14/03/2012 - 21:00
No início do século passado, o brasileiro Santos Dumont, inventor do avião, decidiu aposentar seu velho relógio suíço de bolso – daqueles que ficavam pendurados à roupa por uma corrente. A peça, embora fosse um acessório comum à época e símbolo de status nas altas rodas parisienses, era um estorvo para ele durante seus voos. Saber as horas envolvia um complexo ritual: retirar o relógio do compartimento, abrir a tampa e só aí ver o mostrador. Dessa necessidade, surgiu uma grande ideia. Em 1904, o aviador encomendou a seu amigo Louis Cartier, um dos três irmãos fundadores da relojoaria francesa Cartier, um modelo de relógio de pulso que, de forma rápida, facilitasse a visualização dos ponteiros.
Juan Carlos Delgado: o executivo comanda a marca na américa Latina e fez do Brasil
prioridade nos planos mundiais da empresa. Ele foi fotografado no relógio
da torre da estação da luz, em São Paulo.
Nascia ali, na charmosa Champs Elysées, o modelo quadrado Tank, com pulseira de couro, batizado de Santos pelo relojoeiro. Em 1911, a peça passou às lojas e, até hoje, é um dos maiores sucessos de venda da marca. A história de Santos Dumont e Louis Cartier ilustra uma relação de longa data da maison francesa com o consumidor brasileiro. Mais de um século depois, a Cartier decidiu voar para o País, sem data para voltar. Apesar de já estar timidamente no mercado brasileiro há 14 anos, com uma butique própria em São Paulo, no bairro dos Jardins, e em algumas relojoarias multimarcas, só agora a grife decidiu projetar um plano agressivo para o varejo de luxo nacional.
Até o fim do ano, serão duas lojas – uma no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, e outra no Village Mall, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. “O Brasil se tornou prioridade máxima no plano de expansão da marca no mundo”, diz Juan Carlos Delgado, presidente da Cartier para a América Latina. “Queremos fortalecer ainda mais a relação da empresa com os consumidores brasileiros, história que começou com Santos Dumont.” De acordo com Delgado, estão planejadas outras unidades em várias capitais do País. “O número exato será definido nos próximos meses”, diz. O interesse da Cartier pelo Brasil, além da afinidade histórica, se explica pelos números e pelos cifrões.
Cerca de 70% das vendas para brasileiros são feitas fora do País, especialmente nas lojas de Nova York e Paris, que custam a metade do que é cobrado aqui. “Vocês já compram Cartier há muitos anos, e nossa decisão de investir aqui é porque queremos estar mais próximos dos nossos clientes”, afirma Delgado. É por essa razão que todos os produtos da marca trazidos ao País terão margens de lucro reduzidas, segundo o executivo. “Tanto nossos relógios quanto nossas joias custarão no Brasil apenas 15% mais do que custam na Europa e cerca de 20% sobre o preço encontrado nos Estados Unidos”, afirma. O empenho da Cartier em oferecer preços mais acessíveis fez parte de uma estratégia que tem como meta garantir uma fatia do mercado de luxo.
Sede da Cartier, em Paris: foi na loja da Champs Elysées que Santos Dumont
inaugurou a relação da marca com os brasileiros.
O tíquete médio da marca no Brasil é de R$ 15 mil – equivalente ao das rivais Louis Vuitton e Tiffany, que também estão de olho no consumidor brasileiro. Há peças da Cartier, no entanto, que vão de R$ 1 mil a R$ 300 mil, opções que ampliam o leque da grife. O reposicionamento da Cartier no Brasil está nas mãos de um dos mais respeitados executivos do grupo, o francês Maxime Tarneaud. Nomeado como novo diretor, ele está no Brasil há seis anos, com passagem pela Louis Vuitton e pelo grupo Iguatemi, onde era responsável pela divisão de marcas internacionais. Tarneaud foi quem trouxe ao País grifes como Diane von Furstenberg e Louboutin. “A nossa empolgação com o Brasil reflete o otimismo da empresa com o País”, diz Tarneaud.
“Os planos são audaciosos e não irão demorar muito tempo para mostrar resultados impressionantes.” Ao que tudo indica, os planos da Cartier para o Brasil irão decolar nos próximos anos. O grupo Richemont, que a controla, também está fortalecendo marcas de alta relojoaria como Panerai, IWC e Van Cleef & Arpels – todas com planos de investimento aqui. A Cartier, no entanto, é prioridade. A grife responde por mais de 50% da receita da companhia, que chegou a € 6,8 bilhões no ano passado, 33% maior que a do período anterior. E, nesse contexto de faturamento em alta, o Brasil é peça-chave para que a grife mantenha o compasso dos ponteiros financeiros da Cartier.