de 3,5 milhões de empregos nos últimos oito anos, o crescimento do PIB acima de 8% ao ano desde 2003 (exceto em 2008 e 2009, quando o país cresceu 6,8% e 0,9%, respectivamente) e o apoio de mais da metade dos eleitores, mostram que a estratégia foi bem-sucedida. Na quinta-feira 20, Cristina já contava com 54% das preferências nas pesquisas eleitorais, 40 pontos à frente do segundo colocado, o socialista Hermes Binner, governador da província de Santa Fé. Se para Néstor o setor privado exerceu papel fundamental na retomada da economia depois da hecatombe do governo de Carlos Menem, que governou entre 1989 e 1999, para Cristina foi a tábua de salvação do kirchnerismo, que parecia correr riscos depois da morte repentina do seu marido, em 27 de outubro do ano passado, vítima de um ataque cardíaco fulminante. 

 

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Tango de Minas Gerais: executivos da empresa Coteminas recebem a ministra da Indústria,

Debora Giorgi (ao centro), no anúncio da ampliação da fábrica de Santiago Del Estero

 

As análises que se seguiram ao drama do casal davam como certo o fim da era Kirchner dentro do Partido Justicialista. “Mas o peronismo é imortal”, diz Nildo Ouriques, presidente do Instituto de Estudos da América Latina, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), numa referência ao movimento fundado por Juan Domingos Perón, na década de 1940. Embora os argentinos estivessem traumatizados com a gestão Menem, que também é peronista, o carisma dos Kirchner foi decisivo.“Num país devastado, os argentinos buscaram aquilo que, historicamente, parecia confiável”, afirma Ouriques. Ao contrário de Menem, que investia em “relações carnais” com os Estados Unidos, como ele mesmo chegou a afirmar, incluindo uma política monetária de câmbio fixo atrelado ao dólar, que levou a Argentina ao calote, em 2002, os Kirchner retomaram um dos princípios do peronismo – para o qual só existe uma classe de homens: os que trabalham. 

 

E, assim, fizeram do investimento na produção sua plataforma. “A industrialização foi entendida como o caminho da inclusão social”, diz Dante Sica. No ano passado, a Argentina recebeu US$ 29,8 bilhões de investimentos diretos de estrangeiros. De acordo com o Ministério da Indústria, entre janeiro e setembro deste ano, o país já recebeu outros US$ 20 bilhões, incluindo capital do Brasil. A Camargo Corrêa, por exemplo, dona da fábrica de cimento Loma Negra, em Buenos Aires, anunciou em agosto que investirá US$ 400 milhões nos próximos três anos. Na terça-feira 18, foi a vez da mineira Coteminas anunciar que vai injetar US$ 96 milhões para ampliar a fábrica da empresa na cidade de Santiago Del Estero, ao norte do país. 

 

Nos primeiros oito meses deste ano, o investimento brasileiro em solo argentino somou US 882 milhões, 66% a mais do que no mesmo período de 2010. Isso, a despeito da inflação elevada – acima de dois dígitos, segundo as estatísticas do setor privado. Se os capitais produtivos pavimentaram a reeleição de Cristina, que pressiona as indústrias para substituir as importações e aumentar as exportações, o plano estratégico industrial para 2020 mostra que a presidente quer manter a mesma toada nos próximos anos. Uma das metas, por exemplo, é aumentar a taxa de investimento dos atuais 23% do PIB (no Brasil é de 18%) para 28% até o final da década. É um horizonte importante para uma nação que, até pouco tempo, não tinha futuro.

 

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