A comemoração foi discreta, como convém a um parceiro de tênis que disputou um campeonato importante contra um velho colega e ganhou, após uma batalha acirrada. Era assim o clima no Banco do Brasil na terça-feira 31, quando a instituição venceu o Bradesco na disputa pelo Banco Postal, dos Correios. Num leilão em viva voz, em 12 rodadas, o banco estatal ofereceu R$ 2,3 bilhões para colocar seus produtos e serviços em 6.170 agências dos Correios por um prazo de cinco anos. 

A rede postal espalha-se por 5.271 municípios, o que vai elevar a presença do BB para 96% das cidades brasileiras. O total pago pode ser ainda maior e chegar a R$ 3,35 bilhões, incluindo R$ 500 milhões pelo uso das agências, R$ 200 milhões pelas agências franqueadas e um valor estimado em R$ 350 milhões ao ano como repasse de tarifas. Nos dias seguintes ao fechamento do negócio, tanto no BB, em Brasília, quanto no Bradesco, em Osasco, as duas equipes fechavam-se em copas para definir como será o cenário a partir de janeiro de 2012, quando o comando do Banco Postal muda de mãos. O Bradesco se recusou a comentar o assunto. 

 

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No Banco do Brasil, prevalecia um entusiasmo contido em relação ao golaço representado pelo maior negócio fechado desde a compra do banco paulista Nossa Caixa, por R$ 5,4 bilhões, em 2008. Aldemir Bendine, presidente do BB, procurou demonstrar dentro e fora do banco que não busca um confronto com o Bradesco, que desde 2001 detinha os direitos de exploração do Banco Postal. Na terça-feira, depois de cumprimentar a equipe que participou do leilão, Bendine recebeu um telefonema de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. 

 

Os dois evitam ao máximo posar como vencedor e perdedor da disputa, pois são parceiros em vários negócios – como o cartão Elo, a operadora de cartões Cielo – e desenvolvem projetos em conjunto, como a atuação em países da África e o compartilhamento de caixas eletrônicos.

 

A troca de comando do Banco Postal reforça a disputa histórica dos gigantes do setor bancário brasileiro. BB e Bradesco haviam unido forças para segurar o Itaú após a fusão com o Unibanco. Agora, o jogo pode ficar mais duro. ‘A aquisição do Banco Postal vai exigir muita habilidade, pois o BB vai entrar em uma concorrência acirrada com o Bradesco, de quem é sócio em vários negócios’, diz o administrador de fundos David Kaddoum, sócio da Atmos Gestão de Recursos, do Rio de Janeiro, que investe em ações do setor bancário.

 

Para o Banco do Brasil, assumir as operações do Banco Postal representa um passo gigantesco na  estratégia de ampliar a presença geográfica e cobrir todos os municípios brasileiros até 2015. Outra vantagem é transferir boa parte das transações para a rede dos Correios, desafogando as próprias  agências e melhorando o atendimento. ‘Antecipamos em alguns anos os planos de expansão da rede para todo o País’, disse Bendine com exclusividade à DINHEIRO. 

 

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Aldemir Bendine: ”Antecipamos em alguns anos a expansão da rede para todo o País.

Isso vai nos permitir reduzir custos e obter receitas antes do previsto”

 

‘Isso vai nos permitir reduzir custos e obter receitas antes do previsto.’ Um bom exemplo é a atuação no mercado agrícola. Há alguns anos, o BB era praticamente o único financiador do agronegócio no País, mas agora há outras alternativas: mercados futuros, captação de recursos de investidores, tanto brasileiros como internacionais. Assim, uma das maneiras de garantir a competitividade e a presença no mercado agrícola é mergulhar em nichos nos quais a nova concorrência não chega, assumindo operações que são pequenas, fragmentadas ou específicas demais.  

 

Para isso, o BB precisa ampliar sua rede, e é aí que entram o Banco Postal e os Correios. O valor do negócio fechado no início da semana passada surpreendeu a todos, analistas, executivos dos bancos e até mesmo o presidente dos Correios, que esperava arrecadar algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão com a proposta vencedora . Por isso mesmo, há uma sensação no mercado de que o BB pagou caro pelas chaves do Banco Postal. Não por acaso, as ações do banco estatal  caíram 2,3% nos dois dias seguintes ao anúncio dos resultados do leilão. 

 

Para comparar, o índice Bovespa recuou 0,6% nesse período. As ações do Bradesco e do Itaú – que causou espanto ao oferecer apenas 

R$ 0,01 na primeira fase do leilão – subiram. Segundo analistas, o Itaú pode ter entrado na disputa apenas para acirrar a concorrência entre os outros participantes e fazê-los gastar mais dinheiro. Procurado, o banco não comenta sua participação no leilão.

