As manifestações que sacudiram o País, entre os dias 13 e 21 deste mês, tiveram ecos na semana passada, quando os Três Poderes se mexeram para atender aos gritos das ruas (leia reportagem Quem vai Pagar a Conta). O protesto coletivo funcionou por ter contado com a participação da velha classe média – aquela que ostentava sozinha esse título antes da ascensão dos emergentes da classe C – que, mesmo não sendo a principal usuária de transporte público, juntou-se ao coro dos indignados porque o nível de insatisfação com o País chegou a níveis estratosféricos. É justamente esse grupo que mais paga impostos no País e que recebe muito pouco em contrapartida. 

 

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Manifestações pelo Brasil: a população foi às ruas para exigir serviços públicos com padrão de qualidade

 

Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, os cidadãos que ganham entre R$ 3 mil e R$ 10 mil mensais trabalharam do dia 1º de janeiro até o dia 9 de junho apenas para bancar os gastos do governo. Recaem sobre eles mais dias para pagar tributos do que os que ganham acima e abaixo dessa faixa de renda. Resignadas com essa realidade, as famílias de classe média gastam parte do seu salário para custear o que o Estado não consegue prover. Porém, estão se deparando com uma oferta de serviços ruins, que pioraram com o crescimento do País. A explosão das vendas de veículos nos últimos anos, por exemplo, tornou insuportável o trânsito nas grandes cidades. 

 

Os hospitais privados também passaram a sofrer com filas, porque a base de clientes de planos de saúde cresceu. E a infraestrutura deficiente de áreas que já deveriam estar mais bem atendidas, como os aeroportos, aumenta o mau humor desse grupo. Somam-se, ainda, serviços que deveriam facilitar a vida, mas deixam a desejar, cobranças indevidas de operadoras de telefonia, juros e tarifas abusivas de bancos. Quem aguenta tantos aborrecimentos? Para a futurista Rosa Alegria, do núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP, o espírito crítico que se viu nas ruas nas últimas semanas contra o poder público chegará rapidamente ao setor privado. “A próxima revolução será contra os desmandos das empresas, que estão dormindo em berço esplêndido”, diz Rosa. 

 

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Marcos Azer Maluf sócio da um investimentos: ”40% dos meus custos são com TI. Isso é custo Brasil”

 

“Hoje há um carnaval de abusos contra o consumidor.” Basta uma rápida passada de olhos nas principais pesquisas de avaliação de serviços públicos e privados (leia quadro “Sociedade mal servida”) para constatar o grau de insatisfação generalizada. Nos aeroportos, os principais alvos das reclamações são os preços dos serviços de alimentação nos terminais e do estacionamento, normalmente mais altos do que em qualquer outro lugar do País. “Com o aumento da renda, os brasileiros estão cada dia mais conscientes dos seus direitos”, diz Gustavo do Vale, presidente da Infraero, estatal que administra mais de 60 aeroportos no País. 

 

“Isso traz uma responsabilidade maior para os prestadores de serviço, que precisam suprir essas novas exigências.” O presidente do consórcio Inframérica, José Antunes Sobrinho, que há quatro meses administra o aeroporto de Brasília, tem sentido na pele a fúria dos clientes mais exigentes. “Desde que assumimos a concessão, as cobranças dos usuários têm sido imensas”, afirma Antunes. “Houve uma pane elétrica no aeroporto logo no começo do nosso trabalho. Naquele momento, ninguém se lembrou do passado e a responsabilidade virou toda nossa.” Não é preciso contratar um instituto de pesquisa para descobrir que os consumidores estão insatisfeitos, por exemplo, com os serviços de telefonia. 

 

É assunto recorrente nos Procons a irritação com as principais operadoras, que são constantes alvos de multas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). As punições saltaram de R$ 43 milhões, em 2006, para R$ 1 bilhão, no ano passado. “Existem alguns gargalos de infraestrutura de telecomunicações, para o nível de qualidade e quantidade que a população demanda hoje”, diz o presidente da Anatel, João Rezende. Segundo ele, o maior desafio das empresas é expandir a infraestrutura de rede, apesar do alto custo tributário das tarifas e da dificuldade para instalar antenas. Há casos em que um serviço mal prestado pode gerar prejuízos incalculáveis. 

