Em apenas uma década, o empresário pernambucano Fernando Cavendish multiplicou por mais de 40 vezes o faturamento da construtora fundada por seu pai, na década de 1960. A Delta tem receita de R$ 3 bilhões, obtida quase exclusivamente com obras públicas – Cavendish é o campeão de verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal nos últimos anos. A Delta é a empresa que mais recebeu recursos do programa: R$ 1,1 bilhão somente entre janeiro de 2011 e abril deste ano. De pequena empresa sediada no Recife, chegou à posição de sexta maior construtora do País, com 30 mil funcionários. Na semana passada, as acusações de que a Delta cresceu servindo-se do esquema de corrupção montado pelo bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira, intermediando propinas para políticos, atingiu a empresa em cheio. 

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Fernando Cavendish, dono da Delta: ”Se eu não receber antes de acabar meu dinheiro, quebrei”.

 

Sob investigação da Polícia Federal e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso, a construtora assistiu à prisão, na quarta-feira 25, numa operação deflagrada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil do Distrito Federal, de seu ex-diretor para a região Centro-Oeste Carlos Abreu. Também foi decretada a prisão do diretor em São Paulo, Heraldo Puccini Neto. A Controladoria-Geral da União (CGU) pode inviabilizar o futuro da companhia com um processo aberto, na terça-feira 24, para avaliar se a empresa é inidônea. Se a CGU confirmar esta avaliação, a Delta perde o direito de assinar contratos com o governo federal . As obras em andamento serão suspensas e os contratos, oferecidos aos perdedores das licitações. 

 

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Além das denúncias recentes, a CGU se apoiou num inquérito de 2010 que encontrou superfaturamento de R$ 47 milhões em 26 contratos da Delta. Acuado, Cavendish, aconselhado por seus advogados, chegou à conclusão de que o único jeito de salvar a empresa seria afastar-se, o que fez na quarta-feira 25. Em seu lugar, passou a ocupar a presidência o diretor Carlos Alberto Verdini, há nove anos na empresa. A estratégia da Delta é entregar os anéis para tentar salvar os dedos. O próprio empresário admitiu numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que poderá ir à falência. “O cliente [governo], que é um cliente político, abre sindicâncias para mostrar isenção. Suspende pagamentos”, afirmou. “Não tenho caixa. Se não receber antes de acabar meu dinheiro, eu quebrei.” 

 

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No camburão: o ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, é preso

pela polícia do Distrito Federal.

 

Na quinta-feira 26, Cavendish reuniu-se no Rio de Janeiro, para onde transferiu, em 1995, a sede da Delta, com advogados e assessores vindos de diversas capitais para discutir a estratégia de sobrevivência. Como antecipara o próprio Cavendish, o crédito bancário já secou. O diretor de um grande banco nacional que fez alguns empréstimos para a Delta diz que os bancos fecharam as torneiras, temendo que ela vá à falência. Mesmo sem uma suspensão formal, a vida da construtora já está difícil no Ministério dos Transportes. Um funcionário graduado do ministério disse à DINHEIRO que todos os contratos estão sendo examinados com lupa, e que seus gestores relutam em assinar liberações, independentemente da existência de problemas, temendo futuros processos judiciais. 

 

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CPMI: o ex-presidente Fernando Collor será um dos investigadores das relações

entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira, políticos e empresários.

 

Por falta de capital de giro, a Delta já está perdendo contratos no Rio de Janeiro. Deixou as obras de reforma do estádio do Maracanã, orçadas em R$ 860 milhões, onde atuava em consórcio com a Odebrecht e Andrade Gutierrez, por falta de recursos para pagar seus fornecedores. Também abandonou a construção da Transcarioca, o corredor expresso que liga os bairros da Barra da Tijuca e Penha, que custará R$ 800 milhões. Há dúvidas sobre a participação em obras contratadas pela Petrobras, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e na Refinaria Duque de Caxias. Foi no Rio, onde vive desde que cursou a faculdade de engenharia, que Cavendish forjou relações políticas que permitiram o crescimento da Delta. 

 

O empresário aproximou-se dos ex-governadores do Estado, Anthony e Rosinha Garotinho (DEM). Em Brasília, a empresa é ligada ao senador goiano Demóstenes Torres, que se desfiliou do DEM, e aos governadores do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Especialistas ouvidos pela DINHEIRO classificam de missão quase impossível a recuperação da Delta. Para o consultor em em reestruturação de empresas José Carlos Aguilera a empresa não manterá seu tamanho atual. “A Delta está condenada a ser muito menor, se não fechar.” Aguilera observa que dificilmente uma empresa dependente de recursos públicos resiste às consequências de uma crise política. 

 

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Relações perigosas: o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira (à esq.) e o novo presidente da Delta,

Carlos Alberto Verdini (à dir.). A construtora é acusada de intermediar as propinas pagas pelo bicheiro a políticos.

 

Assim, a Delta seguiria o script da construtora baiana Gautama, do empresário Zuleido Veras, flagrada em corrupção no Ministério de Minas e Energia, ou as empresas do publicitário mineiro Marcos Valério, envolvido no escândalo do Mensalão. Procurado pela DINHEIRO, Cavendish não deu entrevista. O caso pode dar impulso à aprovação de um projeto de lei, parado no Congresso desde 2010, que responsabiliza as empresas por atos ilícitos cometidos por funcionários. A votação na Câmara será no dia 9 de maio. O coordenador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, diz que a mudança é fundamental para que as empresas sejam de fato punidas por crimes. “Já vimos esse filme: a empresa afasta alguns envolvidos e argumenta que não tem responsabilidade”, afirma Castelo Branco. “Muitas vezes, muda de nome e continua usando a influência política para operar do mesmo jeito.” 

 

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