 

Nos envelopes fechados, o BB ofereceu R$ 1 bilhão, o Bradesco R$ 1,55 bilhão e a Caixa R$ 1,002 bilhão. Quando as três instituições foram para o leilão em viva voz, a disputa ficou acirrada. Cada proposta tinha de ser, no mínimo,  R$ 20 milhões mais elevada que a anterior. Os três bancos participaram até a quinta rodada, quando o preço estava em R$ 1,9 bilhão e a Caixa desistiu. Bradesco e BB continuaram a competir com lances cautelosos e cuidadosamente conferidos por telefone com executivos graduados de suas matrizes.

 

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A cautela era tanta que os participantes usaram integralmente o prazo de 15 minutos para dar lances em quase todas as rodadas. Na 12ª rodada, quando o BB ofereceu R$ 2,3 bilhões, os executivos do Bradesco não elevaram a oferta de R$ 2,25 bilhões e se deram por vencidos. Depois de seis horas de leilão, os representantes do BB puderam, finalmente, relaxar, mas evitaram celebrar o feito  e cumprimentaram os representantes do Bradesco.

 

A surpresa foi geral. O BB nunca demonstrou claramente estar mirando com interesse o Banco Postal. ‘Eles não disseram nem para nós que tinham interesse no negócio’, disse à DINHEIRO Wagner Pinheiro, presidente dos Correios. ‘Quando eu pedia para que eles entrassem na disputa, a resposta era sempre ‘vamos ver’, nada além disso.’ O suposto desinteresse fazia parte de uma bem-sucedida manobra de despiste para confundir a concorrência e evitar um inflacionamento dos preços. Na verdade, o BB de Bendine estava interessado, interessadíssimo mesmo, no Banco Postal.  

 

Obter a abrangência nacional oferecida pela capilaridade da rede dos Correios sempre foi um sonho de consumo do banco. Uma determinação da presidente Dilma Rousseff, porém, para que o BB entrasse com mais força no microcrédito e no financiamento à agricultura familiar foi decisiva. Bendine e sua equipe consideraram que esse era o caminho mais rápido, embora Dilma não tenha se referido especificamente à compra do Banco Postal. Tanto que ela reagiu com surpresa quando, logo após o leilão, recebeu um telefonema do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciando o resultado. ‘Nossa! Ganhou?’, disse Dilma ao ministro.

 

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No governo,  a vitória do BB no leilão foi bem recebida. ‘A parceria com os Correio é uma forma de chegar à baixa renda’, diz Bernardo. Para o BB, essa era a maneira mais eficaz de aumentar a participação de mercado junto aos clientes que ganham menos e que ainda se intimidam pelo ambiente de uma agência bancária. Ter mais fregueses na baixa renda é um dos pilares da estratégia do banco. 

O Bradesco conquistou dez milhões de clientes nos dez anos em que operou o Banco Postal, dos quais cinco milhões mantêm as contas ativas. Nesse formidável contingente, 93% têm renda inferior a três salários mínimos e desses, 80% ganham menos do que um salário mínimo. 

 

Para isso, o banco não economizou esforços nem recursos. ‘O BB pagou caro, mas isso faz parte de sua política’, diz um executivo de um banco concorrente. ’O mercado acredita que pagamos caro porque não entendeu nossa estratégia’, disse à DINHEIRO  Alexandre Abreu, vice-presidente de Varejo do BB. A estimativa de novos clientes em potencial chega a dez milhões, o equivalente à população do Estado do Paraná, mas esse não é o principal atrativo do Banco Postal. 

 

O raciocínio dos executivos do BB é o seguinte: o banco tem atualmente 36 milhões de clientes com renda mensal inferior a R$ 1.000, que hoje demandam uma rede de atendimento maior. ‘Vamos buscar clientes novos, claro, mas o Banco Postal vai reforçar a musculatura para atender melhor os clientes atuais e torná-los mais rentáveis para o banco’, diz Abreu. Segundo ele, o acesso à  rede de agências dos Correios se enquadra à perfeição ao plano de promover uma revolução no atendimento ao cliente e aumentar a oferta de serviços e produtos, batizado internamente de projeto BB 2.0. 

 

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‘Em 1995, quando tínhamos cinco milhões de clientes, nossa estratégia era expandir a base’, diz Abreu. ‘Agora que temos 55,5 milhões a estratégia é aumentar a rentabilidade desses clientes.? E como ficam os cinco milhões de clientes do Bradesco que abriram conta no Banco Postal’ A ideia é mantê-los em sua rede de agências e correspondentes bancários. Nos últimos dois anos, ao perceber que o BB estava afiando suas armas para entrar com força no mercado popular, o Bradesco começou a se precaver para a possibilidade de perder a parceria com os Correios e montou uma rede alternativa de correspondentes bancários nos lugares onde atuava apenas por intermédio do Banco Postal. 