 

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Traumatizado por quedas de conexão com a Bovespa e até mesmo falta de energia, que atrapalharam os negócios, o empresário Marcos Azer Maluf, sócio-diretor da Um Investimentos Corretora de Valores, de São Paulo, adotou em 2010 um “arsenal de guerra” de tecnologia. Contratou a Embratel, a GVT e a Vivo para o serviço de telefonia fixo, e a TIM e a Vivo para celular. Além disso, comprou quatro nobreaks e um gerador para não ser pego de surpresa por uma queda de energia da AES Eletropaulo. E, para garantir uma conexão estável e veloz com a Bolsa de Valores, contratou o link da CMA Infra. “Pelo menos 40% dos meus custos são com TI, sem contar a folha de pagamento nessa área”, diz Maluf. “Isso é custo Brasil.”

 

A Claro e a Vivo estão entre as operadoras que lideraram a lista de reclamações no Procon de São Paulo, em 2012. Preocupadas, as empresas têm investido pesado para melhorar o atendimento. Segundo um comunicado da Telefônica Vivo, a operadora já conseguiu uma queda de 11% no volume de queixas fundamentadas no Procon no ano passado, em relação a 2011, por conta da expansão e modernização da infraestrutura de redes, sistemas e atendimento. Entre 2011 e 2014, a empresa tem investimentos programados de R$ 24,3 bilhões. Na semana passada, a operadora anunciou o lançamento da sua primeira rede de fibra ótica no Rio de Janeiro, de olho na Copa do Mundo do ano que vem. 

 

A Claro, por sua vez, também se esforça para se livrar do título indesejado de empresa com mais reclamações. “Implantamos uma nova plataforma de atendimento, que pretende reduzir em 15% o tempo de atendimento ao cliente e aumentar significativamente os índices de resolução na primeira ligação”, diz o diretor de Serviços a Clientes e Operações da Claro, Altivo Oliveira. Outro setor que é alvo de queixas constantes é o de planos de saúde. A base de clientes no Brasil cresceu de 32 milhões para 47 milhões entre 2002 e 2012. E, junto com essa expansão, as queixas contra as operadoras (leia quadro “Planos de saúde”). “O consumidor está mais reativo, felizmente”, afirma Maurício Lopes, vice-presidente de Produto Saúde e Odontológico da Sulamérica, que conta com 2,5 milhões de clientes. 

 

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José Antunes Sobrinho, presidente da Inframérica: ”As cobranças

dos usuários têm sido imensas”

 

De um lado, usuários que buscam mais benefícios. De outro, as empresas que bancam custos de exames com tecnologia avançada. “A questão saúde é um problema mundial”, diz Lopes. “A pressão é cada vez maior.” A classe média que saiu às ruas também deve pressionar por uma equação justa para trafegar em boas estradas, sejam sob administração estatal ou privada. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, feita em 95,7 mil quilômetros de rodovias, aponta que menos de um terço (27,8%) dos motoristas aprovam as condições das vias administradas pelo governo. Já as vias que foram concedidas à iniciativa privada têm avaliação positiva da maioria (86,7%). 

 

Porém, em São Paulo, há um questionamento sobre o valor das tarifas do pedágio, considerado abusivo. Uma viagem de ida e volta da capital paulista a Bauru, um caminho de 350 quilômetros, tem 16 praças de pedágio, totalizando R$ 103,60 em tarifas para um veículo de passeio. O pulo do gato, portanto, é encontrar um modelo de concessão que preveja boas rodovias a um preço justo para os motoristas. “O que é uma tarifa justa? É aquela que é igual ou menor que o benefício que o usuário recebe”, diz Moacyr Duarte, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias. 

 

“Gasta-se menos combustível nas rodovias sob concessão, o carro quebra menos e o atendimento em caso de acidente é rápido. Nossos levantamentos mostram que a relação custo-benefício é sempre favorável ao usuário.” Antes mesmo que os manifestantes levantassem bandeiras contra mais alguns centavos, a União e o governo de São Paulo anunciaram, na semana passada, o cancelamento dos reajustes dos pedágios previstos para as próximas semanas. Ainda não se sabe qual será a matemática mais adequada na prestação de serviços daqui para a frente, diante da revolta da população. Mas não se pode mais trabalhar uma planilha de custos sem levar o principal interessado – os usuários – em consideração. 

 

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Colaborou: Cristiano Zaia