 

Essa precaução vem desde 2008, quando o BB se mostrou muito agressivo ao disputar as folhas de pagamento e as contas de  prefeituras de municípios de médio porte, especialmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. ‘Quando percebeu o apetite do BB, o Bradesco concluiu que o Banco Postal seria o próximo alvo e tomou suas providências’, diz um analista que acompanhou o leilão. Hoje, todas as cidades onde o banco comandado por Trabuco opera por meio do Banco Postal contam também com um correspondente bancário alternativo. 

 

Nos próximos seis meses, os dois bancos farão a transição dos sistemas para que, a partir de janeiro de 2012, o cliente dos Correios encontre o logo do Banco do Brasil quando for pagar uma conta no Banco Postal. No entanto, embora o processo deva se dar em meio à cooperação entre as duas partes, uma coisa é certa: a briga para manter cada um dos CPFs dos clientes que operam pelo Banco Postal será acirrada. O Bradesco conhece com precisão milimétrica quais são as agências mais rentáveis e quais dão prejuízo, uma informação que nem os Correios possuem. 

 

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Entrega expressa: a capilaridade dos Correios no país foi o principal atrativo para o BB

 

 

 

Que venha o trem- bala

 

Prioridade dos Correios é melhorar a logística e modernizar agências

 

O que você faria com R$ 3,35 bilhões? O presidente dos Correios, Wagner Pinheiro, já está traçando os planos para usar parte desses recursos para modernizar a instituição tricentenária e adaptá-la às novas exigências do século XXI. O reforço de caixa após o leilão do Banco Postal é arrebatador para qualquer empresa: somente este mês entram R$ 2,3 bilhões, mais de quatro vezes o valor do plano de investimentos da estatal para 2011, orçado em R$ 500 milhões. ‘Nossa prioridade é executar todo este orçamento, que significa o dobro do investido no ano passado’, disse Pinheiro à DINHEIRO.

 

A prioridade é melhorar as agências e atualizar a tecnologia de entrega de correspondências, com envio eletrônico de documentos e comprovantes de entrega. Os Correios também pretendem investir em logística. A empresa quer entrar como sócia no trem-bala entre Rio e São Paulo e estuda participar de uma companhia de aviação. Economista de formação, Pinheiro está acostumado a lidar com cifras gigantescas. Foi presidente do Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, entre 2003 e 2010, e assumiu o cargo em janeiro, dentro da reformulação determinada pela presidente Dilma Rousseff.

 

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“Queremos ser sócios do consórcio vencedor” Wagner Pinheiro, presidente dos Correios

 

Em janeiro passado, Dilma mudou toda a diretoria dos Correios e encomendou mudanças na legislação para fortalecer a empresa, que completa 350 anos em 2013. Uma medida provisória publicada no fim de abril e um novo estatuto a tornaram mais transparente e a autorizaram a investir nas áreas de logística, serviços financeiros e serviços postais eletrônicos, além de permitir a compra de outras companhias e atuar no Exterior. A ordem é concorrer, de igual para igual, com as grandes companhias internacionais. Para isso, a empresa precisa investir também em infraestrutura, um dos maiores desafios do governo Dilma.

 

No caso do trem-bala, os Correios não vão entrar diretamente na disputa, mas preparam-se para participar na condição de sócio estratégico da empresa que será formada pelo consórcio vencedor do leilão, marcado para o fim de julho. ‘É possível que tenhamos de fazer o investimento ainda este ano, mas não decidimos ainda o valor da nossa participação’, diz Pinheiro. Participar do trem-bala é importante para os Correios porque o corredor Rio-São Paulo é o mais movimentado no fluxo de correspondências em todo o País. 

 

Toda noite, 40 caminhões da frota seguem pela Dutra de São Paulo em direção ao Rio de Janeiro e 20 veículos fazem o caminho inverso. Em dez anos, a empresa calcula que o transporte rodoviário neste trecho estará inviável, com a velocidade de uma avenida urbana. ‘Vamos ser um grande cliente do trem-bala. Como parceiros, podemos ter tarifas predefinidas e espaços nos terminais’, diz Pinheiro. 

 

Outra carta na mesa de Pinheiro é o transporte aéreo. A aquisição de uma frota própria daria mais confiabilidade às entregas rápidas, mercado disputado por empresas estrangeiras como DHL e Fedex, e evitar problemas como os que aconteceram no ano passado, quando empresas aéreas contratadas tiveram problemas, atrasaram a entrega de encomendas e levaram a empresa a suspender o Sedex 10 (entregue até 10 horas da manhã do dia seguinte), causando prejuízos à imagem dos Correios. 

 

Outro desafio é reforçar a mão de obra. A contratação de funcionários, que estava parada, foi retomada este ano. No próximo mês, dez mil candidatos que passaram no concurso público começam a ser chamados. A empresa também renovou o contrato com serviços aéreos da rede postal noturna e contratou serviços de comunicação multimídia. Lá fora, negocia com a CTT, de Portugal, para incrementar a atuação na Europa com a abertura de unidades de negócios, e estuda parcerias com Angola e outros países africanos.